Há 32 anos, em 14 de agosto de 1989, a Globo exibia o primeiro capítulo de Tieta. Para celebrar esta data, o TV História resgata os bastidores da novela de Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares, baseada na obra de Jorge Amado, um dos maiores sucessos da televisão brasileira.

Confira:

– Em junho de 1989, o então vice-presidente de operações da Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni), suspendeu a produção de Barriga de Aluguel, trama de Gloria Perez que substituiria O Salvador da Pátria, de Lauro César Muniz, às 20h – e que acabou exibida às 18h, em agosto do ano seguinte. Para a vaga em aberto, Tieta.

– Três anos antes, a Globo tentou, sem sucesso, adquirir os direitos do livro de Jorge Amado. A ideia era produzir uma minissérie, a cargo de Doc Comparato. O projeto ficou engavetado até que Betty Faria se propôs a negociar a obra – almejando outra minissérie; desta vez, uma produção independente com Roberto Talma. Aliás, Zélia Gattai, esposa do escritor, considerava a personagem-título “sob medida” para a atriz.

– Criou-se então um impasse: Betty já havia sido escolhida para protagonizar a “minissérie” Tieta. Quando o projeto ganhou status de novela, ela estava no ar como Marina Sintra, uma das personagens centrais de ‘O Salvador’. A solução foi adiar a entrada de Tieta adulta, para conceder um período de descanso maior à intérprete.

– Da publicação, aproveitou-se o mote central e o perfil dos principais personagens. Tipos menores como Fidélio e Seixas tiveram suas características absorvidas por Amintas (Roberto Bonfim). Aguinaldo Silva desenvolveu núcleos apenas esboçados no livro, como o de Carol (Luiza Tomé), e alterou substancialmente perfis como o de Imaculada (Luciana Braga), convertida numa contadora de histórias que ludibria o Coronel Artur da Tapitanga (Ary Fontoura).

– A primeira lista de elenco incluía nomes como Dennis Carvalho, Gabriela Duarte (recém-saída do concurso Top Model, do Domingão do Faustão) e Osmar Prado. Glória Pires, cogitada para a versão que não existiu de Barriga de Aluguel, foi sondada para Leonora, papel de Lídia Brondi. Sílvia Buarque foi remanejada para O Sexo dos Anjos, das 18h; de lá, veio Arlete Salles – aqui, numa de suas melhores personagens, Carmosina.

– Cláudia Ohana pode, enfim, viver Tieta na juventude. Em 1982, ela foi escolhida pela cineasta italiana Lina Wertmuller para a versão cinematográfica do romance de Jorge Amado. Os produtores do longa, contudo, abandonaram o projeto após a desistência de Sophia Loren, a “cabrita” adulta.

– Tieta virou filme em 1996, com roteiro de Antônio Calmon, direção de Cacá Diegues e Sônia Braga, Marília Pêra, Cláudia Abreu e Heitor Martinez nos papeis de Betty Faria, Joana Fomm (Perpétua), Lídia Brondi e Cássio Gabus Mendes (Ricardo).

– Na primeira fase, talentos promissores como Ingra Liberato, Leonardo Brício e Marcos Winter, que despontariam em seguida na Manchete; Marcos Winter e Thaís de Campos, já conhecidos de Vida Nova (1988) e Bambolê (1987); e participações de Herson Capri, José de Abreu e José Lewgoy.

– A novela marcou a estreia de Bemvindo Sequeira, como o hilário Bafo de Bode.

– Ary Fontoura buscou inspiração no colega Rafael de Carvalho, de novelas como O Bem-Amado (1973) e Saramandaia (1976), falecido em 1981. Fontoura incorporou o andar bonachão e o jeito anasalado de falar do ator em seu Coronel Artur.

– Já Armando Bógus contribuiu com o “uh, uh” que Modesto Pires usava para chamar a amante Carol. Assim como o “nó deoclécio”, utilizado para mantê-la amarrada aos pés da mesa, como castigo.

– O êxito de Sebastião Vasconcelos como o “canguinha” Zé Esteves influenciou o adiamento da morte do personagem – que só se deu por necessidades da trama.

