Depois de emplacar um sucesso de época às 18h, Direito de Amar (1987), Walther Negrão voltava ao horário, menos de um ano depois, dessa vez com uma trama contemporânea e moderna. Fera Radical, que estreou dia 28 de março de 1988, contava a história de Cláudia, a primeira protagonista de Malu Mader em novelas, que voltava a cidade fictícia de Rio Novo para vingar a morte de sua família num incêndio.
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Apesar da trama se passar em um ambiente rural e tratar de temas como fazendas, gado, inseminação artificial e exportação de carne, a veia urbana era muito presente, principalmente por causa do comportamento dos próprios personagens, que nada tinham de brejeiros e interioranos. Por causa disso, a novela ganhou uma trilha sonora nacional recheada de sucessos pop que fariam a cabeça dos telespectadores pelo ano de 1988 e garantiriam aos intérpretes várias apresentações nas maiores vitrines musicais da TV naquele período, o Cassino do Chacrinha e o Globo de Ouro.
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A protagonista Cláudia podia muito bem ganhar a capa da trilha, já que Malu estava no auge da beleza e tinha nas mãos uma personagem marcante, mas como ela já tinha ilustrado os discos de ‘O Outro Internacional’ e ‘Anos Dourados’, a capa ficou a cargo da atriz Carla Camurati, usando a jaquetinha jeans com “gola de ovelha”, figurino marcante de sua personagem Marília, rival de Cláudia, com quem disputava o amor de Fernando Flores, o protagonista masculino vivido por José Mayer.
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A trilha nacional foi produzida por Sérgio de Carvalho que apresentou a Boni, o diretor de programação da Globo na época, o rock ‘A Cura’, de Lulu Santos, como tema de abertura da novela. A música fez parte do sexto álbum de estúdio do cantor, ‘Toda forma de amor’, que teve sua capa, com uma imagem dos bonecos Barbie e Ken nus numa cama, censurada. Mas Boni decidiu esperar uma música que vinha do estúdio do Guto Graça Mello. Ele produziu ‘Fera Radical’, composta por Lincoln Olivetti e Maria Carmem Barbosa, na voz de Solange, uma velha conhecida deles que fazia backing vocal para os discos produzidos por Olivetti. A música tinha um refrão-chiclete inesquecível: “não me leve a mal/ não é nada pessoal/ Fera, fera radical”, e como não poderia deixar de ser, se tornou o tema de abertura. O sucesso nas rádios garantiu a Solange um clipe no Fantástico e o lançamento de um disco pela EMI-Odeon, que teve outra música em trilha de novela (‘Me dá um alô’, em Bebê a Bordo, em breve no VIVA).
Mesmo não sendo tema de abertura, Sérgio Carvalho, que gostava muito de ‘A Cura’, manteve a canção na trilha como tema de ação de Cláudia.
Outro tema pop marcante pra protagonista era ‘Sonhos’, na voz de Jane Duboc. Em 1987, a cantora já tinha lançado 3 LP’s solo, todos em gravadoras pequenas e sem muita repercussão. Até que Jane assinou contrato com a GEL/Continental, que impôs que ela tivesse no álbum pelo menos duas músicas com potencial pra tocar nas rádios. E deu certo. Jane Duboc estourou com ‘Chama da paixão’, de Cido Bianchi e Thomas Roth, e logo depois com ‘Sonhos’, canção inesquecível composta por Lincoln Olivetti, Robson Jorge e Mauro Motta, que serviu de tema para o amor de Cláudia e Fernando. Ela finalmente alcançava popularidade e reconhecimento cantando temas românticos do fim da década de 80.
Depois do fim da banda Metrô, a vocalista Virginie Boutaud foi estudar canto e piano, e passou um tempo escrevendo canções, que dariam origem a banda Virginie e o Fruto Proibido, com Don Beto na guitarra, Nilton Leonardi no baixo e Albino Intantozzi na bateria. Eles lançaram o primeiro e único disco, ‘Crime perfeito’, em 1988, pela gravadora CBS, e emplacaram a música com pegada new wave ‘Más companhias’ na trilha de Fera Radical, como tema de Ana Paula, personagem de Cláudia Abreu, com apenas 18 anos e já em sua terceira novela. Apesar do sucesso da música nas rádios, apresentações na TV e tudo mais, Virginie decidiu se afastar logo depois da carreira musical, retornando somente em 2002 novamente com a banda Metrô.
Cazuza também aparecia na trilha de Fera Radical. Em 1988, o cantor já enfrentava os percalços causados pela AIDS, que naquela época, era responsável por muitas incertezas e preconceitos. Cazuza se encheu de coragem; queria produzir cada vez mais, como se corresse contra o tempo. O resultado disso foi um disco clássico para o rock, o ‘Ideologia’, com uma faixa-título onde Cazuza cantava sua própria angústia e como era difícil para os brasileiros viver naquele país que não sabia lidar bem com a democracia recém-conquistada. Foi esta música que Cazuza cantou em sua participação em Fera Radical no capítulo 78. Deste disco, saiu o blues Vida fácil’, que na novela era tema do malandro Paxá (Tato Gabus Mendes). Na vida real, Cazuza fazia questão de afirmar que a letra não foi escrita para o seu pai João Araújo, mas que lhe servia como uma luva. A música foi reaproveitada em Salsa e Merengue (1996), como tema de Adriana, personagem de Cristiana Oliveira.
O último pop oitentista da trilha é ‘Sobrou pra mim’, composta e interpretada por Tunai, irmão do cantor João Bosco. A música fez parte do disco de mesmo nome lançado por ele em 1988, o sétimo de sua carreira. Tunai deixou a engenharia civil nos anos 70 para se dedicar à música, chegou a trabalhar com o letrista Sérgio Natureza e com ele compôs músicas para artistas do calibre de Elis Regina, Simone, Milton Nascimento e Elba Ramalho. ‘Sobrou pra mim’ transitava pelo ambiente jovem da novela e serviu de tema para a personagem Betty (Alexandra Marzo).
Grandes nomes da MPB também faziam a diferença na trilha de Fera Radical, como Maria Bethânia, que depois de 14 anos na Philips, foi integrar o cast da RCA, onde lançaria 3 discos, antes de retornar para a antiga gravadora. ‘Verdades e mentiras’ abria a trilha da novela e integrava o disco ‘Maria’, segundo de Bethânia pela RCA. A música foi composta por Jaime Além, diretor musical dos espetáculos da cantora e conceituado produtor musical. Foi mais um tema romântico para a protagonista Cláudia. Neste disco, Bethânia cantava também ‘Tá combinado’, grande sucesso da trilha de Vale Tudo (1988).
Gal Costa também aparecia na trilha, mas cantando o tema romântico da rival de Cláudia. Marília ora estava nos braços de Fernando, ora nos braços de Heitor, outro irmão da família Flores, vivido por Thales Pan Chacon. Essas cenas eram embaladas por ‘Me faz bem’, deliciosa composição de Milton Nascimento e Fernando Brant, do disco ‘Lua-de-mel como o diabo gosta’, décimo primeiro da carreira de Gal, que mais uma vez divava na capa com uma foto de costas numa piscina, com toalha rosa na cabeça e cigarro nos dedos.
O cantor e compositor goiano João Caetano foi responsável por um tema rural de O Salvador da Pátria (1989) e um romântico em Pantanal (1990), mas antes disso, apareceu na trilha de Fera Radical, embalando as cenas de Olívia (Denise Del Vecchio) com ‘Pedaços’, composta em parceria com Otávio Daher. Na mesma década, depois de terminar a residência em Medicina, João Caetano chegou a fazer parcerias musicais com o grande ícone da MPB, Ivan Lins.
O lado sertanejo e rural da trilha ficava por conta de Almir Sater e a música ‘Peão’, encomendada a ele pelo produtor Sérgio de Carvalho, uma parceria de Almir e Renato Teixeira, tema de Fernando, que entraria no disco ‘Varandas’, lançado por Almir Sater em 1990; e ‘Tabuleiro’, com Sá e Guarabira, outra encomenda do produtor, que retratava as viagens da dupla pelo sertão da Bahia. Tabuleiro é uma extensão de areião que existe entre a margem do Rio São Francisco até o agreste do sertão.
Completa a trilha nacional de Fera Radical a música ‘Castigo’, interpretada por Eduardo Dusek, uma parceria dele e Luis Carlos Gois. Mais uma daquelas músicas cheias de sátira e humor debochado que marcaram a carreira de Dusek. Serviu de tema para o casal Robério (Older Cazarré) e Lourdes (Cleyde Blota). Ainda em 88, Eduardo Dusek cantaria o tema de abertura da novela das 19, Bebê a Bordo, ‘Amor e bombas’.
Músicas instrumentais significativas dentro da novela também apareciam no disco: ‘Cremoso’, com César Camargo Mariano, que rolava em cenas de ação e de locações urbanas; e ‘Paraíso’, com Mú Carvalho, irmão de Sérgio de Carvalho, que servia de tema romântico para Heitor.
A trilha nacional de Fera Radical fez tanto sucesso que vendeu mais que a trilha sonora internacional, o que era raro acontecer. Foram mais de 108 mil cópias vendidas.