Três vezes Por Amor; três diferentes impressões deste clássico de Manoel Carlos

Esperei quinze anos para rever Por Amor. Não era assinante do VIVA em 2010, quando a novela pintou na “grade inaugural” do canal – que então mirava o público feminino acima dos 35 anos; hoje, sabemos sucesso absoluto de audiência com ambos os sexos, de todas as idades. Minhas lembranças deste clássico de Manoel Carlos datam da primeira e única reapresentação em Vale a Pena Ver de Novo, de julho de 2002 a janeiro de 2003. Também vi a exibição original, que completou 20 anos em outubro. Três vezes telespectador; três visões diferentes.

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Continuo considerando Por Amor uma das grandes produções da nossa televisão. Mas tenho de reconhecer: Maneco pecou no desenvolvimento. Após a troca dos bebês, o grande momento do folhetim, a trama estaciona. Vez ou outra, discussões, agressões e desempenhos brilhantes do elenco tiravam a novela do marasmo. Mas, no geral, o ritmo só se reestabeleceu na reta final, com a gravidez de Laura (Vivianne Pasmanter) e seus desdobramentos.

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Laura, aliás, talvez seja o maior expoente das minhas “visões diferentes” a cada exibição. A considerava obstinada em 1997; um exemplo, talvez, de quem alguém ama e luta pelo amor. Em 2002, adolescente, extremado tal e qual a personagem, me “apaixonei” pelo tom passional da moça. Agora, de tão insistente, exagerada e – acima de tudo – incapaz de valorizar a si mesma, cheguei a celebrar o final atribuído pelo autor a ela: a morte, numa queda de helicóptero em alto-mar.

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Evidente que, em paralelo a aversão a Laura, me envolvi, mais ainda, pelo talento de Vivianne Pasmanter. O destaque, contudo, não viria, se a atriz não tivesse parceiros a altura em cena: Françoise Forton estava soberba como Meg, a emergente espirituosa e corretíssima, bem acompanhada de Ricardo Petráglia, o marido Trajano. E Gabriela Duarte, a rival Eduarda, tão odiada pelo público vinte anos atrás, tão acolhida pelo telespectador nesta última reapresentação.

Considero Eduarda, de longe, a melhor personagem de Por Amor. Em razão do arco dramático, muito bem amarrado por Manoel Carlos e construído por Gabriela: de mocinha antipática, avessa ao pai e crítica à mãe, até a mulher consciente de seu valor. Em menor escala, a evolução de Marcelo (Fábio Assunção): arrogante como a mãe e machista como o pai, a ponto de investir com violência contra as mulheres com que se relacionou, ao homem respeitador e paciencioso.

Lamenta-se, contudo, a complacência com o machismo, que imperou na relação Eduarda x Marcelo e Márcia (Maria Ceiça) x Wilson (Paulo César Grande). Havia justificativa para todas as atitudes absurdas dos dois personagens; por sorte, nenhum argumento – disparado pelos homens e pelas mulheres da novela – cabe nos dias de hoje. Não vi machismo, contudo, em Atílio (Antonio Fagundes), atacado nas redes sociais por ter se envolvido com a melhor amiga de sua ex-mulher.

Atílio “pagou” a desconfiança alimentada por Helena (Regina Duarte) com esta “traição”. Flávia (Maria Zilda Bethlem em grande momento), esta sim, desde o início mostrou-se pouco afeita à amizade com sua sócia. Foi tão insuportável quanto Isabel (Cássia Kis), a carreirista colega de trabalho do arquiteto, envolvida desde o início – não me lembrava da extensa duração deste caso – com o patrão Arnaldo (Carlos Eduardo Dolabella).

O chefe do clã Barros Mota, surpreendentemente, ganha ares mais dignos na reta final da narrativa. Contraponto à mulher, Branca Letícia, talvez o último grande personagem de Susana Vieira – esta última reprise de Senhora do Destino (2004) em Vale a Pena Ver de Novo, para mim, atestou a equivocada composição da heroína Maria do Carmo. Ferina, Branca disparou ensinamentos, frases de efeito e impropérios; o ódio pelos filhos me pareceu mais intenso do que nunca.

Por falar nos herdeiros, Carolina Ferraz e Murilo Benício arrebentaram como Milena e Léo, irmãos, confidentes e cúmplices. O relacionamento da moça com o piloto de helicóptero Nando (Eduardo Moscovis) ganhou pela resistência, a tudo e todos, mas perdeu (e muito) com o longo tempo que ele amargou na cadeia, após uma armação de Branca. Capítulos mais bocejantes que estes só os do casamento da cadelinha Inez. Ou as sequências em que Magnólia (Elizangela, ótima) assediava Genésio (Ricardo Macchi), nas barbas do marido Oscar (Tonico Pereira).

Dentre os pontos positivos, Marcelo Serrado como César e Paulo José como Orestes, lamentavelmente esvaziados no decorrer da trama. Em contrapartida, o crescimento de Regina Braga, atriz de muito valor, como Lídia. Vera Holtz também esteve brilhante com Sirléia, a mulher de meia-idade que reconstrói a vida após um casamento infeliz ao lado de Nestor (Marco Ricca) – a trama acerca da vida dupla deste também se esgotou rapidamente (ainda bem). Ainda, os comentários de dona Leonor (Eloísa Mafalda) e Tadinha (Rosane Gofman), vizinha e empregada enxeridas de Helena.

Manoel Carlos pecou ao deixar para o final a conclusão de duas tramas: a bissexualidade de Rafael (Odilon Wagner), adiada em 1997 para evitar conflitos com a novela das 19h, Zazá. Os poucos momentos reservados a este entrecho destacaram Ângela Vieira; infelizmente, sempre relegada a papéis menores. E a revelação sobre a troca de bebês. O tempo desperdiçado com algumas das bobagens listadas acima certamente seria melhor empregado com os desdobramentos desta descoberta. Inexplicável também o “perdão” concedido a Branca, com seus crimes ocultos pelos amigos fiéis e até pela filha, a grande vítima de sua mais contundente maldade.

Valeu a pena rever Por Amor. Reparar em cada defeito e, mais ainda, em cada qualidade. Grande texto de Manoel Carlos, direção eficiente de Ricardo Waddington e trabalhos memoráveis de um elenco muito bem escalado. Foi a melhor opção das noites e a mais feliz escolha do VIVA, dando o privilégio aos muitos telespectadores de agora de acompanhar o que poucos viram em 2010.


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