Até aqui, oficialmente, Travessia é o segundo maior fracasso da faixa das nove da Globo. A novela de Gloria Perez acumulou, nos 66 primeiros capítulos, média de 23,2 pontos no Kantar Ibope Media, de acordo com dados divulgados pelo UOL. O folhetim só está à frente de Um Lugar ao Sol (2021), que somou 22,3 pontos no mesmo período.

Lucy Alves em Travessia, da Globo

No entanto, em uma análise um pouco mais criteriosa, é possível afirmar que Travessia é um fiasco ainda maior que a trama de Lícia Manzo. Afinal, a saga dos gêmeos Christian e Renato (vividos por Cauã Reymond) precisou enfrentar inúmeros problemas, ao contrário da história de Brisa (Lucy Alves), que estreou num cenário muito mais favorável.

Tempos difíceis

Um Lugar ao Sol - Andréia Horta, Cauã Reymond e Juan Paiva

Um Lugar ao Sol (foto acima) sofreu inúmeros percalços, desde sua pré-produção. A trama já estava com seus trabalhos em andamento, de modo que pudesse substituir Amor de Mãe (2019) no horário nobre da Globo. No entanto, veio a pandemia da Covid-19 e embaralhou tudo.

A novela, então, precisou enfrentar uma paralisação e as inúmeras dúvidas quanto à viabilidade do projeto. Quando finalmente pôde iniciar suas gravações, encarou uma série de protocolos de segurança e limitações. Tudo precisou ser adaptado a “um novo jeito de fazer novelas”, buscando a segurança dos envolvidos em meio à crise sanitária.

Com isso, a Globo decidiu gravar Um Lugar ao Sol toda antes de estreá-la. Temendo uma nova onda da doença, que obrigasse uma segunda paralisação, a emissora procurou não correr o risco de ter que interromper a exibição do folhetim, fato que prejudicou Amor de Mãe e Salve-se Quem Puder (2020), às sete. Assim, a trama de Lícia Manzo se tornou uma obra fechada, escrita sem que a autora pudesse sentir a reação do público.

Estreia complicada

Pantanal - Cristiana Oliveira, Ingra Lyberato e Marcos Palmeira

Além da limitação quanto à reação do público, Um Lugar ao Sol ainda teve uma estreia complicada. Na época do lançamento, a Globo já havia adiantado que sua sucessora seria o remake de Pantanal (foto acima) e, estranhamente, passou a dar mais importância à novela que viria a seguir do que a aposta do momento.

Com isso, Um Lugar ao Sol foi “esquecida no churrasco”. Além das chamadas ineficientes (que já estão virando rotina na Globo), o folhetim nem ao menos teve direito a repercussão nos programas de entretenimento da emissora. Os matinais, que vêm assumindo a função que era do Vídeo Show, praticamente ignoraram a novela, assim como os programas de auditório.

Por fim, Um Lugar ao Sol ainda precisou lidar com um “esticamento”, para que Pantanal ganhasse mais tempo até a estreia. Como a trama já estava finalizada, o prolongamento se deu na edição, deixando a novela bem mais arrastada.

Cenário favorável

Travessia - Lucy Alves e Romulo Estrela
Divulgação

Enquanto isso, Travessia estreou em “céu de brigadeiro”. A novela entrou em cena em meio ao sucesso de Pantanal, que deixou o horário aquecido. Além disso, contou com inúmeras passagens por programas da Globo, com direito a várias reportagens no Fantástico e no Globo Repórter.

A trama também estreou num período bem menos crítico da pandemia, o que permitiu que fosse uma obra aberta. Gloria Perez optou por trabalhar com uma frente pequena de capítulos, justamente para poder sentir o retorno do público. Tanto que ela vem fazendo ajustes desde o início da obra.

Além disso, os matinais da emissora mantiveram os quadros criados para Pantanal, no intuito de repercutir Travessia. Surgiu o Encontro com Travessia, no programa de Patrícia Poeta, e o Travessia News, no É de Casa. Ou seja, a novela de Gloria Perez contou com um apoio que foi negado a Um Lugar ao Sol.

Sendo assim, o fracasso de Travessia é ainda mais gritante que o de Um Lugar ao Sol. A atual novela das nove estreou “aparelhada”, com todos os ventos soprando a favor. E, ainda assim, não disse a que veio. Ou seja, a atual crise no horário nobre da Globo é bem mais grave que a anterior.

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André Santana é jornalista, escritor e produtor cultural. Cresceu acompanhado da “babá eletrônica” e transformou a paixão pela TV em profissão a partir de 2005, quando criou o blog Tele-Visão. Desde então, vem escrevendo sobre televisão em diversas publicações especializadas. É autor do livro “Tele-Visão: A Televisão Brasileira em 10 Anos”, publicado pela E. B. Ações Culturais e Clube de Autores. Leia todos os textos do autor