Silvio Santos é sem dúvida o maior apresentador da TV brasileira e um grande visionário dentro do SBT. Ele sempre teve o “dedo bom” pra lançar apresentadores, programas, novelas, seriados, que iriam atingir em cheio o coração dos brasileiros e fazer a toda poderosa Globo tremer na base.

Foi numa feira de televisão no início dos anos 90 que Silvio se deparou com a novela mexicana Carrossel: uma trama que tinha crianças como protagonistas, uma produção simples, cenas que se passavam em sua maioria dentro de uma escola, uma professora amável e os dramas vividos por seus alunos travessos.

Silvio Santos decidiu apostar as fichas, pagou os 300 mil dólares pedidos pela Televisa e jogou alto! Colocou a novela no ar no SBT em 1991, pouco depois das oito da noite, um horário onde não havia na TV atrações para crianças. E deu muito certo. O Brasil se apaixonou pela professora Helena (Gabriela Rivero) e seus alunos, acompanhando seus mais de 300 capítulos. O maior público era o infantil, claro, que disputava a TV com os pais – que há anos, nesse horário, assistiam a dobradinha Jornal Nacional + novela das oito. Aliás, Carrossel fez o SBT atingir mais de 20 pontos de audiência, quando antes atingia 6, e incomodou a Globo que exibia O Dono do Mundo, de Gilberto Braga, uma novela problemática que ia no caminho contrário da trama mexicana, com uma professora seduzida por um cirurgião plástico mau caráter.

Carrossel foi exibida no México em 1989 e era um remake de uma novela argentina de 1966, Jacinta Pichimahuida – la maestra que no se olvida, que por sua vez, foi uma adaptação para a TV de contos infantis do escritor e dramaturgo Abel Santa Cruz, publicados numa revista argentina nos anos 40. Em 1983, a TV argentina adaptou os textos novamente, dessa vez para o seriado Señorita Maestra.

A professora Helena da versão mexicana era interpretada pela atriz Gabriela Rivero que, por conta do sucesso da novela, veio para o Brasil em 1991 e desceu a rampa do planalto cercada por crianças escolhidas num concurso do SBT e pelo então presidente Fernando Collor de Melo.

No México, a novela gerou um disco com músicas interpretadas pelas crianças do elenco e por Gabriela. O Brasil não conheceu estas canções já que elas foram retiradas na dublagem para o português. Apenas a música-tema ‘Carusel de niños’ era utilizada de maneira instrumental por aqui todos os dias no que representava a abertura original mexicana, a famosa “chamada” na sala de aula, exibida logo depois da versão feita pelo SBT.

Na exibição brasileira, assim como tinha feito com sucesso quando exibia a mexicana Chispita, o SBT decidiu lançar uma trilha sonora exclusiva, com artistas brasileiros. Era uma ótima forma de aproximar o público da novela e causar uma identificação imediata.

O disco acompanhou o sucesso de “Carrossel” por aqui. Foi uma febre! Ganhou disco de ouro, e logo depois, um disco de platina. Quem era criança no início dos anos 90 não passou ileso por essas canções. Todo mundo tinha o disco, a fita, ou então a fita pirata ou gravada por um amigo. Na escola, as músicas eram cantadas no recreio, em pecinhas de teatro, em homenagens para os professores. A capa, criada por Nelson Edson dos Santos, tinha frames de imagens dos alunos da professora Helena retirados da abertura original e de cenas dos capítulos, marcou uma geração e faz lacrimejar quem lembra dessa época com carinho e saudade.

O lado A da trilha abre com o tema da abertura, curtinha, criada pelo SBT que já deixava a criançada alvoroçada, pois mais um capítulo da sua novela preferida iria entrar no ar. Era só escutar ‘entre duendes e fadas…’ e correr pra frente da TV. A música ‘Carro-céu’ (era assim como o nome foi grafado na trilha, provavelmente pra evitar problemas com direitos autorais) foi composta por Anires Marcos e R. Vigna, e tinha uma letra complicadinha pra criança entender… Demoramos anos pra descobrir que era ‘entra, vem num picadeiro’ e ‘deixa a criança escondida, esquecida, esquecer que ela é avó’. Se o problema era de dicção, o responsável era o grupo Super Feliz, formado por três homens e uma mulher, que fizeram muito sucesso por conta desta música, se apresentando em diversos programas no início dos anos 90. Eles eram uma mistura de cantores e palhaços, cada um com uma cor de roupa, maquiagem e peruca.

Com um refrão marcante que repetia ‘embarque nesse carrossel/ onde o mundo faz de conta/ a Terra é quase o céu’, a música fez tanto sucesso que se tornou novamente a abertura da novela no remake brasileiro escrito por Íris Abravanel e exibido no SBT entre 2012 e 2013. Aliás, essa versão fez sucesso entre as crianças, ganhou uma reprise logo depois, virou filme, musical, série, mas cá entre nós: a novela de 2012 era linda, plasticamente falando. Tinha um bom elenco, ótimos cenários, videoclipes, mas pecou na falta de emoção, que tinha de sobra no dramalhão mexicano e que fez a novela fisgar o público em 1991. Tire por base o sucesso por aqui de Marimar, Maria do Bairro e A Usurpadora.

Mas voltando a falar da trilha… Outra música do disco brasileiro de 91 que foi reaproveitada no remake é ‘Varinha de condão’, composta por Frankie Arduini, Arnaldo Saccomani e Roberto Manzoni, o Magrão, diretor de TV. Na primeira trilha, ela aparece na voz da cantora mirim Maria “Safadinha”. Sim, eu sei que o nome artístico é meio bizarro para uma criança, mas nos anos 90, podia. Quem lançou a menina em seu programa, foi Mara Maravilha, apresentadora infantil do SBT na época. Maria Safadinha chegou a gravar um disco em 1991 pelo selo Maravilha, que pertencia a madrinha de sua carreira.

Falando em madrinha, a “afilhada” musical de outra apresentadora infantil, Patrícia Marx, também está no disco de Carrossel. Xuxa abriu espaço para que ela cantasse solo nos dois primeiros discos importantes da sua carreira, o primeiro e o ‘Xegundo’ Xou da Xuxa. Em 1990, Patrícia lançava seu terceiro álbum, o ‘Incertezas’. Com 16 anos de idade na época, ela queria gravar algo mais rock’n roll, mas a gravadora BMG exigiu que ela seguisse na linha romântica de seus discos anteriores. O primeiro single do disco, ‘Sonho de amor’ entrou pra trilha de Carrossel e embalava a adoração que o menino Cirilo (Pedro Javier) tinha por Maria Joaquina (Ludwika Paleta), que só o desprezava. O racismo entre as crianças era tratado de forma bem contundente na novela.

Como eu disse há pouco, que nos anos 90 tudo podia, a letra de “Sonho de amor”, composta pelos grandes Michael Sullivan e Paulo Massadas, fala de orgasmo. Naquele tempo, isso passou despercebido, mas basta analisar a letra com atenção para descobrir. Nada demais para o que ainda iríamos ver e ouvir naqueles saudosos anos 90…

Depois da saída de Patrícia Marx, Luciano Nassyn e Vanessa Carvalho, o Trem da Alegria em 1991 quase se despediu de Juninho Bill, que estava se tornando um adolescente. Mas a gravadora decidiu que ele seguiria no grupo mais um ano, ao lado de Amanda Acosta e Rubinho Cabrera. O álbum lançado naquele ano acabou sendo o último de músicas inéditas do grupo, que já não fazia mais o sucesso de outrora. Ainda assim, deste disco saíram as músicas ‘O Lobisomem’, que tinha a participação da Rainha dos Baixinhos, e ‘Tartaruga Ninja’.

Na trilha de Carrossel, lançada pela mesma gravadora da qual o grupo fazia parte, a BMG, o Trem da Alegria marcou presença não com uma, mas duas músicas, uma de cada lado do disco: ‘Acorda, pai’, composição de Kiko e Serginho Bastos, sobre um filho que cobra a atenção do pai, e ‘Passarinho’, de Augusto César. A música aparecia na novela em cenas do personagem Jorge Del Salto (Rafael Omar Lozano) que, por causa de sua arrogância e preconceitos, não tinha muitos amigos. ‘Passarinho’ contava com a participação luxuosa do cantor José Augusto, que dava o tom dramático que a música pedia. Um dos melhores momentos do disco.

