Nilson Xavier

É desalentador quando uma mocinha que parecia promissora cai na armadilha da necessidade de ser burra, chorona e chata para fazer a novela andar. Dorinha, a personagem de Larissa Manoela em Além da Ilusão, parecia ter tudo para ser grande. Pelo menos assim foi vendida, lá no início.

Moça decidida, batalhadora, altiva, focada na carreira de estilista, Dorinha não se deixava abalar facilmente por intempéries. Dessa forma, fazia o contraponto necessário com sua falecida irmã Elisa, de perfil romântico e doce, morta na primeira fase da novela.

No início, as armações, armadilhas e o jogo de gato e rato entre o herói Davi/Rafael (Rafael Vitti) e o vilão Joaquim (Danilo Mesquita) não incomodavam. Joaquim é um vilão burro, movido pela emoção, tendo a cumplicidade da mãe, a pérfida Úrsula (Bárbara Paz). A trama vivia de ciclos de armadilhas dos vilões, que sempre acabavam descobertos e se dando mal. Era até divertido!

E assim Além da Ilusão arrancou elogios de toda parte, com uma trama envolvente, até então bem conduzida pela autora Alessandra Poggi.

Amor emburrece?

Porém, Dorinha apaixonou-se por Rafael e assim caiu na pior das armações: tornou-se uma mocinha inconstante, revelando por trás da carcaça da mulher altiva, um perfil cheio de fragilidades.

Até aqui, tudo totalmente verossímil. Entretanto, é flagrante que essa mudança em sua personalidade serviu apenas de combustível para Rafael e Joaquim se digladiarem enquanto faltam alguns meses para o término da novela.

A pior fase – indefensável – foi o despertar de Dorinha para a rebeldia, quando envolveu-se com o bando de Nelsinho (Johnny Massaro). Era uma outra personagem, não porque começou a fumar e revoltar-se contra tudo e contra todos, mas porque não fazia o menor sentido.

De repente, para forçar uma situação, a autora transformou Dorinha em uma personagem imatura. De lá para cá, a mocinha caiu em uma espiral de atitudes e situações previsíveis que a tornaram insuportável para quem assiste.

Necessidade do roteiro

Saliento que Dorinha não é inconstante na personalidade, mas na necessidade do roteiro. Assim, de acordo com o que exige a situação, a mocinha mescla rompantes de progressismo (como quando toma iniciativa de ajudar o casal Leopoldo e Plínio) com retrocesso tacanho (como quando desiste de casar-se com Rafael porque descobriu que ele e Iolanda dormiram juntos, mesmo o rapaz tendo confessado).

O próprio Rafael, diga-se de passagem, usa sua mágica para safar-se das armadilhas dos vilões de acordo como o cronograma da novela (até agosto, quando termina).

A previsibilidade das armações chegou ao ápice recentemente quando Úrsula decidiu investigar a vida privada do médico que vai atestar sua gravidez a fim de descobrir algo com o qual pudesse chantageá-lo.

E descobriu uma amante. Ora vejam só! Quem diria, não é mesmo?

Forçar situações absurdas, ou que contradizem o perfil dos personagens (no caso de Dorinha), para fazer render a novela não só empobrece a narrativa como subestima a inteligência do público.

Tramas paralelas

Apesar da trama central ter afundado em uma espiral de situações forçadas, previsíveis e cansativas, a novela tem a seu favor as tramas paralelas, estas sim bem construídas e desenvolvidas por Alessandra Poggi. Com as melhores interpretações, inclusive.

Como toda a história envolvendo a filha desaparecida de Heloísa, com frequentes shows de Paloma Duarte e Antônio Calloni, gigantes em cena.

A garota Débora Ozório, como Olívia, a filha de Heloísa, é um talento e tanto e conquistou fãs nas redes sociais – onde comumente se lê que as protagonistas morais da novela são Heloísa, ou Olívia, ou Arminda.

Falando nela, os quiproquós entre Arminda e Mariana e todo o núcleo da rádio são divertidíssimos. As cenas em que os personagens fazem as radionovelas são bem escritas e dirigidas.

Caroline Dallarosa e Carolina Romano – Arminda e Mariana – esbanjam sintonia. Destaque também para o núcleo do cassino e para os veteranos Paulo Betti (Constantino), Alexandra Richter (Julinha), Marisa Orth (Margô) e Arlete Salles (Santa).

Além da Ilusão continua uma boa novela. Minha única crítica é em relação ao desgaste da trama central. O que prende mesmo é o que circunda o triângulo Rafael-Dorinha-Joaquim. Sobre o triângulo, por sua vez, espera-se apenas o desfecho do mágico fugitivo e que Dorinha recupere a lucidez.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor