Muita conversa e pouca ação: Um Lugar ao Sol cai na armadilha da repetição
20/02/2022 às 11h45
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Semana #15
Lícia Manzo firmou-se como uma autora de diálogos, que prioriza a fala em detrimento da ação. Os personagens verbalizam mais do que agem. Desde sua primeira novela solo, A Vida da Gente (2011-2012), que a frase “Vamos conversar?” é comumente ouvida.
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Os personagens, no contexto das relações que são criadas entre eles, entram em papos profundos, em discussões filosóficas ou reflexivas sobre a alma humana e sobre dilemas e choques de interesses.
É lindo quando um texto de profundidade encontra atores com embocadura para interpretá-lo e uma direção que consiga traduzi-lo em imagens.
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Lícia não foi a primeira: Manoel Carlos, Janete Clair, Ivani Ribeiro e outros já tinham um texto dessa qualidade.
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Porém, há uma diferença que precisa ser apontada. Na prioridade pela fala, Lícia Manzo acaba deixando de lado a ação. É muita conversa para pouco acontecimento.
Um Lugar ao Sol começou com uma trama já fartamente explorada na Teledramaturgia: o gêmeo que toma o lugar de seu irmão. Tudo mostrado de uma forma rápida, nos primeiros capítulos, para que, a seguir, prevalecessem os dilemas morais e éticos do protagonista frente à sua decisão.
Passados mais de três meses, sobraram longos papos de Renato com Ravi – que, não por acaso, representa a sua consciência: é o seu “grilo falante“.
Atualmente, as tramas da maioria dos núcleos estão embasadas em decisões verbalizadas dos personagens, movidas por dilemas ou interesses.
Meses de conversas
Entre Renato e Ravi, Rebeca e Felipe, Rebeca e Túlio, Rebeca e Cecília, Rebeca e Ilana, Breno e Ilana, Breno e Cecília, Bárbara e Elenice, Bárbara e Renato, Bárbara e Nicole, Lara e Noca, Lara e Mateus, Felipe e Júlia, Felipe e Ana, Ana e Rebeca, Ana e Breno, Ana e Ilana, Ana e Bárbara – com o agravante de que Ana é terapeuta, ou seja, ela precisa ouvir as pessoas, que lhe trazem seus problemas.
Em tanto tempo, torna-se inevitável que diálogos comecem a se repetir. Bate então aquela sensação de “Já vi essa cena antes.” E bate o cansaço de ver a trama dando voltas em si mesma. Após mais de três meses, os acontecimentos esgotaram-se e sobraram as conversas dos mesmos personagens sobre os mesmos assuntos.
Acredito que seja difícil manter uma história por quatro, cinco meses sem cair na armadilha da reiteração. Não renovar acontecimentos e focar em diálogos pode até ser um estilo de narrativa, mas é também um risco.
Exemplo: Júlia
Como citei acima, é ótimo quando o papo entre personagens leva a uma reflexão ou emociona. Na semana que passou, Júlia e Felipe tiveram uma cena linda, em que o filho comunica que a mãe abandonará a clínica de reabilitação, mas ela insiste em ficar. Denise Fraga esteve maravilhosa.
Eu, particularmente, acho a personagem Júlia cansativa, porque são sempre os mesmos diálogos entre a alcoólatra, o filho e a mãe. Com perdão do trocadilho, os personagens estão em um círculo vicioso.
Felipe arruma um emprego para a mãe, que o sabota porque tem uma outra proposta que cabe em seu desejo de cantar. Claro que nada dá certo. Aí chega Ana, intransigente e dura, e despeja uma série de verdades para a filha, o que a leva de volta ao álcool.
Quantas vezes já ouvimos Rebeca dizer a Túlio que “ACABOU!“; já vimos Rebeca verbalizar a Felipe os seus melindres com a idade; já presenciamos DRs entre Ilana e Breno que não levam a lugar nenhum; já ouvimos piadocas de Nicole sobre o fato de ser gorda; já vimos Renato enrolar Lara, Bárbara e Ravi?
O problema da reiteração é que ela sempre descamba na previsibilidade.
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Pernalonga de batom
Outra questão que surgiu na semana que passou.
Em um diálogo entre Gabriela e Ilana sobre o quanto a sociedade cobra das pessoas que elas saiam de casa para se divertir e que elas tenham um par – uma discussão bastante pertinente, por sinal -, a médica solta: “O indivíduo introvertido acaba sempre um pouco patologizado”.
Patologizado?
Não tenho nada contra uma linguagem mais rebuscada em uma novela. Basta não perder o foco. É ponto pacífico que, para conquistar “a grande audiência”, a telenovela precisa ser popular. E “ser popular” é um espectro que abraça uma série de fatores.
Diálogos que possam soar elitizados, em uma novela sem muita ação, podem agradar a uma bolha. E ao mesmo tempo podem ser uma arapuca fatal no Ibope. Enfim, escolhas!