Izabel de Oliveira e Paula Amaral vinham de dois extremos. As autoras experimentaram o sucesso com o fenômeno Cheias de Charme, em 2012, e enfrentaram o imenso fracasso com Geração Brasil (2014) – até hoje a pior audiência da faixa das 19h.

Izabel, no caso, dividiu a autoria das duas tramas com Filipe Miguez. Paula era colaboradora de ambas. Em 2019, experimentaram um trabalho realmente juntas com Verão 90, que terminava há exatamente três anos, em 26 de julho de 2019.

Infelizmente, o saldo não foi nada positivo na última novela dirigida pelo saudoso Jorge Fernando, que morreu no dia 27 de outubro do mesmo anexo, aos 64 anos, exatamente três meses após o último capítulo.

É verdade que para a Globo não houve problema algum. Afinal, a novela teve uma boa audiência, embora tenha passado longe de um fenômeno. A média geral foi de 26 pontos, a mesma de Deus Salve o Rei e Rock Story, dois folhetins com desempenhos medianos em nível de repercussão.

Mas ultrapassou a média de O Tempo Não Para, que a antecedeu, em dois pontos. Pena que os números não refletiram a qualidade da produção. A dupla apelou para o saudosismo do público através de referências aos anos 90 (muitas delas equivocadas e mais propícias aos anos 80, vale lembrar) com o intuito de disfarçar a ausência de enredo.

História

Verão 90 iniciou apresentando a história de três crianças que fizeram um imenso sucesso com o grupo Patotinha Mágica e acabaram se separando por brigas familiares. O trio central era Manuzita (Isabelle Drummnd), João (Rafael Vitti) e Jerônimo (Jesuíta Barbosa).

João e Manu sempre foram apaixonados, enquanto Jerônimo tinha sérios desvios de caráter e nutria uma inveja do irmão. A premissa do folhetim era essa, mas as autoras não conseguiram sustentar o contexto nem por um mês.

A única solução para criar um fio condutor mínimo na história foi a morte acidental da DJ Nicole (Bárbara França), que nada tinha a ver com os três protagonistas. Para isso, Jerônimo preparou uma armadilha para João ser incriminado e, assim, ganhar a confiança do playboy Quinzinho (Caio Paduan), o verdadeiro responsável pela tragédia.

A situação se arrastou durante toda a novela e nunca proporcionou viradas interessantes. Até porque a prisão de João, por três anos, se mostrou inútil. O mocinho saiu da cadeia sem a preocupação de acertar as contas com todos que destruíram sua vida. Ou seja, se mostrou um perfil irrelevante. E a falta de consistência da relação com Manuzita implicou na perda de importância do par. Isso também em virtude da ausência de conflitos da mocinha. O fato de ser uma atriz sem talento chegou a ser engraçado no início, mas se mostrou raso demais para uma produção inteira.

O enredo de Jerônimo, ao menos, era bem mais promissor. Tanto que o vilão teve um bom destaque nos primeiros meses e a dupla com Camila Queiroz deu muito certo. Aliás, a 171 Vanessa foi uma das melhores personagens e a atriz se destacou merecidamente. A química do casal transbordava e os golpes tiveram um bom desenvolvimento. Todavia, até eles foram prejudicados ao longo do enredo por causa da ausência de história.

Personagens sumiram

O desaparecimento de personagens foi uma constante na produção. Isso porque as autoras claramente não sabiam mais o que fazer com os perfis e acabavam, então, sumindo com eles em alguns momentos. O caso de Diego e Larissa é um bom exemplo. Sérgio Malheiros e Marina Moschen transbordaram química e não demorou para o par ganhar uma forte torcida.

No entanto, os dois perderam a função quando houve a troca de pares em pleno altar (o melhor momento da história). Quinzinho desistiu de Larissa e entrou na igreja ao lado de Dandara (Dandara Mariana), enquanto Larisssa foi atrás de Diego. Os dois ficaram juntos, viajaram e só voltaram semanas depois. Sem enredo. Viraram figurantes. Assim seguiram até o final do folhetim, lamentavelmente.

A vidente Madá (Fabiana Karla) foi outro caso parecido. A ideia de colocar a personagem para prever acontecimentos absurdos que se tornaram reais (como Romário entrar para a política) se mostrou criativa, mas não deu certo. Muitas das visões resultavam em cenas grotescas e o humor se perdeu com o tempo.

O mesmo ocorreu com Janaína (Dira Paes) depois que Humberto Martins pediu para sair da novela. Isso porque o ator não gostou de viver o diretor Herculano e o papel era realmente ingrato. Outros atores subaproveitados foram Jeniffer Nascimento (Kika mal tinha falas e o mistério da cantora mascarada era uma bobagem), Claudia Ohana (Janice) e Val Perré (Otoniel). Já Alexandre Borges viveu pela milésima vez o cinquentão galinha na pele de Quinzão.

Falhas nas referências aos anos 90

E não é possível ignorar as várias falhas nas referências aos anos 90. O apartamento de Jerônimo era repleto de móveis e eletrodomésticos modernos, apenas para citar um exemplo. E em plena reta final, quando todos acompanhavam a Copa de 1994, deixaram aparecer um controle remoto da operadora Sky. A única preocupação da equipe foi com os carros da época (Santana, Verona, Scort, etc). O resto era triste de se ver.

Nem mesmo as vestimentas. E, muitas vezes, as lembranças eram voltadas aos anos 80. Recordações, inclusive, utilizadas apenas para preencher o tempo dos capítulos, em virtude da falta de história – vide a abordagem do doce de leite alucinógeno (em referência ao caso do Verão na Lata, de 1987, quando foram encontrados 22 toneladas de maconha em latas de leite em pó), que durou quase um mês.

Mas a produção também teve pontos positivos, claro. A química entre Jesuíta Barbosa e Camila Queiroz foi um dos trunfos da trama e não por acaso os dois ficaram juntos no final ao lado de Galdino. O trio 171 agradou.

Apesar das críticas, Cláudia Raia esteve muito bem como Lidiane Pantera e o tom anasalado de sua voz serviu para diferenciar a personagem das várias peruas exageradas que interpretou anteriormente. A sua parceria com Isabelle Drummond também merece elogios. Totia Meirelles ganhou um destaque merecido e protagonizou boas cenas com a caricata vilã Mercedes.

Lado trash

A abertura nostálgica, ao som de Pump Up The Jam (Tecnothronic), refletiu bem o clima dos anos 90 e a trilha sonora repleta de clássicos nacionais e internacionais (muitos dos anos 80, é verdade) foi de extremo bom gosto – Scatman (Scatman John); Please Don`t Go (Double You); Rhythm Of The Night (Corona); Preta (Beto Barbosa); Step By Step (New Kids On The Block); Your Love (The Outfield); The Best (Tina Turner); Grand`Hotel (Kid Abelha; Uma Noite e Meia (Marina Lima); Fading Like a Flower (Roxette), entre tantas outras.

Verão 90 foi uma novela leve e agradou o público. A boa audiência é a prova. Todavia, as autoras Izabel de Oliveira e Paula Amaral não conseguiram apresentar uma história minimamente consistente para um folhetim de qualidade. Se resumiu, na verdade, em esquetes avulsas em grande parte do tempo.

A explicação de não ser levada a sério não justifica. Produção despretensiosa não é sinônimo de irrelevante ou desleixada. Porque, infelizmente, o conjunto se mostrou descartável e recheado de conflitos bobocas.

Não é um produto que ficará na memória, nem mesmo pelo lado ‘trash’ que apresentou muitas vezes. Uma pena, pois tinha tudo para ficar marcada no horário das sete.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor