Ao entregar a produção de suas novelas nas mãos da Igreja Universal do Reino de Deus, a Record deixou ainda mais distante qualquer possibilidade de voltar a apostar em dramaturgia contemporânea “não-bíblica”. Do passado em que investiu pesado em folhetins e realizou boas produções só restaram as reprises, como Vidas em Jogo (2011), no ar em horário nobre.

Gloria Menezes
Rodrigo Adao / AgNews

No entanto, não muito tempo atrás, os planos da emissora eram bem diferentes. O canal teve uma fase em que buscava um rumo para sua dramaturgia. A ideia era refazer textos que ficaram famosos justamente na tela de sua maior rival, a Globo.

Nesta estratégia, a Record considerou produzir um remake de Pai Herói (1979), um clássico de Janete Clair, estrelada por nomes como Gloria Menezes (foto acima) e Tony Ramos.

Inspiração na concorrência

Escrava Isaura - Edwin Luisi e Lucélia Santos
Divulgação / Globo

O plano da Record era “inspirado” na novela que marcou o início de uma “fase de ouro” em sua dramaturgia: A Escrava Isaura (2004). Ao apostar em sua própria adaptação da obra de Bernardo Guimarães, a emissora acabou resgatando uma trama que fez sucesso na tela da Globo nos anos 1970.

Deu tão certo que o canal, na mesma época, até considerou adaptar Gabriela Cravo e Canela, de Jorge Amado, outra história que rendeu duas versões na concorrente. O plano não foi adiante, mas as novelas da emissora decolaram a partir daí.

Mas, após emplacar inúmeros sucessos como Prova de Amor (2005), Vidas Opostas (2006) e Caminhos do Coração (2007), a Record viu a audiência de suas novelas cair vertiginosamente. Máscaras (2012) deu início a uma fase menos popular de sua teledramaturgia.

A emissora até tentou repetir o feito de A Escrava Isaura e resgatou outro título que fez sucesso na Globo, Dona Xepa (2013). A Record comprou os direitos da peça de Pedro Bloch e apostou em uma nova adaptação, assinada por Gustavo Reiz. No entanto, a trama não deu muito certo. Na sequência, vieram Pecado Mortal (2013) e Vitória (2014), também com baixa audiência.

Outro clássico

Os Dez Mandamentos

Neste contexto, em 2015, a Record buscava uma nova sacudida em sua teledramaturgia. Na época, já estava engatilhada Escrava Mãe, de Gustavo Reiz, que narrava a vida da mãe da Escrava Isaura. Ao mesmo tempo, a emissora transformou o projeto da minissérie Os Dez Mandamentos em novela. A ideia era exibir folhetins na faixa das 20h30, alternando produções bíblicas e obras tradicionais.

Foi aí que veio o anúncio de que a emissora preparava um remake de Pai Herói. Num evento em que divulgou parte das novidades da grade de 2015, a Record avisou que planejava uma nova versão de um grande sucesso de Janete Clair. O portal Notícias da TV apurou que se tratava de Pai Herói, uma das principais obras da famosa novelista.

Procurada pelo site, a Globo afirmou que a Record não poderia fazer um remake da obra, já que a novela lhe pertencia. No entanto, ainda de acordo com o NTV, a ideia da Record era adaptar a radionovela Um Estranho na Terra de Ninguém (1958), da própria Janete, que serviu de inspiração para Pai Herói. Ou seja, seria um “remake genérico”.

Textos do rádio

Janete Clair

Na época, o Notícias da TV também informou que os direitos da obra radiofônica de Janete Clair (foto acima) pertenciam aos herdeiros da novelista. Com isso, a direção da Record teria negociado a adaptação de Um Estranho na Terra de Ninguém junto aos familiares da autora.

Trata-se da mesma estratégia que o SBT havia adotado no final dos anos 2000. O canal de Silvio Santos também adquiriu textos de rádio de Janete Clair na intenção de produzir novas versões de suas tramas. No entanto, apenas um foi utilizado: Vende-se um Véu de Noiva (2009), adaptado por Iris Abravanel. Trata-se da radionovela que originou Véu de Noiva (1969), outro clássico que Janete escreveu para a Globo.

No entanto, após o anúncio, a Record acabou abandonando a ideia de fazer sua “versão genérica” de Pai Herói. O inesperado sucesso de Os Dez Mandamentos fez com que a emissora desistisse de revezar tramas bíblicas e contemporâneas, apostando suas fichas apenas em adaptações do Livro Sagrado. Com isso, a nova Pai Herói foi engavetada.

Clássico

Pai Herói

Pai Herói contava a história de André Cajarana (Tony Ramos, na foto acima), um homem que cresceu acreditando que seu pai, já falecido, era uma figura acima de qualquer suspeita. Ele foi criado pelo avô no interior de Minas Gerais ouvindo histórias fantásticas sobre o homem que lhe deu a vida.

Assim que seu avô morre, André decide ir ao Rio de Janeiro em busca de mais informações sobre seu pai. Mas ele descobre que a figura do herói que pintou, na verdade, não existia. Seu progenitor era um bicheiro e traficante, acusado de crimes terríveis.

Ao mesmo tempo em que procura respostas sobre a trajetória do pai, André se envolve com duas mulheres: a bailarina Carina (Elizabeth Savalla) e Ana Preta (Gloria Menezes), dona de uma gafieira.

A trama foi um sucesso já na abertura: a música Pai, de Fábio Jr, é associada à produção até hoje. Pai Herói foi exibida em 1979. No ano seguinte, ela foi reexibida num compacto de 90 minutos, como parte do Festival 15 Anos da Globo. Em 2016, a trama foi reprisada no Viva. A novela também foi disponibilizada em DVD e sua íntegra faz parte do catálogo do Globoplay.

Compartilhar.
Avatar photo

André Santana é jornalista, escritor e produtor cultural. Cresceu acompanhado da “babá eletrônica” e transformou a paixão pela TV em profissão a partir de 2005, quando criou o blog Tele-Visão. Desde então, vem escrevendo sobre televisão em diversas publicações especializadas. É autor do livro “Tele-Visão: A Televisão Brasileira em 10 Anos”, publicado pela E. B. Ações Culturais e Clube de Autores. Leia todos os textos do autor