– Com uma fratura no fêmur esquerdo após uma queda, que resultou em três parafusos e uma bota de gesso por conta de um problema no tendão de Aquiles, Maria Helena Dias, a Zuleika Cinderela, desfalcou as gravações da novela. Sua ausência foi justificada com um tentativa da dona da Casa da Luz Vermelha de reproduzir o “ypisilone duplo”, especialidade de Tieta na cama.

– O elenco contou com o apoio de Íris Gomes da Costa, pesquisadora e professora de prosódia. Seu trabalho, de início, foi montado em cima de fitas K7, gravadas em cidades do interior baiano e na Feira de São Cristóvão, Rio de Janeiro. O elenco buscava a musicalidade dos habitantes e trabalhadores locais. Íris também trouxe expressões comuns da obra de Jorge Amado.

– Foi o próprio Boni quem assinou o tema de abertura (em parceria com Paulo Debétio), ‘Tieta’, na voz de Luiz Caldas. A princípio, Hans Donner sugeriu ‘Vem Morena’, de Nana Caymmi, para a vinheta, A música foi incorporada ao volume 2 da trilha sonora, como tema de Carol.

– O departamento de computação gráfica da Globo desenvolveu um software especialmente para a realização da abertura, que partia da ideia de elementos da natureza convertidos em formas femininas – depois reaproveitada em Pedra Sobre Pedra (1992). Para a utilização do efeito “slip scan”, Donner convidou o diretor Zbig Ryziensky, que o empregou no vídeo Fourth Dimention, que teria pedido uma quantia alta. Acertou-se então com Beth Ferreira, consultora de Zbig. Este, por sua vez, chegou a acusar a Globo e Hans de cometerem um “plágio caracterizado” de sua criação (mas não acionou a emissora e o designer judicialmente).

– Em meio à polêmica, a Manchete exibiu a série América, que continha trechos de Fourth Dimention.

– Isadora Ribeiro, já conhecida do público por conta de sua participação na vinheta do Fantástico, explodiu de vez! Chegou a ser cotada para a minissérie Tereza Batista, também da obra de Jorge Amado, então sob responsabilidade de Walter Avancini – realizada apenas em 1992. A modelo acabou estreando como atriz em Tieta mesmo, como a nova “teúda e manteúda” de Modesto Pires.

– A nudez de Isadora incomodou um vereador da cidade de Leme, interior de São Paulo, que apresentou moção à Câmara, encaminhada ao então presidente José Sarney, solicitando o adiamento da trama em uma hora, já que ele não tinha como explicar aos filhos “o que se passava” na abertura. Durante o horário eleitoral – por conta das eleições para presidente – a novela acabou exibida às 21h40.

– Para a reapresentação da novela em Vale a Pena Ver de Novo, entre setembro de 1994 e abril de 1995, a Globo escureceu as imagens da vinheta, inseriu um “Rede Globo apresenta” no início e colocou os créditos “subindo” na tela (como no encerramento). Procedimento semelhante só viu em 2011, no repeteco de Mulheres de Areia (1993).

– Esta nova versão da abertura ficou caracterizada pelos erros de grafia nos nomes dos creditados, como Ana Lúcia “Torres” (Torre), “Dalton” Mello (Danton), “Lílian” Cabral (Lília) e “Rosana Goffmann” (Rosane Gofman). O caso mais absurdo: Renata Castro Barbosa, “transformada” em “Renato” Barbosa.

– O êxito da abertura certamente influenciou a produção na escolha da capa do volume 1 da trilha sonora – a foto utilizada, aliás, denunciava que Isadora Ribeiro não estava totalmente nua nas gravações. O produtor musical Mariozinho Rocha encomendou novos composições, como ‘Tudo Que Se Quer’ – ‘All I Ask Of You’, do musical O Fantasma da Ópera – e aproveitou outras cinco músicas já lançadas.

– ‘Coração do Agreste’, reservada para o retorno de Tieta à Santana do Agreste, no capítulo 18, foi batizada a princípio de ‘A Volta’, pelos compositores Moacir Luz e Aldir Blanc.

– Por ocasião da reprise, a Globo lançou o CD Tieta Especial, com oito músicas do volume 1 e sete do volume 2. Na capa, a mesma foto de Betty Faria na segunda trilha e o selo Vale a Pena Ouvir de Novo.

– Fez sucesso também a sonoplastia, a cargo de Aroldo Barros, também responsável pelo chacoalhar das pulseiras de Sinhozinho Malta (Lima Duarte) em Roque Santeiro (1985). Aroldo contava com o auxílio do “ruideiro” Jair Pereira; os dois buscavam sons como os sinos de cabrita que soavam quando Tieta andava nas dunas.

– A novela popularizou a paradisíaca praia de Mangue Seco, na divisa da Bahia com o Sergipe, pertencente ao município da Jandaíra, acelerando um processo de preservação ambiental, necessário para evitar a degradação do espaço frente ao aumento do número de visitantes. Na ficção, a produção usou praias da reserva biológica de Marambaia e as dunas de Cabo Frio, Rio de Janeiro, para reproduzir o paraíso de Laura (Cláudia Alencar) e do Comandante Dário (Flávio Galvão).

[anuncio_5]

– A cidade cenográfica, construída em tempo recorde, ocupava uma área de 10 mil metros quadrados e contava com 46 prédios, 8 ruas, 2 igrejas, 2 praças, 1 circo abandonado e 15 ruínas. O calçamento foi feito em fibra de vidro por artesões de Sergipe, que também produziram objetos de cenas e santos utilizados pela direção de arte.

– A luz que Tieta levou para sua cidade-natal propiciou contratos de merchandising com empresas de brinquedos eletrônicos, eletrodomésticos e uma fabricante de ar condicionado. Também bancos, companhias de seguro, calçados, temperos e bebidas.

– Mirian Pires, cozinheira de mão cheia em Senhora do Destino (2004) – sua última novela, também com Aguinaldo Silva – ensinou em Tieta receitas como a frigideira de maturi. O autor também recorreu a este expediente gastronômico com Ilka Tibiriçá (Cássia Kis) e Creonice (Cléa Simões) em Fera Ferida (1993).

– E o TV Pirata (1988), por sua vez, adaptou a novela para Dieta!

– A mítica Mulher de Branco também foi “reeditada”, em A Indomada (1997), com o Cadeirudo, e em Duas Caras (2007), o Sufocador. As cenas que revelaram sua identidade mobilizaram nove atrizes – Ana Lúcia Torre (Juracy), Andréa Paola (Aracy), Arlete Salles, Bete Mendes (Aída), Cidinha Milan (Cora), Cláudia Alencar, Joana Fomm, Lília Cabral (Amorzinho) e Sônia Barbosa (Manom). Elas só souberam da identidade da misteriosa aliciadora com a cena no ar.

– E o bordão de Tieta, “eta, lelê!” foi ouvido também em Meu Bem Querer (1998), na boca da cabeleireira Ava Maria (Ângela Vieira). Fez sucesso ainda o “mistééério” de Dona Milu, o “nos trinques” de Timotéo (Paulo Betti) e o “te-chau” de Tonha (Yoná Magalhães).

– Tieta contou com as participações especiais de Miguel Falabella, como um amigo de Ascânio (Reginaldo Faria), Tarcísio Meira – num sonho “erótico” de Elisa (Tássia Camargo) – e Rogéria surgiu como a procuradora de Tieta, que causa reações dos machistas de plantão e do seminarista Ricardo, amante da tia.

– A relação incestuosa da protagonista com o sobrinho causou reações controversas em Portugal. A novela padeceu com protestos que determinavam a mudança de horário, das 20h30 para as madrugadas (o que não aconteceu), por conta da incompatibilidade dos “valores morais” da trama com o público português. O sucesso, porém, implicou até mesmo em trilhas sonoras não oficiais – com direito a capa “plagiada”, com uma modela reproduzindo a pose de Isadora Ribeiro.

