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A reprise de “Totalmente Demais” superou o sucesso da primeira exibição. A média está 3 pontos acima. É uma espécie de fenômeno do fenômeno. A produção marcou a estreia de Rosane Svartman e Paulo Halm como novelistas, após duas bem-sucedidas temporadas de “Malhação” (Intensa, de 2012, e “Sonhos”, de 2014), da melhor forma possível. E a reexibição tem reforçado todas as qualidades da novela, elogiada pela crítica e fenômeno de audiência e repercussão entre 2015 e 2016. Porém, rever a história também ajuda a observar melhor a evolução dos autores em relação ao mais recente produto da dupla: “Bom Sucesso”, encerrada no primeiro semestre deste ano, antes da pandemia do novo coronavírus.
A trama protagonizada por Eliza (Marina Ruy Barbosa), Jonatas (Felipe Simas), Carolina (Juliana Paes) e Arthur (Fábio Assunção) logo conquista o telespectador pelo carisma dos personagens e um desenvolvimento muito bem trabalhado pelos escritores. Os núcleos paralelos também não deixam a desejar em nada e complementam o enredo central através de situações que mesclam, com habilidade, humor e drama. Há ainda um importante rodízio de vilões, evitando o desgaste do roteiro, que já virou uma marca de Rosane e Paulo. O grande sucesso não foi por acaso.
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Entretanto, uns pequenos tropeços de “Totalmente Demais” merecem ser citados e comparados com “Bom Sucesso”. A passividade de Jonatas, por exemplo, é algo que incomoda em vários momentos. O mocinho caiu nas graças do público e o casal “Joliza” foi um marco da trama.
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Felipe Simas viveu seu melhor momento na carreira até então e sua química com Marina Ruy Barbosa era avassaladora. Mas o garoto passou a novela toda praticamente em função da sua ‘ruivinha’. Mesmo depois de ter sido dispensado pela menina por conta de uma armação de Arthur e Stelinha (Glória Menezes). A falta de amor próprio deveria ter sido visto pelos autores, assim como um enredo para chamar de seu.
A longa duração do término do par principal também é um fato que merece menção. Como ficaram juntos ainda no primeiro mês de novela, a separação se deu pouco tempo depois e os mocinhos ficaram quase a história toda separados, tendo apenas breves momentos de união. O intuito era criar um certo mistério sobre o futuro amoroso da protagonista. Afinal, Eliza teve um romance com Arthur a partir da metade da trama. A pergunta envolvendo o último capítulo não era a famigerada “Quem matou?” e, sim, “Quem vai ficar com a mocinha?”.
O resultado foi um suspense até o último capítulo, com direito a várias cenas de Arthur dando em cima da modelo e a mocinha fingindo não perceber. Se irritar com a sonsice da protagonista era inevitável. Mas não precisava. O telespectador mais atento já sabia que Jonatas seria o escolhido porque o roteiro foi muito bem estruturado pelos autores. O ex-empresário das ruas sempre foi o amor da ex-florista, assim como Carolina era a paixão de Arthur. Justamente em virtude do bom desenvolvimento da história, o enigma não era necessário. A audiência não cairia.
A pouca relevância do núcleo esportivo escolar da novela é mais uma situação interessante para um comparativo. Montanha (Toni Garrido) era um ótimo professor de Educação Física, mas o colégio pouco aparecia, assim como seus alunos. O núcleo ainda era deslocado dos demais. Algumas vezes não apresentava muitos acontecimentos. A trajetória linda de superação de Wesley (Juan Paiva) ajudou a camuflar um pouco isso. E o romance de Montanha com Rosângela se mostrou atrativo, mas o desfecho se mostrou decepcionante, repetindo um dos bordões de Florisval (Ailton Graça).
A mãe de Jonatas voltou para o ex-marido malandro que não pagava pensão e a traía na época de “casados”. E a namorada de Florisval acabou ficando com o professor. Uma ‘recompensa’ não muito digna para Maristela (Aline Fanju), uma mulher que transbordava machismo e no final bancou a santa só pra arrumar um novo pretendente (como se fosse um quesito indispensável para deixar de ser solteira). Aliás, o contexto dessa situação específica era machista: as duas viviam se estapeando por um sujeito que não valia grande coisa. Outro conflito questionável, em um núcleo distinto, era a forma subserviente de Lu (Ju Trevisol) em relação a Rafael (Daniel Rocha) nos meses iniciais de novela.
