André Santana

Num passado não muito distante, autores consagrados abominavam a ideia de escrever para o horário das seis. O saudoso Gilberto Braga, por exemplo, já era um dos “medalhões” do horário nobre da Globo quando voltou à faixa das seis para assinar Força de um Desejo (1999). Na época, ele declarou que se sentiu “rebaixado”.

Mar do Sertão - Isadora Cruz
Reprodução / Globo

Mas o jogo virou! Hoje, com a crise instalada no horário nobre da Globo, tem muito autor preferindo assinar folhetins das seis, faixa que atualmente exibe Mar do Sertão, escrita por Mário Teixeira e estrelada por Isadora Cruz (foto acima). Tanto que, atualmente, o horário é o que tem o maior número de tramas já planejadas, mobilizando autores como Alessandro Marson, Thereza Falcão, Alessandra Poggi, Thelma Guedes e Lícia Manzo.

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Faixa problemática

Mar do Sertão - Clarissa Pinheiro e Enrique Diaz
Fábio Rocha / Globo

Mar do Sertão, atual trama das seis, chega à reta final correspondendo às expectativas. A novela de Mário Teixeira caiu nas graças do público e elevou a audiência do horário, sendo considerada um êxito na Globo. Amor Perfeito, sua substituta, conta com a confiança da direção do canal para manter a boa fase.

Mas nem sempre foi assim. Há 20 anos, a faixa das seis foi considerada a mais problemática dentre os principais horários de novelas da Globo. Tanto que muitos autores defenestravam qualquer possibilidade de serem convocados para escrever ali.

No início dos anos 2000, a baixa audiência de seguidas produções do horário rendeu até um debate dentro da Globo. A discussão, que mobilizou autores e diretores, buscava entender o que estava acontecendo com as novelas do horário, todas abaixo do esperado. Muitos acreditavam que o horário das seis estava “morto” e já não tinha mais futuro.

Crise

Gilberto Braga
Reprodução

Uma matéria publicada pela Folha de S. Paulo de 31 de agosto de 2003 revelava que a Globo discutia o futuro das novelas das seis. Na época, Agora É que São Elas, de Ricardo Linhares, havia demorado a engrenar. E, antes dela, outros fiascos foram exibidos, como A Padroeira (2001), Coração de Estudante (2002) e Sabor da Paixão (2002). Chocolate com Pimenta estava prestes a estrear e era a “última esperança” da Globo para recuperar o horário.

Assim, a emissora promovia um encontro de três dias com seus profissionais em Angra dos Reis para discutir ideias. Uma das pautas, proposta pela autora Ana Maria Moretzsohn, era justamente buscar soluções para o horário das seis. A novelista escreveu sucessos no horário, como Esplendor (2000) e Estrela Guia (2001), mas amargou o fiasco com Sabor da Paixão.

“É claro que há questões específicas de cada trama, mas o horário é bastante sacrificado. Novela das seis é coisa do tempo em que as pessoas já estavam em casa nessa hora. Hoje em dia, muita gente está presa nos congestionamentos”, explicou Moretzsohn.

O veterano Gilberto Braga (foto acima) compartilhava da opinião da colega.

“Comparando as novelas das seis que fiz nos anos 70 a Força de um Desejo, a repercussão, agora, é bem menor. Algo mudou. Acho Força bem superior ao que escrevi antes. E a repercussão deixava muito a desejar. Tenho a impressão de que as pessoas chegam mais tarde em casa”, analisou o autor, que emplacou vários sucessos no horário, como Escrava Isaura (1976).

Novos tempos

Maria Adelaide Amaral
Divulgação / Globo

Anos depois, a situação se inverteu. O próprio Gilberto Braga, por exemplo, tentou emplacar uma novela das seis após o fiasco de Babilônia (2015). O autor chegou a escrever vários capítulos de Feira das Vaidades em parceria com Denise Bandeira. A trama estava confirmada no horário, mas foi adiada indefinidamente até ser engavetada após a morte do autor.

Outra que ensaiava retornar ao horário era Maria Adelaide Amaral (foto acima). O fracasso de A Lei do Amor (2016) fez com que a veterana rejeitasse a ideia de voltar a escrever para a faixa das 21 horas. Ela, então, retornaria às seis, horário em que emplacou sua primeira novela, o remake de Anjo Mau (1997). Amaral trabalhava em O Selvagem da Ópera para a faixa, mas deixou a Globo recentemente.

Lícia Manzo vai pelo mesmo caminho. Autora de A Vida da Gente (2011) e Sete Vidas (2015), dois êxitos das seis, a autora estreou às nove com Um Lugar ao Sol (2021) e amargou a pior audiência da história da faixa. Agora, ela deve retornar ao horário das seis com uma nova novela.

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André Santana é jornalista, escritor e produtor cultural. Cresceu acompanhado da “babá eletrônica” e transformou a paixão pela TV em profissão a partir de 2005, quando criou o blog Tele-Visão. Desde então, vem escrevendo sobre televisão em diversas publicações especializadas. É autor do livro “Tele-Visão: A Televisão Brasileira em 10 Anos”, publicado pela E. B. Ações Culturais e Clube de Autores. Leia todos os textos do autor