– No México, o folhetim foi exibido às 23h pela Azteca, principal concorrente da Televisa (justamente por conta das cenas de nudez, como as de Cássio Gabus Mendes). Até então, apenas a emissora-líder, uma das maiores exportadoras de novela do mundo, havia transmitido folhetins da Globo, como Plumas & Paetês (1980) e Baila Comigo (1981).

– Chile, Guatemala, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela também puderam conferir a obra – que, nestes países, não causou tanto estardalhaço.

– Por aqui, Tieta sofreu sanções da Igreja Católica e da Justiça. Ainda assim, conseguiu debater temas como a intolerância religiosa, a homofobia e a pedofilia.

– Primeira novela após a extinção “absoluta” da Censura, Tieta utilizou uma metáfora, planejada por Aguinaldo Silva, para simbolizar a volta da liberdade de expressão aos folhetins. Na primeira fase, quando Tieta é expulsa de casa pelo pai, este arranca a “folhinha” do calendário: é 13 de dezembro de 1968, data da promulgação do AI-5, que endureceu a repressão. Em Senhora do Destino (2004), este foi o dia da chegada de Maria do Carmo (então Carolina Dieckmann) ao Rio de Janeiro.

– No Brasil, o primeiro capítulo de Tieta alcançou aproximadamente 70 pontos na Grande São Paulo. De acordo com a pesquisa-flagrante do Ibope – que abordava telespectadores indagando o que eles estavam assistindo naquele momento – a trama obteve média de 75% nos primeiros 19 capítulos, no Rio de Janeiro, índice superior a O Salvador da Pátria (71%), Vale Tudo (1988, 68%) e Mandala (1987, 67%); em São Paulo, Tieta (70%), ‘Salvador’ (68%), ‘Vale’ (64%) e Mandala (58%).

– Curioso constatar que, na época da reprise em Vale a Pena Ver de Novo, Betty Faria e Joana Fomm estavam fora da Globo. A primeira na independente TV Plus, gravando A Idade da Loba (1995), exibida na Band; a segunda, no SBT, em As Pupilas do Senhor Reitor (1994).

– Tieta foi um marco na carreira de Joana e Betty. A primeira apostou numa linguagem circense, que incomodou a direção, mas agradou a técnica, que a incentivou a continuar investindo no tipo (concebido em parceria com Armando Bógus). A caixa misteriosa guardada a sete chaves pela vilã, cujo conteúdo jamais foi revelado, mobilizou a atenção do público.

– Betty, por sua vez, lançou uma grife com as roupas de sua personagem. Dos cerca de mil figurinos criados para a novela, quase todos eram de algodão e de modelagem simples. A exuberância ficava por conta de Tieta, com suas estampas de onça, brincos enormes e esmaltes berrantes. O gosto duvidoso causou a resistência de grandes marcas, que não queriam se associar ao estilo “brega” da “quenga”. Logo, Betty Faria lançou a grife de Tieta – que incluía biquínis, batons em tons de dourado e laranja, óleo bronzeador com spray (uma novidade!), desodorantes e xampus.

– José Mayer trocou o chapéu novo que ganhou da produção por um usado, de um morador de Mangue Seco.

– Mayer, aliás, ganhou o Troféu Imprensa de melhor ator de 1989 (empatado com Lima Duarte, de O Salvador da Pátria). Joana Fomm dividiu o prêmio de melhor atriz com Tereza Rachel, de Que Rei Sou Eu?, às 19h – que superou Tieta como melhor novela.

– Por ocasião do centenário de Jorge Amado, em agosto de 2012, a Loja Globo lançou uma versão de Tieta em DVD. A novela foi exibida pelo canal Viva, com grande sucesso, em 2017, e entrou no catálogo do Globoplay em 2020, se tornando um dos programas mais vistos da plataforma.

Compartilhar.
Avatar photo

Apaixonado por novelas desde que Ruth (Gloria Pires) assumiu o lugar de Raquel (também Gloria) na segunda versão de Mulheres de Areia. E escrevendo sobre desde quando Thales (Armando Babaioff) assumiu o amor por Julinho (André Arteche) no remake de Tititi. Passei pelo blog Agora é Que São Eles, pelo site do Canal VIVA e pelo portal RD1. Agora, volto a colaborar com o TV História.