André Santana

Travessia ainda não caiu no gosto popular. O público não perdoa os deslizes da obra de Gloria Perez, sobretudo as atitudes sem explicação de Brisa (Lucy Alves), uma das mocinhas menos inteligentes que já se teve notícia na teledramaturgia brasileira. Por outro lado, Todas as Flores vem sendo ovacionada, mesmo também tendo seus deslizes.

Todas as Flores - Regina Casé

Uma análise publicada recentemente no portal NaTelinha apontou algumas falhas do texto de João Emanuel Carneiro.

Por exemplo, o fato de ninguém conhecer Maíra (Sophie Charlotte), mesmo ela não ficando escondida; ninguém questionar a origem do dinheiro de Zoé (Regina Casé) até o início da trama; ou o fato de Diego (Nicolas Prattes) não ter voltado atrás em sua confissão ao saber que foi abandonado por Luís Felipe (Cássio Gabus Mendes).

Com emoção

Travessia - Lucy Alves

Sim, são situações pouco verossímeis, cuja “conveniência” serve apenas para que a história ande. No entanto, o espectador de Todas as Flores não se importa com tais falhas e consegue “voar”, ao contrário do que acontece com o folhetim de Gloria Perez. Por que será?

A resposta está na emoção. O espectador de novela não dá tanta importância aos furos do roteiro, desde que a trama transmita emoção suficiente para arrebatá-lo. Quando o público é fisgado por uma boa história, os erros se tornam menores.

Furos que não incomodam

Avenida Brasil - Débora Falabella

O próprio João Emanuel Carneiro cometeu sérios furos em Avenida Brasil (2012) e, ainda assim, a novela se tornou um clássico incontestável. O fato de Nina (Débora Falabella) não ter um pen-drive para armazenar as provas contra Carminha (Adriana Esteves) virou piada nas redes sociais, mas tudo em tom de brincadeira. Isso jamais abalou a credibilidade da obra junto ao público.

Isso aconteceu porque a audiência já estava arrebatada pela história. O público comprou a narrativa de Avenida Brasil, que tinha inúmeros méritos e era “magnética” o suficiente para que o espectador embarcasse na emoção. Quando quem está do outro lado da tela é conquistado, os erros que surgem depois disso se tornam praticamente irrelevantes.

Sem emoção

Todas as Flores - Letícia Colin e Sophie Charlotte

Porém, quando uma novela não consegue criar esta conexão com o espectador… As falhas ficam gritantes. É o que está acontecendo com Travessia. A trama é frágil, confusa e sem personagens carismáticos. Por isso, o público não embarcou. Assim, as incongruências do roteiro de Gloria Perez ficam enormes.

Quando quem vê é fisgado, isso não acontece. Basta lembrar de O Clone (2001), no qual Gloria conseguiu fazer a audiência se encantar com um enredo que misturava engenharia genética, religião e drogas. Os personagens iam do Brasil ao Marrocos num piscar de olhos. Mas o espectador fazia vista grossa, pois já havia embarcado na emoção.

Em suma: Travessia, Todas as Flores e qualquer outra novela terão falhas no desenrolar dos capítulos. É a capacidade do folhetim de conquistar o público que define se os erros são graves ou não.

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André Santana é jornalista, escritor e produtor cultural. Cresceu acompanhado da “babá eletrônica” e transformou a paixão pela TV em profissão a partir de 2005, quando criou o blog Tele-Visão. Desde então, vem escrevendo sobre televisão em diversas publicações especializadas. É autor do livro “Tele-Visão: A Televisão Brasileira em 10 Anos”, publicado pela E. B. Ações Culturais e Clube de Autores. Leia todos os textos do autor