– Mais de 40 anos após a controversa cena de masturbação de Débora Duarte na novela Coração Alado, de Janete Clair, o tema volta a causar polêmica na televisão.

Já havia dado o que falar em 2006, quando a primeira semana de Páginas da Vida, de Manoel Carlos, exibiu o depoimento real da doméstica Nelly da Conceição sobre o seu orgasmo. As palavras da senhora, então com 68 anos, chocaram e soaram grotescas ao grande público. No sábado (27), o Viva (reexibindo Páginas da Vida) cortou o depoimento da velha senhora, gerando nova polêmica, alguns defendendo, outros repudiando a decisão do canal.

Polêmica maior aconteceu no capítulo de quarta-feira (24) de Um Lugar ao Sol, que exibiu Rebeca (Andréa Beltrão) se tocando, até ser flagrada pelo marido Túlio (Daniel Dantas). Foi uma sequência sutil: a situação só era perceptível a quem sabia do que se tratava. Contudo e principalmente: nada foi gratuito.

Rebeca e o marido vivem em crise, sem sexo e sem afeto. Ele tem uma amante e ela está envolvida pelo rapagão Felipe. A cena da masturbação ganha uma complexidade maior porque, minutos antes, Rebeca havia negado sexo ao marido. A autora Lícia Manzo criou toda uma situação delicada para os personagens. Não jogou, simplesmente, a cena para o público e “lidem com isso“.

O capítulo em questão foi exibido, na quarta-feira, mais cedo, por causa do futebol, e os mais indignados chiaram cobrando a classificação indicativa (14 anos para Um Lugar ao Sol). Ora, nada além do permitido foi mostrado, conforme explicou no Twitter o escritor e espectador da novela Mauricio Gyboski:

Fica o questionamento: por que o prazer feminino, mesmo depois de tantos avanços em discussões de interesse à sociedade, ainda é algo que precise ser escondido, ainda é um tabu?

Em minha última review, citei o quanto Um Lugar ao Sol é dinâmica. A trama corre vertiginosamente, cada capítulo com um gancho de tirar o fôlego. Se perder um pedaço, você perde o fio da meada – ou o fio do novelo. Vide os capítulos de quinta, sexta e sábado, um novelo minuciosamente emaranhado pela autora.

Essa semana, surgiu na trama uma tal Maria Fernanda (Fernanda Nobre), com um menino a tiracolo. A moça tivera uma noite com Renato quatro anos antes. Em uma novela comum (de Manoel Carlos, por exemplo), seriam semanas, até meses, para Bárbara e sua família descobrir que Renato tivera um filho fora do casamento. Lícia Manzo poupou seu público da espera.

Em quatro capítulos, a autora, habilidosamente, engendrou a trama em que Christian (o falso Renato) era defenestrado pela família de Bárbara por algo que ele não fez, nem era responsável. Elenice, mãe de criação de Renato, sabia que ele não podia ter filhos (na adolescência, ele tivera uma caxumba que lhe deixou sequelas) e ironizou (capítulos antes) a gravidez de Bárbara.

Ora, se Renato era estéril, o filho que Bárbara esperava era de Christian, mas ninguém sabe que Christian se passa por Renato. Maria Fernanda jogou uma bomba: seu filho é de Renato. Mas Elenice podia provar que não. Por que, então, Elenice não acusou Bárbara de traição quando soube da gravidez dela? Porque a mãe de Renato está mais interessada no dinheiro que a família de Bárbara pode lhe proporcionar com a união do casal.

O capítulo de sábado foi digno das novelas de Gilberto Braga: Elenice e seu irmão e cúmplice Teodoro armam situações para lá de esdrúxulas a fim de colher material para o exame de DNA que comprove que Maria Fernanda está mentindo, o que fará com que Renato seja aceito de volta no seio da família de Bárbara. E o capítulo ainda termina com um acidente de carro espetacular! Ufa!

– No mesmo capítulo em que Bárbara sofre ao descobrir que não poderá mais engravidar, Lara assume e manifesta à avó o desejo de não querer ter filhos. Muito relevante esse contraponto da autora, já que não querer filhos é tão legítimo a toda mulher quanto o desejo de engravidar.

Mais relevante ainda por Lara ser a mocinha da novela, o modelo de identificação para o público. A personagem foge do estereótipo da mulher que não quer filhos porque “não gosta de criança”. Pelo contrário, houve muitas cenas de Lara interagindo amistosamente com várias, a enteada inclusive.

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– Assim como Lara casou com Mateus sem amá-lo plenamente, Joy está com Ravi por conveniência, para ter um teto para si e para seu bebê recém-nascido. Uma frase de Joy chamou a atenção nessa semana:

Tu já parou pra pensar há quantos meses que eu tô presa aqui dentro? Que eu só faço dar peito, dar colo, dar papinha, dar pra você! (…) Eu tô exausta! Eu só dou, dou, dou e não recebo nada!

Lícia Manzo é muito habilidosa em seu texto. No reencontro de Christian com Avani (Inez Viana), em Goiás – Christian se passa pelo gêmeo Renato -, ela pede um abraço: “Sei que você não é teu irmão, mas é metade dele… Você se incomoda, posso te dar um abraço?“.

Outra frase de Avani, ao despedir-se de Renato: “Eu tenho certeza que se o Cris pudesse, ele trocava de lugar com você!“.

– No capítulo de terça-feira, na última aula que Noca e Dalva assistem (antes de serem proibidas pela diretora de frequentarem as aulas), a professora está ensinando sobre Machado de Assis e questiona as crianças por que o escritor aparece diferente em duas fotos, uma em que ele está negro e outra em que está branco. A professora explica que Machado era negro, mas sua representação foi alterada.

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Uma menina pergunta quem mudou a foto e a professora responde: “Todos nós! Quando achamos que uma pessoa negra não tem direitos. Ou tem menos direitos“.

A sequência foi exibida na terça-feira – em vez de sábado, 20, dia da Consciência Negra, o que teria sido melhor.

– Cecília (Fernanda Marques), filha de Rebeca, é uma garota insuportável, vive de cara amarrada, implicando com a mãe, podando-a e julgando-a. A princípio, parece o caso da filha que se nega a acatar o padrão que a mãe tenta impor a ela (ser modelo). Porém, há algo de errado com Cecília, sempre retraída. Apesar de linda, ela é nada vaidosa e tenta esconder o corpo. Acredito que seja algo relacionado a Túlio (Daniel Dantas) e que a autora esteja preparando uma discussão pertinente para mais adiante.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor