Vídeo de William Waack e falas de Nádia em O Outro Lado do Paraíso provam que realidade e ficção se misturam

Nesta quarta-feira (08/11), foi divulgado um vídeo com William Waack proferindo comentários de cunho racista, enquanto cobria as eleições americanas em 2016. O áudio, embora de má qualidade, deixa bem claro o teor deprimente e preconceituoso do jornalista, após se irritar com uma buzina de carro.

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A repercussão, como não poderia deixar de ser, foi péssima e a Globo fez questão de afastar o profissional do Jornal da Globo por tempo indeterminado, enviando uma nota de esclarecimento. A coincidência dessa lamentável situação é a abordagem do racismo em O Outro Lado do Paraíso, nova novela das nove.

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Walcyr Carrasco vem explorando esse tema de uma forma bastante direta e forte, o que acaba gerando um certo incômodo em parte dos telespectadores. Alguns dizem (ou diziam) que o contexto era exagerado demais e as frases absurdas ditas por Nádia (Eliane Giardini) sobre os negros soavam irreais nos tempos de hoje.

Não há nada de forçado ou absurdo no núcleo da trama e a fala do jornalista da Globo apenas comprova isso, deixando evidente o paralelo entre ficção e realidade. No caso, infelizmente, o contexto real se coloca bastante similar (para não dizer idêntico) ao da história teoricamente fictícia.

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O comentário de Waack para o colega Paulo Sotero, em Washignton, é curto, mas revoltante: “Tá buzinando por quê, seu merda do cacete? Não vou nem falar, porque eu sei quem é… é preto. É coisa de preto!” Após essa colocação deprimente, o jornalista ri. Apesar de ter dito isso em 2016 e o vídeo só ter vazado agora, Walcyr parece ter ‘adivinhado’ essa postura quando criou a Nádia.

É algo corriqueiro a perua proferir frases do tipo em O Outro Lado do Paraíso, mesmo com a trama há menos de um mês no ar. A mulher é um poço de arrogância e, ironicamente, no capítulo da mesma quarta-feira, chegou a dizer para a amiga que jamais se imaginaria com um neto preto. E, apesar da fala, garantiu que não era racista.

A personagem ainda entrou em choque quando flagrou o filho, Bruno (Caio Paduan), beijando a empregada, Raquel (Érika Januza), e dizendo que quer se casar. O maior conflito do núcleo é justamente a questão do preconceito racial, cujo enredo parece bastante promissor. Aliás, a situação é um dos maiores clichês da teledramaturgia. Porém, o tema se mostra, lamentavelmente, ainda necessário.

É preciso, por sinal, citar outra frase pertinente, mas envolvendo outra questão importante: o assédio. O marido de Nádia, juiz Gustavo (Luís Melo), justificando o romance do filho, alega: “Nos meus tempos eu também peguei muita doméstica. Agora tem essa coisa de assédio, politicamente correto…” Claro que Bruno não assedia Raquel, mas o comentário reflete o pensamento de várias pessoas, por incrível que pareça. Uma parcela da sociedade considera exagero a questão do assédio hoje em dia.

Inclusive, a temática do assédio remete ao caso de José Mayer, também afastado pela Globo, após o ator ser acusado pela figurinista Susllem Tonani. Houve recentemente outro escândalo envolvendo essa questão, onde o ator Kevin Spacey (protagonista da série House Of Cards) acabou desligado pela Netflix, depois que foi acusado por Anthony Rapp – também ator, que disse que, em 1986, quando tinha 14 anos, sofreu violência sexual de Spacey, que tinha 26. Ou seja, hoje em dia não se tolera mais esse tipo de questão. Assediadores, racistas, preconceituosos e afins não serão mais perdoados ou ‘ignorados’. Todos sofrerão as consequências de seus atos. E isso é ótimo.

Tanto a Netflix quanto a Globo merecem reconhecimento por suas atitudes (ao contrário de outros veículos que preferem não se importar com nada disso, chamando até agressores de mulheres para realities, como A Fazenda, ou então colocando jornalista que fez comentário racista sobre uma cantora para comandar um programa matinal diário).

Portanto, é fundamental que a ficção siga explorando questões como essas e que as instituições (e o próprio público) reajam diante de qualquer tipo de preconceito ou abusos. Novela não tem obrigação de informar nada, pois é entretenimento. Mas merece elogios e reconhecimento quando o faz.

A fala racista de William Waack – configurando Injúria Racial – lhe custou (muito provavelmente) o emprego e acabou colocando em evidência as atitudes deploráveis de Nádia em O Outro Lado do Paraíso, misturando involuntariamente ficção e realidade.

É preciso ainda reforçar a ótima abordagem do racismo em Malhação – Viva a Diferença, através de perfis como Ellen (Heslaine Vieira), Anderson (Juan Paiva) e Fio (Lucas Penteado). A teledramaturgia acabou ‘prevendo’ esse escândalo na carreira do jornalista, expondo a realidade do mundo de uma forma dura e necessária. Ficção e vida real não são tão diferentes quanto se imagina.

SÉRGIO SANTOS é apaixonado por televisão e está sempre de olho nos detalhes, como pode ser visto em seu blog. Contatos podem ser feitos pelo Twitter ou pelo Facebook. Ocupa este espaço às terças e quintas


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