Tá no Ar chega à quinta temporada mostrando que tem muita lenha para queimar
27/01/2018 às 10h00
Nos últimos anos, Marcelo Adnet, Marcius Melhem e Maurício Farias, criadores do elogiado Tá no Ar: a TV na TV, tentaram adaptar a fórmula do programa a outros produtos da grade global. Melhem introduziu o novo estilo à reformulação do Zorra Total, rebatizado de Zorra em 2015, com relativo sucesso. Adnet, por sua vez, tentou se aventurar no mundo dos talk-shows; no entanto, seu Adnight (2016) não deu certo e a continuação, Adnight Show (2017), piorou o que já era ruim.
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Ficava claro que o ‘Tá No Ar’ era o único programa que realmente valorizava o talento e o senso apurado do comediante oriundo da MTV. E esta evidência mais uma vez ficou forte com a estreia da quinta temporada do programa, que mostrou que ainda tem muito fôlego para discutir sobre a TV e a nossa atualidade.
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Uma importante novidade foi a mudança no formato das “zapeadas”. Antes emulando o estilo de uma TV a cabo, agora incorporou elementos dos modernos aparelhos de Smart TV, navegando por aplicativos on demand, como o próprio Globo Play (no qual o programa também foi disponibilizado antes do seu lançamento, prática que tem sido constante entre as produções dramatúrgicas de curta duração).
No roteiro do programa em si, de cara, um dos principais destaques foi a telenovela ‘Paixão Sem Marcas’, que não apenas satiriza os merchandisings na teledramaturgia, mas também pode ser vista como um deboche com a constante prática da Globo de não falar marcas – algo comum em transmissões esportivas, em que a emissora altera nomes de estádios que tenham contratos de naming-rights com empresas.
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Jorge Bevilacqua (vivido pelo talentoso Welder Rodrigues) e Tony Karlakian (o milionário paulista encarnado por Adnet) apareceram em quadros diferentes dos seus tradicionais: um merchandising semelhante aos do ‘Jardim Urgente’ e uma série envolvendo a família Karlakian, numa clara gozação com os Kardashians. Aliás, deve-se fazer uma ressalva: o quadro de Tony, mesmo sendo perfeito em sua sátira à elite paulistana, é um dos que menos fazem rir e, em contraponto aos esquetes curtos, é um dos mais demorados, “quebrando” parcialmente o ritmo.
Outra novidade da temporada foi a estreia de Eduardo Sterblitch e Luísa Arraes, novos integrantes do ótimo elenco (Verônica Debom, Renata Gaspar, Carol Portes, Luana Martau, Danton Mello, Márcio Vito, Maurício Rizzo e Georgiana Góes – além dos já citados Adnet, Melhem e Welder). Enquanto Luísa apareceu na citada ‘Paixão Sem Marcas’, Sterblitch participou de um divertido esquete inspirado nos programas que turbinam carros (como o Pimp My Ride, da MTV americana, e o ‘Lata Velha’, do Caldeirão do Huck).
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Merece elogios também a ótima participação de Mateus Solano satirizando a Família Soprano, bem como as notícias bizarras do Jornal Surreal (com Marcius Melhem), as intervenções do militante nordestino (Adnet), a participação do índio gay Ubirajara Dominique (Adnet) no Encontro com Fátima Bernardes e o sempre hilário Silvio’s Greatest Songs, que trouxe Silvio Santos “interpretando” ‘K.O.’, da drag queen Pabllo Vittar.
No entanto, um destaque especial deve ser feito para o ferino esquete ‘Walking Back’. Inspirados pela série The Walking Dead, os humoristas aproveitaram para cutucar o forte movimento conservador e as discussões entre os grupos políticos de direita e esquerda que tomam conta das redes sociais. O quadro impactou ao comparar a onda de intolerância atual com os zumbis, “ressuscitando ideias que estavam enterradas” (como diz o slogan da paródia) – em referência ao machismo, racismo e misoginia – e reforçou o espírito crítico do programa.
O Tá No Ar chegou à sua quinta temporada mostrando que ainda tem muita lenha para queimar e muitos assuntos para tratar. Sem se intimidar com possíveis críticas de que favorece determinado grupo em prejuízo de outro, ou de que faz um humor refinado demais para quem é acostumado com uma linha mais “popular” (que inclusive, como exemplo, é explorada com qualidade e competência pela turma da Nova Escolinha do Professor Raimundo), o grupo experimenta uma liberdade artística jamais conquistada por nenhum outro programa da Globo. Por isso mesmo, deve-se frisar que o programa nunca teve a pretensão de reinventar a roda, afinal, clássicos como TV Pirata (1988-92) e Casseta e Planeta Urgente (1992-2010) já o faziam, embora sem os grandes avanços do atual.
E é justamente pela liberdade artística intensa que o Tá No Ar deveria ser mais valorizado por um público que vez ou outra reclama da “falta de humor nas novelas” – algo que nem sempre é necessário. E ainda há muito mais por vir. Em ano eleitoral e de Copa do Mundo, os dois temas ainda serão fortemente explorados pela trupe, que já demonstrou que este é o caminho. Não poupar ninguém. Nem eles mesmos.