Coluna do Sérgio Santos

Novelas refletem o comportamento da sociedade e por isso algumas envelhecem mal e outras se mantêm atual. A importância da teledramaturgia para expor a evolução do comportamento das pessoas é grande.

Marcello Antony e Giulia Gam
Marcello Antony e Giulia Gam em Mulheres Apaixonadas (Reprodução / Globo)

As novelas de Manoel Carlos, como Mulheres Apaixonadas (2003) – em exibição no Vale a Pena Ver de Novo – sempre rendem boas discussões justamente por refletirem o comportamento que o público tinha na época. Mas vale uma reflexão a respeito da condução de uma personagem: Heloísa, interpretada por Giulia Gam. Após a exibição original e duas reprises em canal aberto, é a primeira vez que a personagem termina “inocentada” por boa parte do público das loucuras que cometeu.

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Heloísa em Mulheres Apaixonadas

Giulia Gam em Mulheres Apaixonadas
Giulia Gam em Mulheres Apaixonadas (Reprodução / Globo)

Heloísa foi um perfil dos mais emblemáticos de Mulheres Apaixonadas. O que mais caracterizava o título da novela, por sinal. Mas hoje em dia é possível observar a forma equivocada como o conflito acabou desenvolvido pelo autor.

A mulher é uma clássica ciumenta doentia. Insegura e grosseira, a irmã de Helena (Christiane Torloni) tem um sentimento de posse pelo marido, o cafajeste Sérgio (Marcello Antony). Controladora, a personagem vive em função do esposo e até fez uma laqueadura escondida para não correr o risco de engravidar e assim dividir a atenção do companheiro, ainda que seja com um filho.

É evidente que se trata de uma mulher psicologicamente doente. Tanto que passa de todos os limites em vários momentos. Já tentou se matar, capotou seu carro e colocou a sua vida e a de uma amiga em risco durante um surto de ciúmes e chegou até a esfaquear o marido durante uma discussão. Cenas brilhantemente defendidas por Giulia Gam.

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Merchandising social de Manoel Carlos

Giulia Gam e Christiane Torloni em Mulheres Apaixonadas
Giulia Gam e Christiane Torloni em Mulheres Apaixonadas (Reprodução / Globo)

O maior acerto desta trama foi a inserção do grupo “MADA” (Mulheres que Amam Demais Anônimas). A personagem, após muita resistência, aceitou participar das reuniões de mulheres que confessam seus dramas mais íntimos e que destroem suas relações. Na época, houve um grande crescimento na procura da rede de apoio. O chamado ‘merchandising social’ foi de suma importância.

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Porém, várias situações criadas pelo autor com o intuito de expor Heloísa como uma louca surtada soam machistas vistas aos olhos de hoje. Vidinha (Júlia Almeida) dá em cima de Sérgio descaradamente, assim como Dóris (Regiane Alves), e amam provocar a esposa do ‘garanhão’. Qualquer mulher no lugar de Helô não toleraria o deboche.

Júlia Almeida
Júlia Almeida em Mulheres Apaixonadas (Reprodução / Globo)

O marido não só aceita as cantadas como ‘dá corda’. Mas as duas sempre são colocadas como corretas na situação, assim como Sérgio. Já a esposa fica na posição de desequilibrada. A própria ‘reconciliação’ com o esposo foi desdobrada para ‘vilanizar’ Heloísa. Afinal, após uma facada no braço seria quase impossível Sérgio aceitar uma volta. Mas ele aceita. O problema é que se mostra frio e grosseiro com a mulher em casa. Claramente não suporta estar ao seu lado. Então qual a razão da volta? Apenas mostrar como a mulher é inconveniente e chata.

 

Machismo em Mulheres Apaixonadas

Sérgio (Marcello Antony) em Mulheres Apaixonadas
Sérgio (Marcello Antony) em Mulheres Apaixonadas (reprodução/Globo)

Outro apelo de Maneco para despertar a antipatia do público por Heloísa é colocá-la destratando os empregados e xingando o porteiro do prédio. Também mostrá-la sendo desagradável com todos ao seu redor, incluindo as irmãs Helena e Hilda (Maria Padilha). E funcionou na época. O telespectador odiava a personagem.

Já Sérgio nunca foi responsabilizado por nada. Era visto como a grande vítima e seu comportamento com as outras mulheres nem tinha qualquer questionamento. Fruto, claro, do machismo entranhado da época. Até Leandro (Eduardo Lago), marido de Hilda, era grosseiro e amava provocar Heloísa, mas quando a cunhada se descontrolava era vista como perturbada. 

O casamento de Helô e Sérgio acaba de vez quando a personagem tenta matar Vidinha atropelada. E o desequilíbrio da irmã mais nova de Helena vai piorando cada vez mais. Já Sérgio é visto sempre como a vítima e ainda é ‘recompensado’ no final ao lado de Vidinha, a ‘jovem’ que o cortejou durante a história inteira. 

É sempre um prazer rever Mulheres Apaixonadas e não há como negar que Helô foi um dos mais papéis mais marcantes da novela. Giulia Gam saiu consagrada. Mas é interessante observar, 20 anos depois, como uma abordagem até então vista como maravilhosa foi tão controversa na época, sem maiores questionamentos. Ou seja, Heloísa foi inocentada pelo tempo? A resposta fica por conta de cada um; no entanto, a personagem era desequilibrada, mas tinha seus motivos.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor