André Santana

A estreia de Todas as Garotas em Mim mostrou bem os rumos equivocados que a dramaturgia da Record, comandada por Cristiane Cardoso (foto abaixo), vem tomando. A emissora abraçou um projeto bíblico e perdeu de vista o principal: o público.

TAGEM, a sigla da série que vem sendo usada pela própria emissora, não está apenas distante de seu público-alvo. Ela parece nem ao menos ter um público-alvo definido.

Todas as Garotas em Mim

Com embalagem de produto teen, a trama conta a história de Mirela (Mharessa), uma influenciadora digital adolescente que vive os problemas típicos de sua idade. Ela vive cercada de amigos, mas tem questões com o namorado, o amigo de infância e a família. Mirela passa a enxergar melhor sua própria vida e existência quando se aproxima da avó, Isis (Adriana Garambone), que lhe apresenta importantes mulheres da Bíblia.

A premissa inusitada se mostra capenga diante da execução sofrível. A autora Stephanie Ribeiro mostra pouca sutileza ao tentar emular o universo adolescente, apostando em arremedos de clichês do cinema estadunidense. Apesar de parecer querer falar ao jovem, TAGEM não cria elos de identificação com este público, deixando tudo muito artificial.

Todas as Garotas em Mim

Um exemplo claro desta falta de identificação é a pouca sutil propaganda da série Reis, feita pela própria Mirela.

“Mas essa história é da época dos reis de Israel? Igual à série da Record?”, pergunta a moça à avó. “Eu sou apaixonada por essa série!”, arremata Mirela, desta vez falando diretamente ao público.

Aliás, esta quebra da quarta parede, constante em TAGEM, é um gracejo interessante. E é preciso reconhecer que Mharessa é uma jovem talentosa. Mas o texto não ajuda, e o que poderia soar criativo acaba ficando constrangedor.

Estreia fraca

Todas as Garotas em Mim

Na audiência, Todas as Garotas em Mim também não disse a que veio. De acordo com dados prévios do Kantar Ibope, a trama estreou com parcos 4,6 pontos, derrubando os índices do horário, que já estavam num patamar modesto.

Quem se deu bem com a estreia de TAGEM foi o SBT, que viu sua Poliana Moça assumir a segunda colocação no ranking de audiência. A trama escrita por Iris Abravanel registrou 6,8, com picos de 9 pontos, resultado ligeiramente maior do que a novela alcança normalmente.

Dramaturgia sem rumo

Cristiane Cardoso

O desempenho sofrível de TAGEM revela as fragilidades do setor de dramaturgia da Record. Desde que a filha do bispo Edir Macedo assumiu a direção do setor, a emissora tem experimentado uma evidente queda de qualidade (e de audiência) em suas produções.

É possível compreender que Cardoso tem um projeto bíblico bem definido para a dramaturgia da casa, buscando utilizar o setor para evangelizar. No entanto, a falta de profissionalismo afeta as produções do canal, resultando em produções duvidosas e sem potencial de audiência.

Afinal, não era preciso ser nenhum especialista em dramaturgia para imaginar que TAGEM dificilmente daria certo. A produção tem erros primários, que poderiam ser corrigidos se tivesse diretores e roteiristas experientes no comando.

Como, aliás, já teve. Na fase áurea das novelas da emissora, sua dramaturgia contava com nomes como Hiran Silveira, com experiência na área. No time de autores, medalhões como Lauro César Muniz e Marcílio Moraes, além de outros profissionais experientes, como Margareth Boury, Gisele Joras e Tiago Santiago. Esta era chegou ao fim.

Decisão

Reis

É compreensível que a Record, ligada à Igreja Universal do Reino de Deus, use sua televisão para seu projeto de evangelização. Mas o canal erra ao fazer isso ao mesmo tempo em que se comporta como uma televisão comercial convencional, que busca audiência.

Os dois projetos são incompatíveis. Se quiser ter público (e, consequentemente, faturamento), a Record precisa voltar a produzir novelas que falem às massas, e que tenham à frente profissionais que compreendam os meandros destas produções, garantindo a qualidade e o interesse do público.

Mas se a ideia é somente evangelizar, é preciso ter ciência de que haverá um prejuízo grave de audiência, além da evidente queda de qualidade provocada pela falta de experiência dos envolvidos. A emissora precisa definir, com mais clareza, qual caminho pretende seguir.

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André Santana é jornalista, escritor e produtor cultural. Cresceu acompanhado da “babá eletrônica” e transformou a paixão pela TV em profissão a partir de 2005, quando criou o blog Tele-Visão. Desde então, vem escrevendo sobre televisão em diversas publicações especializadas. É autor do livro “Tele-Visão: A Televisão Brasileira em 10 Anos”, publicado pela E. B. Ações Culturais e Clube de Autores. Leia todos os textos do autor