Um sucesso da TV dos anos 1980 está de volta no Globoplay, a partir desta segunda-feira (8): Bebê a Bordo, novela de Carlos Lombardi, com direção de geral de Roberto Talma, exibida originalmente entre junho de 1988 e fevereiro de 1989.

Uma novela anárquica, de trama nonsense, repleta de ação e diálogos irônicos, traçada com muita criatividade por Carlos Lombardi, que definia aqui seu estilo peculiar, iniciado modestamente em Vereda Tropical (1984-1985) e perpetuado em seus trabalhos posteriores: Perigosas Peruas (1992), Quatro por Quatro (1994-1995), Vira-lata (1996), Uga Uga (2000-2001), Kubanacan (2003-2004) e outras.

Abaixo, 10 curiosidades sobre a produção:

Censura

Antes da estreia, o diretor Roberto Talma precisou ir a Brasília para assegurar a exibição da novela, que estreou ainda sob o julgo da Censura do Governo Federal, que queria liberá-la apenas para o horário das 21 horas. Porém a emissora havia se programado para exibi-la às sete da noite. Talma precisou cortar cenas, como a de uma briga que envolvia a protagonista Ana (Isabela Garcia), mas conseguiu liberar a novela.

Sexo

Apesar desse fato isolado (antes da estreia da novela), o sexo foi abordado de forma nunca antes vista no horário das sete da Globo. É que, com a aprovação da Constituição de 1988 (em setembro, quando Bebê a Bordo estava no ar), aconteceu a extinção do DCDP, a Divisão de Censura de Diversões Públicas, órgão ligado ao Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça.

A TV passou a viver um período de muita liberdade para tratar de assuntos tabus – mais que hoje em dia, diga-se de passagem. Na novela, Maria Zilda vivia Ângela, uma mulher reprimida sexualmente que dava vazão às suas fantasias por meio de sonhos eróticos – representados por verdadeiros clipes, a maioria embalados por “Mordida de Amor”, o tema de Ângela, que tornou-se um grande hit da banda Yahoo na época.

O sexo também era referenciado com o bordão “levar uns coelhos”, proferido pelos irmãos Rico e Rei (Guilherme Leme e Guilherme Fontes) sempre que eles abordavam o assunto. Também havia a sexóloga Fânia (Déborah Evelyn), que estudava o comportamento sexual dos personagens. E, ainda, uma das primeiras representações de uma lésbica no horário das sete até então: a executiva Joana Mendonça (Débora Duarte), que descaradamente dava em cima de várias mulheres na trama.

À Folha de São Paulo (em fevereiro de 1989), o autor declarou: “Uma grande tolerância quanto aos valores sexuais, a partir de uma mãe típica dona de casa e não trabalhadora [personagem de Nicette Bruno] que recusava o rótulo de santa e confessava o adultério feliz que teve por quase quarenta anos com o vizinho [Sebastião Vasconcelos]”.

O título

O título Bebê a Bordo foi uma ideia de Boni, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, então chefão da Globo. O nome primeiramente pensado, Filha da Mãe, foi proibido pela Censura Federal, que justificou o seu veto: “O título, no contexto, sugere ‘… expressão eufemística para filho da puta’ (Novo Dicionário Aurélio), sendo, portanto, apelativo”. (“Beijo Amordaçado – A Censura às Telenovelas Durante a Ditadura Militar”, Cláudio Ferreira).

Este título, por sua vez, acabou sendo usado em 2001 para uma novela de Silvio de Abreu: As Filhas da Mãe.

A bebê Heleninha

A bebê da história servia para unir os diversos núcleos da novela. Pelo menos três crianças representaram Heleninha, em diferentes fases de seu crescimento. Karine Félix da Silva, de quatro meses na época, era a Heleninha recém-nascida.

Sua substituta foi Adriana Tausz Valbon, filha da atriz Carla Tausz, que atuava na novela como Elza, babá de Heleninha (a própria filha). Em 1992, Adriana, com 4 anos, atuou em outra novela de Carlos Lombardi dirigida por Roberto Talma: Perigosas Peruas.

Beatriz Bertú, com dez meses na época, foi a que ficou mais tempo no ar e encantou a todos: o elenco, a produção da novela e, principalmente, o público. O sucesso da garotinha foi tanto que sua foto estampou a contracapa do LP internacional da novela. Adulta, Beatriz Bertú seguiu a carreira de atriz.

Morte de Dina Sfat

Bebê a Bordo foi o último trabalho de Dina Sfat, que faleceu em 20 março de 1989, pouco mais de um mês após o término da novela. A atriz tinha 50 anos e foi vítima de um câncer de mama. Carlos Lombardi falou ao livro “Autores, Histórias da Teledramaturgia” (do Projeto Memória Globo):

“Foi muito penoso para todos nós vê-la piorar durante a novela. Eu tinha que poupá-la muito fisicamente, já não podia escrever cenas externas para ela. Chegamos a falar com um dos médicos se seria o caso de afastá-la do trabalho, mas ele falou ‘Pelo contrário! Vocês devem mantê-la, porque, quando acabar a novela, ela vai morrer.’ Realmente, a novela acabou em fevereiro de 1989 e a Dina Sfat morreu em março do mesmo ano”.