Outra artista da BMG a aparecer no disco de Carrossel em dose dupla é Mariane. Em 91, ela era mais uma apresentadora loira de programas infantis, mas no SBT, onde ela havia estreado dois anos antes. Contratada por uma grande gravadora, Mariane lançou em 1990 seu segundo disco, ‘Ciranda’. A faixa-título, composta por César Costa Filho, que lembra uma cantiga de roda, entrou para a trilha da novelinha. No lado B, ela cantava ‘Nem tudo que reluz é ouro’, de responsabilidade de compositores de prestígio da música brasileira: Ed Wilson, Chico Roque e Paulo Sérgio Valle. As apresentadoras e cantoras infantis do Brasil podiam até não cantar maravilhosamente bem, mas estavam cercadas de ótimos profissionais e muito bem assessoradas musicalmente falando.

Outra artista da BMG a aparecer no disco de Carrossel em dose dupla é Mariane. Em 91, ela era mais uma apresentadora loira de programas infantis, mas no SBT, onde ela havia estreado dois anos antes. Contratada por uma grande gravadora, Mariane lançou em 1990 seu segundo disco, ‘Ciranda’. A faixa-título, composta por César Costa Filho, que lembra uma cantiga de roda, entrou para a trilha da novelinha. No lado B, ela cantava ‘Nem tudo que reluz é ouro’, de responsabilidade de compositores de prestígio da música brasileira: Ed Wilson, Chico Roque e Paulo Sérgio Valle. As apresentadoras e cantoras infantis do Brasil podiam até não cantar maravilhosamente bem, mas estavam cercadas de ótimos profissionais e muito bem assessoradas musicalmente falando.

Falando em Ed Wilson, ele é o compositor da melosa ‘Segredo’, que aparece no álbum de Carrossel com a dupla Luan & Vanessa. A música faz parte do único disco secular da carreira dos dois, que hoje cantam e produzem música gospel em sua própria gravadora nos Estados Unidos. Eles já eram um casal quando explodiram no Brasil em 1990 com uma versão em português para ‘Sealed with a kiss’. ‘Quatro semanas de amor’ entrou para a trilha da novela Gente Fina, da Globo, e se tornou uma das músicas mais tocadas por aqui naquele início de década.

O cantor goiano Amado Batista também fazia parte do cast da gravadora BMG. A vontade de colocá-lo na trilha de Carrossel era tão grande, que na ausência de uma música adequada em seus discos mais recentes, a gravadora resgatou a última música de seu disco ‘Hospício’, de 1987. Apesar do nome do disco, a canção ‘O nascer do sol’, composta por Mário Campanha, é agradável e lembra momentos de infância. Lembro da música como tema de locação na novela. Perfeita para abrir o lado B.

Quem curte música infantil com certeza já ouviu falar de João Plinta. Ele compôs, por exemplo, a música ‘Campeão’, do ‘Xegundo Xou da Xuxa’, e canções de sucesso da carreira da apresentadora Eliana, como ‘Amiga’, ‘Pop pop’, ‘Olha o passarinho’ e ‘A dança dos bichos’. No disco de Carrossel, o compositor aparece 3 vezes: na música ‘Hino à criança’, feita em parceria com César Rossini, e interpretada pelo Grupo Papillon, aliás, uma das mais queridas do público saudosista; ‘Canção do papai’, composta com Angela Márcia, com a voz da cantora desconhecida Laura, música que era trilha da difícil relação entre Jaime Palillo (Jorge Granillo) e seu pai; e a faixa da trilha que mais corta os corações de quem queria voltar no tempo, ‘Amiga professora’, mais uma de Plinta e Angela, interpretada por Grayce. Esta música tocava quase na íntegra na última cena da novela, exibida em 21 de abril de 1992, 358 capítulos depois, quando a professora Helena era avisada por seus alunos queridos que continuaria lecionando para eles no ano seguinte. Detalhe: na cena todos estavam vestidos a rigor, como num conto de fadas. Que saudades de tudo isso.

Carrossel ainda rendeu uma segunda trilha com os dubladores da professora Helena e das crianças interpretando cantigas de roda, que nunca tocaram dentro da novela. Um terceiro disco foi lançado em 1995 por conta da segunda reprise da novela no SBT. Neste lançamento, que saiu inclusive em CD, tinham as melhores músicas dos dois volumes anteriores e mais um remix do tema de abertura.

Confira outras curiosidades desta trilha em “A história do álbum: Carrossel”, no canal Vinilteca.


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Sebastião Uellington Pereira é apaixonado por novelas, trilhas sonoras e livros. Criador do Mofista, pesquisa sobre assuntos ligados à TV, musicas e comportamento do passado, numa busca incessante de deixar viva a memória cultural do nosso país. Escreve para o TV História desde 2020 Leia todos os textos do autor