André Santana

Mar do Sertão, nova novela das seis da Globo, pretende retratar o Nordeste brasileiro, explorando a cultura e as paisagens da região. Para isso, a direção da trama, encabeçada por Allan Fiterman, escalou um elenco bastante representativo, formado por mais de 20 atores nordestinos. A decisão é mais do que acertada; recentemente, a emissora errou neste quesito com Sol Nascente (2016) e Segundo Sol (2018).

Globo

Na trama lançada nesta segunda-feira (22), a paraibana Isadora Cruz vive a mocinha Candoca, enquanto o pernambucano Renato Góes é o antagonista Tertulinho. No elenco, também aparecem os paraibanos Nanego Lira, Suzy Lopes, Thardelly Lima, Everaldo Pontes e Quitéria Kelly, além dos baianos Cyria Coentro e Felipe Velozo, entre outros.

“Temos o Nordeste muito bem representado na novela com nossas cores, nosso sotaque e nossa musicalidade”, declarou a atriz Quitéria Kelly, que interpreta a personagem Latifa, em entrevista ao Gshow.

Aprendizado

Segundo Sol

Ao escalar atores nordestinos para uma novela que se passa no Nordeste, a direção da Globo corrige um erro que já lhe rendeu muita dor de cabeça no passado. A emissora tinha o hábito de recorrer ao seu banco fixo de atores, basicamente formado por atores paulistas e fluminenses, para viver todo os tipos de personagens, ignorando a necessidade de um elenco plural.

Um exemplo recente aconteceu em Segundo Sol (2018), novela de João Emanuel Carneiro que se passava na Bahia. A trama foi duramente criticada por trazer apenas quatro atores negros em seu elenco fixo numa história ambientada numa localidade de reconhecida maioria negra.

Por conta do ocorrido, a Globo sofreu uma ação judicial que cobrava mudanças no elenco da obra, uma iniciativa da União de Negros pela Igualdade (Unegro), entidade com trinta anos de ativismo contra a discriminação racial.

“A novela tem tudo da Bahia, menos os negros. Vamos ver até quando a Globo vai querer sustentar uma Bahia branca”, declarou a socióloga Ângela Guimarães, presidente da entidade, à revista Veja.

Para minimizar o problema, a direção de Segundo Sol passou a escalar atores negros para viver personagens de participação pontual. Em entrevista ao Conversa com Bial, em 2020, o autor João Emanuel Carneiro admitiu a falha.

“Eu acho que tá certo. Tem que dar voz aos negros, fazer a novela com mais atores negros. E nesse evento aí, nessa ocasião do Ministério Público no ‘Segundo Sol’, eu aprendi. Acho que foi uma lição pra mim. Eu penso em fazer novelas diferentes também”, declarou.

Atores orientais

Sol Nascente

Problema parecido a Globo encontrou em Sol Nascente (2016), novela de Walther Negrão que trazia uma família japonesa na história principal. A trama sofreu severas críticas ao escalar Giovanna Antonelli para viver a mocinha, filha de orientais (Alice, a personagem, era adotada), e Luis Melo, um ator ocidental, para viver o patriarca Tanaka.

A escalação equivocada rendeu uma crítica do coletivo Oriente-se, formado por atores orientais, que publicou um manifesto assinado por cerca de 200 artistas brasileiros de ascendência oriental. O texto pedia o fim da “discriminação étnica que ocorre em algumas produções de audiovisual que retratam o oriental de forma estereotipada, preconceituosa e distorcida da realidade”.

Walther Negrão se defendeu, afirmando que não encontrou um ator oriental para viver Tanaka.

“Era um personagem muito importante para colocar com um principiante ou alguém que não tenha a tarimba. Não tinha ator”, declarou, à Folha de S. Paulo.

No entanto, a fala de Negrão foi refutada pela própria Folha de S. Paulo, que informou que o veterano Ken Kaneko foi inicialmente cotado para o personagem. Ao ser substituído por Luis Melo, o ator afirmou à publicação que não soube o que aconteceu.

“Não sei de nada, até agora não tive resposta (…). Parece que a novela é sobre o povo nikkei [denominação japonesa para descendentes ou imigrantes], então seria interessante ter participado”, lamentou.

O veterano ator Carlos Takeshi também se manifestou sobre o equívoco de Sol Nascente.

“Adoro Luis Melo. Adoro Giovana Antonelli. Odeio discriminação. Odeio preconceito. Por que trocaram Ken Kaneko? Oriental não pode ser protagonista? Vivem me pedindo para forçar sotaque e quando o ator tem sotaque naturalmente é descartado para um papel de destaque? Vão ter que explicar muito bem. Eu não engulo a mestiçagem que criaram para o personagem”, desabafou.

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André Santana é jornalista, escritor e produtor cultural. Cresceu acompanhado da “babá eletrônica” e transformou a paixão pela TV em profissão a partir de 2005, quando criou o blog Tele-Visão. Desde então, vem escrevendo sobre televisão em diversas publicações especializadas. É autor do livro “Tele-Visão: A Televisão Brasileira em 10 Anos”, publicado pela E. B. Ações Culturais e Clube de Autores. Leia todos os textos do autor