A trajetória de Gilda (Leona Cavalli) é mais um ponto interessante para analisar. A mãe de Eliza sempre ignorou os assédios e a tentativa de estupro que a filha sofreu do padrasto. Infelizmente, é uma realidade muito comum na sociedade. Há várias Gildas por aí. Mas nem depois que acordou para a monstruosidade do marido e ajudou Eliza a depor contra ele, houve uma evolução de fato. A personagem voltou a ajudar Dino (Paulo Rocha) na reta final com o pretexto de não deixá-lo morrer na cadeia. Para culminar, ainda foi racista ao demitir Riscado (Cadu Paschoal) por conta do sumiço do dinheiro de seu bar (“Flor do Lácio”) — quando o culpado era Carlinhos (Kaik Brum), seu filho. Ela merecia mesmo um final feliz com o milionário Hugo (Orã Figueiredo)? Aliás, Hugo, o homem mais íntegro da história, merecia terminar com essa mulher ao seu lado?
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E todas essas situações citadas, que não afetaram a qualidade do conjunto de “Totalmente Demais”, foram corrigidas em “Bom Sucesso”. Marcos (Rômulo Estrela) se mostrou um mocinho ativo, debochado e tinha vários dramas familiares importantes. Seu amor por Paloma (Grazi Massafera) serviu como um desarme diante de um sentimento verdadeiro. O típico galinha que fugia de relações estáveis se deparou com a estabilidade até então impensável. E a construção dos mocinhos foi bem mais longa, o que proporcionou uma expectativa cada vez mais alta e uma duração maior quando o romance finalmente se estabeleceu.
O equívoco do relacionamento entre Eliza e Arthur poderia se repetir com Paloma e Alberto (Antônio Fagundes), mas os autores fugiram da repetição. O pai de Marcos até se apaixonou pela mocinha, mas a personagem nunca soube desse sentimento e o forte vínculo de amizade virou o grande trunfo do enredo. Também não houve uma forçação em torno da decisão de Paloma sobre com quem iria ficar no final. Sua relação com o ex-marido Ramon (David Júnior) foi muito bem resolvida e a parceria se mostrou outro acerto.
É preciso mencionar também o destaque muito maior do núcleo escolar, incluindo a parte esportiva através das aulas de basquete dadas por Ramon. Os personagens foram melhores trabalhados e eram diretamente ligados ao núcleo principal. A representatividade negra, que estava acima da média na novela anterior (o que não significa muito), também teve uma evolução clara, assim como a eliminação de contextos machistas através de personagens femininas bem construídas, vide o relacionamento abusivo de Nana (Fabíula Nascimento) com Diogo (Armando Babaioff).
Se Lili (Vivianne Pasmanter) — um perfil semelhante a Nana — estivesse em “Bom Sucesso”, haveria um envolvimento tão longo com Rafael, seu ex-genro? Será que Rafael teria um final feliz ao lado de Leila (Carla Salle) depois de ter magoado tanto a Lu e ajudado a dopar Eliza? Aliás, mesclando os personagens, é possível constatar um único caso onde a evolução não foi observada: a da homossexualidade feminina. Adele (Jéssica Ellen) foi um perfil promissor e houve um ótimo conflito através de uma paquera virtual que deu errado com Lu. As duas formariam um lindo casal. Mas Adele perdeu o destaque depois que foi dispensada pela assistente de Carol. Já Gláucia (Shirley Cruz), também negra, lésbica e boa profissional, nem chegou a ensaiar qualquer romance em “Bom Sucesso”. Era apenas uma mulher bem-sucedida sem dramas particulares. Uma pena.
“Totalmente Demais” e “Bom Sucesso” foram novelas primorosas de Rosane Svartman e Paulo Halm, ambas dirigidas pelo sempre dedicado Luiz Henrique Rios. As duas tramas mereceram o sucesso de críticas, audiência e repercussão. A reprise da saga de Eliza tem rendido ótimos índices para a Globo em plena pandemia do coronavírus e ajudado a relaxar um pouco em meio ao caos que vive o mundo. Mas também tem ajudado a observar melhor o aprimoramento do trabalho de dois autores tão competentes e inspirados ao longo do tempo. Que isso se reflita no futuro terceiro folhetim da dupla, quem sabe no horário nobre.
SOBRE O AUTOR
SÉRGIO SANTOS é apaixonado por televisão e está sempre de olho nos detalhes, como pode ser visto em seu blog. Contatos podem ser feitos pelo Twitter ou pelo Facebook.