Bel Kutner (filha de Dina Sfat e do ator Paulo José), em uma de suas primeiras aparições em TV, fez participações especiais como Laura (Dina) jovem, em cenas de flashback.

Público jovem

Para o livro “Autores, Histórias da Teledramaturgia”, Carlos Lombardi declarou que recebeu de Roberto Talma a encomenda de levar o público jovem de volta ao horário das sete:

“[Talma lhe disse] ‘Você é o autor mais moderninho da emissora. Então solta esse lado porque preciso de personagens que fascinem os jovens.’ E assim eu fiz”.

Sobre a construção dos personagens, Lombardi declarou, em fevereiro de 1989, à Folha de São Paulo:

“As novidades vieram da incorporação do universo pós-moderno dos anos 80, como os hábitos ‘acid’, já que não há nada mais parecido com um jovem inglês de cidade grande do que um jovem brasileiro de cidade grande. (…) misturamos universos comuns às grandes cidades: o último dos yuppies se apaixona pela fugitiva pós-hippie, é irmão bastardo do último beatnik, que, por sua vez, era irmão de dois acid boys, que namoram duas riquinhas”.

Tony Ramos diferente

A ator, até então conhecido por papeis de heróis de bom caráter, surpreendeu o público com um papel cômico, compondo um Tonico Ladeira de forma inusitada. Carlos Lombardi escreveu o personagem pensando em dar ao ator um papel que ele nunca tinha vivido até então, o de um rapaz muito ansioso e cheio de manias. Segundo Lombardi, ele seria uma mistura da personalidade do próprio autor com a do diretor Roberto Talma.

Por sua atuação na novela, Tony Ramos foi premiado com o Troféu Imprensa de melhor ator de 1988. Em 2006, Lombardi praticamente reeditou Tonico Ladeira em sua novela Pé na Jaca, com um personagem muito semelhante: Arthur Fortuna, vivido por Murilo Benício.

Durante a exibição de Bebê a Bordo, estreou a minissérie O Primo Basílio, na qual Tony Ramos viveu Jorge, um personagem dramático, completamente diferente do cômico Tonico Ladeira da novela das sete. Os atores José de Abreu, Guilherme Leme e Paulo Guarnieri, do elenco de Bebê a Bordo, também estavam em O Primo Basílio.

Modismos e comportamento

A novela influenciou comportamentos, como o bordão “levar uns coelhos”, popularizado pelos irmãos Rei e Rico (Guilherme Fontes e Guilherme Leme), e impulsionou a venda de itens, como os lenços usados pelos personagens e o álbum de figurinhas da novela, hoje peça disputada por fãs saudosistas.

Os lenços fizeram sucesso na época. Rei e Rico, andavam meio largados, sem muita preocupação com a estética. O autor os descrevia como neo-hippies. A figurinista Sônia Soares sugeriu o lenço para o personagem de Guilherme Fontes por conta da profissão dele: o rapaz era entregador de pizza e, como tinha cabelo longo, não podia correr o risco de deixar cair nenhum fio no alimento.

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Os LPs da novela

As ótimas trilhas sonoras são das mais representativas da década de 1980, repletas de hits das FMs da época. “Mordida de Amor” é a música mais lembrada da novela – mais até que o tema de abertura, “Amor e Bombas”, cantada por Eduardo Dusek.

Também se destacaram: “Adoro” (Léo Jaime, que também atuava na trama), “Quase Não Dá Pra Ser Feliz” (Dalto), “Preciso Dizer Que Te Amo” (Marina Lima) e “O Beco” (Paralamas do Sucesso), entre outras. Da trilha internacional: “I Don´t Want To Go On With You Like That” (Elton John), “Build” (Housemartins), “I Don´t Want To Live Without You” (Foreigner), “Strangelove” (Depeche Mode), “Never Tear Us Apart” (INXS) e “Electrica Salsa” (Off).

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Novela picotada

Reapresentada no Viva, em 2018, foi a única vez que o canal editou a exibição de uma novela, por conta própria, contrariando sua política de apresentações na íntegra. Bebê a Bordo foi retalhada pela edição, precipitando assim o seu término. Entretanto os capítulos permaneceram intactos na plataforma streaming do canal.

O Viva alegou que abreviou Bebê a Bordo a fim de estrear Vale Tudo, a próxima atração, perto do mês de maio de 2018, em que ela completava trinta anos de sua estreia original.

Bebê a Bordo já havia sido reprisada anteriormente, no Vale a Pena Ver de Novo, entre novembro de 1992 e março de 1993.

AQUI tem tudo sobre Bebê a Bordo: a trama, elenco completo, trilha sonora, personagens e mais curiosidades.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor