Trama de 1989, Tieta soou moderna até para os dias de hoje
15/12/2017 às 1h00
Uma das mais aguardadas reprises do VIVA, Tieta (1989) enfim desembarcou no canal, em maio deste ano. A novela, que chega ao fim nesta sexta-feira (15), arrebatou o público da faixa das 15h30 – ranking exclusivo publicado pelo TV História em agosto, atesta a liderança do folhetim, baseado na obra de Jorge Amado, entre todos os já exibidos neste horário.
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Evidente que, para o público que desconhecia ou pouco lembrava (meu caso) de Tieta, o desenvolvimento da trama pode soar antiquado. O ritmo difere, e muito, das novelas de hoje. Comparando a outras produções do trio Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares também reapresentadas recentemente – Pedra Sobre Pedra (1992) e Fera Ferida (1993) – nota-se o estilo dos autores: capítulos vazios de grandes acontecimentos, preenchidos por situações repetitivas e pontos de virada a cada mês.
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Isso não é demérito, muito pelo contrário. Quase trinta anos atrás, as novelas eram assim – as de Gilberto Braga, as reprises do VIVA atestam, eram as mais movimentadas. Tieta se destaca mesmo é pelos entrechos quase libertários! No primeiro capítulo, Zé Esteves (Sebastião Vasconcelos) diz querer esquecer o dia em que expulsou Tieta (então Cláudia Ohana), sua filha, de Santana do Agreste. Arranca a “folhinha” do calendário: 13 de dezembro de 1968, data da promulgação do AI-5, que endureceu a repressão do regime militar.
Primeira novela das 20h após a extinção “absoluta” da Censura, Tieta se serviu da liberdade de expressão para colocar o dedo em muitas feridas. A protagonista – que grande atriz é Betty Faria! – levou para Santana do Agreste não só o progresso, em forma de luz elétrica e estância turística, como também novas inspirações, especialmente para as mulheres do lugarejo, até então divididas entre as “do lar” e as “da vida”. Com Elisa (Tássia Camargo) – cujo marido, Timóteo (Paulo Betti), evitava intimidades sexuais – a discussão sobre ser mulher, em todos os sentidos.
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Neste sentido, destaque também para Bebê (Simone Carvalho), tratada com uma “rameira” pela parcela conservadora do município; apenas uma jovem plena, desfrutando dos prazeres da carne, sem firmar compromissos ou se importar com convenções. E, é claro, Tonha (Yoná Magalhães), que redescobre, inclusive, a necessidade de cuidar da aparência, sentindo-se bem consigo mesma. Ainda, Imaculada (Luciana Braga), que ludibria o assediador Artur da Tapitanga (Ary Fontoura) e se recusa a ceder ao machismo de Ricardo (Cássio Gabus Mendes).
Tieta foi além: tratou da homossexualidade – reprimida em Cosme (Paulo Nigri), claramente escondendo debaixo da batina o seu interesse pelo mesmo sexo; escancarada por Ninette (Rogéria), ou Waldemar, que a princípio confunde, e por fim ensina, a população local. Também a sexualidade, vivenciada de todas as formas, do relacionamento a três de Laura (Cláudia Alencar), Dário (Flávio Galvão) e Silvana (Cláudia Magno) à predileção de Timóteo por sexo anal. A novela criticou também os falsos profetas, através do Pastor Hilário (Jorge Dória), figura tão em voga nos dias de hoje. E seu contraponto, o esclarecido Padre Mariano (Cláudio Corrêa e Castro).
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Tieta impressionou também pela excelência de seu elenco; não há ator ou atriz que tenha destoado: Joana Fomm perfeita em sua composição como a vilã Perpétua, reprimida, invejosa e infeliz; Arlete Salles em seu melhor momento na TV, como a solteirona Carmosina; e a dupla Lilia Cabral e Rosane Gofman, as beatas solteironas Amorzinho e Cinira.
Ainda Ana Lúcia Torre (Juraci), Armando Bógus (Modesto Pires), Benvindo Siqueira (Bafo de Bode), Bete Mendes (Aída), Cristina Galvão (Filó), Elias Gleizer (Jairo), José Mayer (Osnar), Luiza Tomé (Carol), Maria Helena Dias (Zuleica Cinderela), Miriam Pires (Dona Milu), Otávio Augusto (Marcolino Pitombo), Renato Consorte (Chalita), Roberto Bonfim (Amintas)…
Uma obra onde tudo funcionou, do início ao fim. Fenômeno raro, que merece ser exibido de tempos em tempos, para que novas gerações possam descobrir que, um dia, uma novela foi tão eficiente no debate de temas tão “espinhosos” para uma sociedade corroída pelo falso moralismo, a ponto de se fazer atual em qualquer época.