Nilson Xavier

Recentemente, Pantanal levantou o Ibope e o moral das novelas da Globo. A emissora apostou no certeiro, o remake de uma obra que foi puro sucesso e que deu pouco trabalho para seu autor e criador, Benedito Ruy Barbosa.

O sufoco maior passaram atores e equipe técnica durante as gravações no Pantanal, repletas de limitações e dificuldades. A versão atual seguiu na mesma linha, até mais plácida, já que os recursos hoje são muito superiores aos que eram em 1990.

O Rei do Gado - Antonio Fagundes e Patrícia Pillar

Em seguida, o autor retornou à telinha na reprise de O Rei do Gado (foto acima), que também enfrentou alguns problemas nos bastidores, como a inclusão do Movimento dos Sem-Terra (MST) e as críticas dos políticos ao senador Caxias (Carlos Vereza).

Contudo, Benedito é um autor acostumado a lidar com problemas durante suas novelas. Confira:

Meu Pedacinho de Chão, O Feijão e o Sonho e Cabocla

Meu Pedacinho de Chão, primeira novela de Benedito na Globo, escrita no auge da repressão da Ditadura Militar (1971-1972), enfrentou diversos problemas com a censura do Regime.

Só para citar uma exemplo: a sequência em que um personagem tocava violão e cantava o Hino Nacional para os caboclos, e, em seguida, um aluno cantava o hino da escola, tendo a bandeira do Brasil estendida sobre uma mesa.

A censura cortou as cenas, alegando que o hino brasileiro não podia ser cantado naquele ambiente e que a bandeira só podia aparecer em “cenas especiais”.

O Feijão e o Sonho (1976) foi uma novela elogiada e ainda é lembrada pelos saudosistas, mas passou por uma série de dificuldades, inclusive de ordem de produção. O incêndio nos estúdios da TV Globo, no Jardim Botânico, em 4 de junho de 1976, obrigou a transferência das gravações – e remontagens de todos os cenários internos – para a TV Educativa.

Ainda: Benedito teve que reescrever e repensar diversos capítulos – causando atrasos nas gravações – porque o ator Cláudio Cavalcanti, que vivia o protagonista, sofreu um enfarte e ficou afastado por cerca de um mês. Também Roberto Bonfim, com um papel importante na trama, teve problemas de saúde e afastou-se, obrigando a escalação de outro ator para a continuidade dos trabalhos.

Em Cabocla (a primeira versão, de 1979), o autor voltou a ter problemas com a censura do Regime Militar. Foi impedido, por exemplo, de mostrar uma sequência de imagens em que Zuca (Glória Pires) encontra Luís Jerônimo (Fábio Jr.) em um quarto. Benedito queixou-se ao livro “Autores” (do Projeto Memória Globo):

“Ele está tossindo, bem mal, sabe… Mas eles não queriam que aparecesse uma cena de dois solteiros conversando em um quarto. Achavam uma afronta”.

Voltei pra Você e Sinhá Moça

Voltei pra Você (1983-1984) – uma encomenda da Globo para que a trama fosse ambientada na cidade histórica mineira de São João Del Rei – foi a novela que Benedito Ruy Barbosa mais detestou fazer. Foi o que o autor revelou a André Bernardo e Cíntia Lopes para o livro “A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo”:

“Escrevi uma novela para um elenco que não tinha escolhido, ambientada em um cenário que não era o meu. (…) Se não me engano, tomei uns 75 litros de vodca para terminar essa novela. Pergunta para a minha mulher. Ela guardou todas as garrafas para me mostrar no final da novela. Quando vi, nem acreditei!”.

Sinhá Moça

Sinhá Moça (1986) foi um projeto grandioso da Globo, que, indiretamente, celebrava os 10 anos de produção da novela Escrava Isaura, com vistas para o mercado internacional. As duas tramas eram de cunho abolicionista e, logicamente, teriam que ter Lucélia Santos e Rubens de Falco no elenco, aproveitando a popularidade dos atores no exterior por causa de Escrava Isaura.

Benedito não concordou com a escalação da estrela Lucélia Santos. E teve problemas com a atriz. Ao livro “A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo”, desabafou:

“Se pudesse, teria escolhido a Giulia Gam para a protagonista. (…) Infelizmente a Globo não deixou. A Lucélia encheu o saco durante a novela. A certa altura, chegou a dizer que não serviria de escada para os outros [atores]”.

Esperança e Velho Chico

Esperança

Benedito Ruy Barbosa passava por problemas pessoais durante a escrita de Esperança (2002-2003) e acabou atrasando a entrega dos capítulos, a ponto das cenas serem gravadas às vésperas ou no mesmo dia em que iam ao ar. Atores ficavam à disposição do expediente, sem chance de agendarem outros compromissos. Dizia-se maldosamente pelos corredores que a novela estava sendo gravada ao vivo. Mergulhada em uma “barriga”, a audiência despencou.

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A crise chegou ao ápice com a mudança urgente de mãos. Cedendo à pressão imposta pelo ritmo industrial da emissora, Benedito abriu mão de escrever e passou o bastão a Walcyr Carrasco, que assumiu a novela. A fim de sanar todos os problemas causados pelo atraso dos capítulos, o novo autor mexeu bastante na trama. Benedito não gostou, conforme declarou ao livro “A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo”:

“Quando ele assumiu a novela, deixei de assistir. Se visse, queria bater nele. Na época, liguei para o Mário Lúcio Vaz [então diretor artístico da Globo] e disse ‘avisa o Walcyr que quando eu encontrar com ele, eu vou dar porrada, entendeu?’ Ele simplesmente acabou com minha novela. Não terminou como eu queria. Depois, mandou uma carta pedindo desculpas”.

Por fim, Velho Chico (2016) – escrita com o neto Bruno Luperi -, em que Benedito enfrentou uma tragédia. Na tarde do dia 15 de setembro de 2016 (faltando 2 semanas para o término da novela), os atores Domingos Montagner e Camila Pitanga, em um intervalo de gravação, foram nadar no Rio São Francisco, na região de Canindé de São Francisco, em Sergipe. Camila conseguiu escapar da forte correnteza, mas Domingos não teve a mesma sorte.

Quatro horas depois, o corpo do ator foi encontrado, sem vida. Domingos tinha 54 anos de idade. O personagem continuou nas últimas semanas da novela por meio de um artifício de direção: a câmera subjetiva. Em vez de interagir com Domingos, os atores “contracenaram” com a câmera, e o espectador via as sequências pelos olhos do protagonista.

O elenco já havia perdido o ator Umberto Magnani (o Padre Romão da trama), que faleceu em 27 de abril de 2016, aos 75 anos, dois dias depois de sofrer um acidente vascular encefálico hemorrágico durante uma gravação da novela. O ator Carlos Vereza foi chamado para viver um outro padre (Benício) que fez as vezes do personagem de Magnani.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor