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Foram muitas as emoções na primeira semana de Um Lugar ao Sol. Lícia Manzo não esperou 100 capítulos para fazer os gêmeos se conhecerem. O público foi bombardeado de informações para só depois a autora engrenar a história que quer contar. Ufa!
Concordam que não esperávamos tanto? Ou era meramente a saudade de comentar uma novela inédita no horário mais nobre da TV? Houve quem falasse que a emissora estava negligenciando a divulgação de sua nova novela em detrimento da próxima, Pantanal. “Mais uma novela com gêmeos?“, ouvi alguns reclamarem.
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Todavia, há a assinatura de Lícia Manzo. A autora não decepcionou ao entregar uma história armada com tantas camadas e possibilidades, repleta de dramas envolvendo dilemas morais e éticos contundentes. Quase dois anos de pandemia sem novela inédita nos fez esquecer que o duplo fascina e que o arquétipo da sombra rende.
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Não é apenas “uma novela com gêmeos“. É sobre o gêmeo que passa por cima de convenções morais e éticas para tomar o que julga ser de seu direito. A morte de Renato fez emergir das sombras o outro lado de Christian, agora em um novo Renato – o renascido – nome por si só carregado de possibilidades e interpretações. Seria o nome Christian outra dica da autora? Podemos esperar, ao final, uma ressureição do personagem?
A trajetória do herói é sempre cheia de obstáculos. Christian não tinha saída: ou assumia a identidade do irmão rico (claro, também movido pela ambição), ou se entregava à polícia e era preso por envolvimento com o tráfico de drogas (o que levou um inocente à morte, não por acaso de uma família poderosa). Ou ainda corria o risco de ser morto pelos bandidos ao descobrirem que mataram o cara errado.
Esse foi o seu argumento para tentar convencer Ravi a ficar de seu lado. O garoto também passa por um dilema: como negar o pedido de Christian se ele envolveu-se com traficantes por sua causa, para livrá-lo da cadeia. “Você sabe que eu não sou ladrão, assim como você sabe que não é nenhum pivete que roubou uma carteira“.
Confesso que estou curioso para saber qual papel a autora reserva a Ravi na trajetória de Christian. Talvez a régua moral do herói, sua consciência, seu Grilo Falante. Ou até a sua salvação.
As qualidades de Um Lugar ao Sol vão além da história inicialmente muito bem engendrada. Do texto de Lícia, repleto de sutilezas e ironias, frases de reflexão e conversas envolventes entre os personagens, à luxuosa direção artística de Maurício Farias.
O elenco, ainda restrito a poucos personagens neste início, já chama a atenção: da excelente interpretação de Cauã Reymond, que conseguiu fugir da armadilha do gêmeo bom versus gêmeo mau, a Alinne Moraes, Andreia Horta e Marieta Severo. O grande destaque foi o jovem Juan Paiva (como Ravi), ator já visto em Malhação Viva a Diferença e Totalmente Demais. Recomendo o premiado filme M8, Quando a Morte Socorre a Vida, em que Juan é protagonista.
Drops
– O segundo capítulo me incomodou demais. Foi exclusivamente dedicado ao calvário de infortúnios de Christian. Foi o mesmo incômodo que tive com o primeiro episódio da série Maid (Netflix). Mas entendo a importância desse método de narrativa na “trajetória do herói”.
– O terceiro capítulo já é antológico: os gêmeos se conhecem, passam a noite juntos, o suficiente para Christian (o Cauã Pobre) obter as informações que precisará para sua transformação, e Renato (o Cauã Rico) acaba assassinado.
– Excelentes as cenas do quarto capítulo em que Christian ouve calado a DR de Bárbara e fica sabendo de detalhes da relação dela com Renato. Inclusive que ela era vítima de um relacionamento tóxico. Frase fantástica de Bárbara: “Eu pensei que você tivesse morrido, mas a verdade é que você não morre. Você sempre reencarna na minha vida!“.
– O discurso de Christian, se justificando para Ravi, remete às falas de Maria de Fátima em Vale Tudo (1988): “O pais tá ferrado! Eu tô exausto de ser tratado mal. Isso aqui é o Brasil! Só um idiota romantiza a pobreza. Você acha que o governo tá prestando atenção em você? Se a vida nunca foi correta comigo por que eu tenho que ser correto com a vida?“.
– Christian remete a outro personagem clássico de novela: Cristiano Vilhena, de Selva de Pedra (1972), que deixa para trás a vida modesta e simples que teria com a mulher amada, Simone, seduzido pela fortuna e poder que Fernanda pode lhe proporcionar.
Aliás, não por coincidência, Um Lugar ao Sol é o nome do filme (baseado no romance de Theodore Dreiser) que inspirou Janete Clair a escrever Selva de Pedra. No filme, de 1951, o triângulo central é formado por Montgomery Clift, Shelley Winters e Elizabeth Taylor.
– Atenção à relação que se forma entre o protagonista e Elenice (Ana Beatriz Nogueira), mãe de criação de Renato, a mulher que no passado enjeitou Christian. Ana Beatriz Nogueira sempre ótima em viver mães disfuncionais, vide Rock Story, Além do Tempo, Em Família, A Vida da Gente, Caminho das Índias e outras novelas.
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– Christian ainda não sabe, mas ao tomar o lugar de Renato, herdou dele, além de suas dívidas, um crime. É o preço que precisará pagar pelo almejado lugar ao sol.
– Lícia Manzo usa a literatura para levar à reflexão. No primeiro capítulo, Tonico Pereira, o professor, presenteia Christian com uma edição de “Memórias Póstumas de Brás Cubas“, de Machado de Assis, e lê: “Melhor cair das nuvens que de um terceiro andar“. Complementa: “O perigo não é sonhar alto, grande, e não conseguir. O perigo é sonhar curto, medíocre e chegar lá“.
No sexto capítulo, Santiago (José de Abreu) lê para Christian/Renato um trecho de “Esaú e Jacó“, também de Machado: “Não é a ocasião que faz o ladrão. O provérbio está errado. A ocasião faz o furto. O ladrão já nasceu feito“. A cena aconteceu durante o casamento de Renato e Bárbara – a ocasião e o ladrão.