Zamenza

A novela das sete da Globo é o maior sucesso da emissora atualmente: Vai na Fé vem reunindo uma avalanche de elogios merecidos. Mais uma vez, Rosane Svartman vem acertando em cheio, com uma história envolvente e bem desenvolvida.

Regiane Alves e Priscila Sztejnman
Reprodução / Globo

Mas a censura do canal em cima dos beijos de Clara (Regiane Alves) e Helena (Priscila Sztejnman) virou quase uma novela paralela – e por culpa da própria empresa.

A relação das personagens vem sendo construída com habilidade pela autora através da amizade que surgiu entre a aluna e a sua personal trainer. Clara vive um casamento abusivo com o vilão Theo (Emílio Dantas) e descobriu na amiga uma espécie de porto seguro. É através dos diálogos das duas que as fragilidades da personagem acabam expostas com muita sensibilidade.

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Beijo proibido

Vai na Fé - Priscila Sztejnman e Regiane Alves
Reprodução / Globo

A primeira censura da cúpula da emissora aconteceu no dia 10 de maio, quando a professora orientou os exercícios da aluna na casa de Clara porque a academia estava interditada. Uma tensão sexual no momento em que a personal segurou a cabeça de Clara ficou explícita e as duas se olharam (em uma clara alusão ao icônico momento do beijo protagonizado por Peter Parker e Mary Jane, no filme Homem-Aranha, de 2002).

No entanto, houve um corte brusco e não teve beijo algum. Só que a censura destruiu o sentido da cena, já que as duas agiram como se tivessem beijado.

A revolta nas redes sociais foi imensa e o veto repercutiu em toda a mídia de entretenimento. A diretora da sequência, Juh Almeida, expôs sua frustração em seu Twitter, assim como a atriz Regiane Alves.

A Globo se justificou dizendo que toda cena é sujeita a edição, mas a desculpa foi tão esfarrapada que nem deveria ter sido escrita. Seria menos vergonhoso um silêncio.

A autora e a equipe de roteiristas não esconderam a frustração e fizeram questão de noticiar que outras cenas de beijo tinham sido escritas. Ou seja, praticamente um aviso para o telespectador ficar atento a possíveis futuros cortes. E infelizmente foi o que aconteceu e segue acontecendo.

Mais cortes em Vai na Fé

Emilio Dantas - Vai na Fé
Reprodução / Globo

No início da semana, Clara ouviu Theo chamar Lumiar (Carolina Dieckmann) de ‘meu amor’ e logo concluiu que os dois têm um caso. Para culminar, ela já estava abalada porque Helena colocou outro personal para orientá-la em seu lugar.

A personagem ligou para a ‘amiga’ e pediu para encontrá-la. Chorando muito, Clara desabafou e Helena enxugou suas lágrimas. No momento em que a beijou, houve um corte brusco da cena e ficou claro que transformaram um beijo na boca em um na bochecha com um ângulo que deixasse dúvida se tinha sido na boca ou não. Todo um malabarismo de censura, como se o país ainda estivesse nos anos 1990.

Mas a leva de cortes ainda não tinha acabado. No capítulo de quinta-feira (25), Rafa (Caio Manhente) flagrou a mãe beijando Helena na sala. Clara, sem graça, foi até o quarto do filho e lá os dois tiveram uma conversa franca e delicada sobre respeito e amor. Rafael fez questão de afirmar seu total apoio ao novo relacionamento da mãe, mas contou que achou estranho vê-la beijando outra pessoa.

Só teve um detalhe: ninguém viu esse beijo, só ele. A cena simplesmente nem foi exibida. No caso, não houve corte porque nem teve um início. Só deu para ouvir Clara dizendo: ‘ai, para’.

Inversão de valores

Vai na Fé - Regiane Alves
Manoella Mello / Globo

Ironicamente, saiu na sexta-feira (26) uma ótima matéria na revista Marie Claire com uma entrevista de Regiane Alves, onde a atriz novamente toca no assunto do beijo não exibido:

“É muito louco, porque na história Theo teoricamente é um estuprador e as pessoas estão aceitando. Estão falando de um estuprador e todo mundo está ‘ok’. Agora um beijo de duas mulheres, por que incomoda tanto? O que agride tanto? Estou tentando para poder ter essa resposta, não sei. Porque vejo a empresa onde trabalho há 24 anos muito à frente do seu tempo.”, questionou.

Resposta da autora

Cara e Coragem - Rosane Svartman
João Miguel Júnior / Globo

Já no capítulo de sexta-feira houve uma resposta de Rosane (foto acima) e sua equipe ao time censurador da Globo. A autora sempre amou a musicalidade cênica e em todas as suas obras há a sua paixão por música em vários momentos com personagens cantando. Agora, a escritora transformou isso em protesto e de forma sensível.

Orfeu (Jonathan Haagensen), Theo e Lumiar cantaram em um Karaokê Blues da Piedade, de Cazuza, ícone que Emílio também interpretou no teatro. Enquanto entoavam a canção, Ben (Samuel de Assis) e Valéria (Ana Flávia Cavalcanti), Dora (Cláudia Ohana) e Fábio (Zécarlos Machado), e Theo e Lumiar se beijavam, mas Clara e Helena passeavam na praia e apenas se abraçavam.

O único casal que não teve beijo foi o de duas mulheres e justamente perto do trecho “vamos pedir piedade, Senhor piedade, pra essa gente careta e covarde”. No caso, não houve corte de cena. Foi algo proposital. Pode até ser classificado como um ‘exposed’.

E os censores da emissora deixaram a sequência ir ao ar, talvez porque sejam parecidos com os militares da Ditadura que eram burros demais para a percepção das nuances críticas nos textos de autores, como Diaz Gomes e Janete Clair, e deixavam passar por ignorância e não benevolência. 

Vai na Fé segue um novelão de primeira. Todo sucesso é merecido. Mas a questão dos cortes, que não é de responsabilidade da produção do folhetim, vem manchando a trajetória da trama.

Ainda não foram descobertos ou expostos os nomes da cúpula da Globo responsáveis pela censura na emissora, mas a autora Rosane Svartman, o diretor Paulo Silvestrini e os colaboradores Renata Corrêa, Pedro Alvarenga, Renata Sofia, Fabrício Santiago, Mário Viana e Sabrina Rosa deixaram bem claro o que eles são: caretas e covardes.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor