Na condição de apresentador, Silvio Santos foi um dos destaques da programação da Globo de 1965 a 1976. Porém, há 20 anos, os caminhos do hoje dono do SBT e da emissora carioca voltaram a se cruzar de uma forma muito diferente. Em 30 de agosto de 2001, SS aparecia novamente na tela de sua antiga empregadora, mas desta vez como refém na sua própria casa no Morumbi, zona sul de São Paulo. Em um esforço jornalístico sem precedentes, a Globo interrompeu a sua programação para acompanhar tudo de perto.

Para entender essa história, é necessário voltar alguns dias antes no tempo. Então com 23 anos, uma das filhas de Silvio, Patrícia Abravanel, foi sequestrada em 21 de agosto ao ser rendida na garagem de casa por Fernando Dutra Pinto, líder de uma quadrilha que tinha entre os membros o seu irmão, Esdras. Mantida em cativeiro por uma semana, Patrícia foi libertada pelo bando após o pagamento do resgate (R$ 7 milhões) e retornou à casa da família dirigindo o próprio carro. No dia seguinte, concedeu uma entrevista coletiva da sacada do seu quarto na mansão.

Na época, a Globo foi criticada pelo SBT e por outros veículos pela divulgação do caso, o que reacendeu uma antiga discussão sobre o tema. Em nota oficial lida por William Bonner no Jornal Nacional de 21 de agosto, a emissora da família Marinho defendeu o seu posicionamento em relação a notícias sobre sequestros, adotado desde 1990, por entender que o sigilo apenas beneficiaria os bandidos.

Apesar do perigo e da tensão daqueles dias, veio o alívio e parecia que tudo estava resolvido. Porém, Dutra Pinto conseguiu fugir do mega cerco policial formado no dia 29 de agosto em Barueri, onde ele estava hospedado num flat com nome falso. Depois de matar dois policiais e escapar de forma absolutamente ousada, driblando cerca de 100 viaturas, foi até a mansão Abravanel na manhã seguinte e a invadiu pulando o muro. No entanto, acabou esbarrando na cerca elétrica e acionando o alarme que alertou a polícia.

Plantão especial

Se a incrível fuga do sequestrador já havia surpreendido o público, ver o maior apresentador do país sob a mira de um revólver em cárcere residencial foi ainda mais chocante. A notícia foi dada na Globo pelo jornalista Carlos Nascimento, que entrou ao vivo durante o programa Mais Você. Em seguida, conforme relembra o site Memória Globo, “a partir das 9h04, a emissora passou a transmitir, ao vivo e sem interrupção, imagens do local onde tudo acontecia e informações do sequestro que parou o país diante da TV. A cobertura especial só terminaria às 14h55, quando Fernando Dutra Pinto concordou em se entregar”.

Nascimento fez a narração de toda a cobertura (encerrada somente no Jornal Hoje), enquanto que o trabalho de reportagem ficou a cargo de César Galvão, Chico Pinheiro, Marco Antônio Sabino, Carlos Dorneles, Caco Barcellos e Priscila Brandão. De acordo com o Memória Globo, ao todo “foram mobilizadas cerca de 50 pessoas, um helicóptero e uma motocicleta equipada com microcâmera, além de cinco unidades móveis, deslocadas para pontos estratégicos da cidade a fim de garantir o sinal ao vivo”.

Em situações desse tipo, espera-se que qualquer vítima sofra uma intensa pressão emocional. Não foi o caso de Silvio, que se manteve absolutamente calmo o tempo todo, mesmo após ficar sozinho, já que a mulher e as filhas logo foram liberadas por Dutra Pinto. A polícia cercou a casa do apresentador e as negociações levaram mais de sete horas. Até mesmo o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, participou do processo de mediação, juntamente com o secretário de Segurança Pública, Marco Vinício Petrelluzzi.

Desdobramentos

Cinco meses depois de sua prisão, em 2 de janeiro de 2002, Fernando Dutra Pinto morreu no Centro de Detenção Provisória do Belém, zona leste de São Paulo, em circunstâncias misteriosas aos 22 anos, vítima de uma infecção generalizada que lhe causou uma parada cardiorrespiratória. As suspeitas de que poderia ter sido vítima de envenenamento ou de uma superdosagem de medicamentos nunca foram comprovadas.

Dois meses depois, os quatro sequestradores remanescentes receberam as suas sentenças: Esdras Dutra Pinto foi condenado a 19 anos e seis meses de prisão, enquanto que para Marcelo Batista Santos, Luciana Santos Sousa e Tatiane Pereira a pena foi de 15 anos.

De tão cinematográfico, o caso quase virou literalmente um filme em 2019: Silvio Santos seria interpretado por Rodrigo Faro. Porém, de acordo com informações divulgadas em dezembro daquele ano pelo colunista Felipeh Campos, da RedeTV!, a produção foi cancelada por falta de dinheiro.

No ano passado, Íris Abravanel relembrou o caso em uma emocionada entrevista ao canal da filha Patrícia no YouTube. “É difícil (a gente) perdoar o sequestrador da própria filha. Eu tive que lutar para liberar esse perdão”, revelou.

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Entusiasta da história da televisão brasileira, Jonas Gonçalves é jornalista e pesquisador, sendo colaborador do TV História desde a sua criação, em 2012. Ao longo de quase 20 anos de profissão, já foi repórter, editor e assessor de comunicação, além de colunista sobre diversos assuntos, entre os quais novelas e séries Leia todos os textos do autor Leia todos os textos do autor