O pai da moderna dramaturgia brasileira, como bem definiu Ricardo Linhares no documentário Gilberto Braga – Meu Nome é Novela, segue vivo no cotidiano dos apaixonados pelo gênero através de suas obras.
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No último dia 28 de fevereiro, o Globoplay disponibilizou Paraíso Tropical, trama de Gilberto e Ricardo que estreava há exatamente 15 anos, em 5 de março de 2007.
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O TV História relembra curiosidades da produção através de depoimentos do novelista. Giba participou ativamente de todos os processos relativos à obra, e “palpitou” sobre, da escalação de elenco até a trilha sonora.
“Quando nós estávamos escalando o elenco, João Ximenes [Braga, colaborador], que é novo no grupo, ficou espantado porque eu recusei a sugestão de chamar uma atriz, argumentando que não teria vontade de jantar com ela. E o João disse: ‘Não estou entendendo, acho que ela faria bem esse papel, tem que ser boa companhia pra jantar também?’. Eu respondi a verdade: tem. Porque é patota. Eles vão passar meses juntos, é desgastante, têm de gostar muito uns dos outros ou podem pirar. Se nós acharmos que alguém não vai se enquadrar no grupo, como colega, não chamamos”.
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A declaração de Gilberto Braga ao jornal O Globo de 20 de janeiro de 2007 se deu por conta da saída de Cláudia Abreu de Paraíso Tropical.
Ele e Ricardo Linhares criaram as gêmeas Paula e Taís a partir da doçura de Vitória e do veneno de Laura, personagens da atriz em Belíssima (2005) e Celebridade (2003). Grávida, a atriz desfalcou a novela.
Letícia Sabatella, então cotada para o posto, estava comprometida com Páginas da Vida (2006). Camila Morgado foi outro nome ventilado na imprensa, assim como Débora Bloch. A escolha recaiu sobre Alessandra Negrini.
Camila Pitanga e Wagner Moura também foram “segunda opção” para Bebel e Olavo. Mariana Ximenes, esgotada após emendar vários trabalhos, abriu mão da prostituta; Selton Mello, comprometido com o cinema, abdicou do empresário.
“Nunca tinha trabalhado com o Wagner Moura e estou apaixonado. Que ator maravilhoso! A Camila Pitanga superou minhas expectativas. Além de achá-la linda, fina e elegante, estou impressionado com seu talento ao fazer uma mulher tão distante do que ela é na vida real”, exaltou Gilberto, no jornal O Estado de São Paulo de 30 de janeiro de 2007.
Outro membro da patota de Giba ficou de fora: Antonio Fagundes. O papel reservado para ele, Antenor Cavalcanti, foi entregue a Tony Ramos – num tipo, digamos, “fora da curva” de sua galeria. Também ao Estadão, Braga comentou a troca:
“Só trabalhei com o Tony numa minissérie [O Primo Basílio, 1988] e sempre quis tê-lo numa novela. Finalmente, consegui, meio por acaso porque começamos a bolar o Antenor para o Antonio Fagundes. Gosto de escrever com certeza de que vou ter o ator e o diretor artístico da Globo, Mário Lúcio Vaz, disse que o Fagundes seria difícil porque ‘Carga Pesada’ está na grade este ano”.
Já Paulo Vilhena abdicou de Ivan, mau-caráter defendido por Bruno Gagliasso, por sugestão do novelista. Diante da argumentação de Gilberto Braga, sobre o tipo recorrente em sua carreira, que ele faria com “os pés nas costas” – o “rato de praia” safo –, Paulinho optou pelo engravatado Fred.
Gilberto também enalteceu Gustavo Leão, o Matheus, promessa de galã. “Finalmente, eu me sinto lançando alguém no nível das Glórias Pires e Lauros Coronas que lancei no passado”, entusiasmou-se em declaração ao jornal O Globo de 4 de junho de 2007. Também festejou a volta de Daisy Lúcidi, que conheceu quando pequeno, à TV. “Era excitante para uma criança como eu saber que conhecia uma radioatriz famosa”, revelou ao Jornal do Brasil de 24 de julho daquele ano.
As primeiras listas de elenco de Paraíso Tropical – que contou com Copacabana e Folhetim como títulos provisórios – incluíam também Adriana Esteves, Alinne Moraes, Carolina Dieckmann, Cleo, Christiane Torloni, Débora Falabella, Flávia Alessandra, Júlia Lemmertz, Juliana Knust, Lucinha Lins, Marcos Palmeira, Nívea Maria, Nívea Stelmann, Patrícia Pillar e Sheron Menezzes.
“Gostaria muito de saber responder, mas não sei. Só sei que estamos escrevendo uma boa novela, cuja história vai em crescendo. Espero que possamos recuperar os espectadores logo”.
Foi assim que Gilberto Braga respondeu ao questionamento da Folha de S.Paulo de 7 de março de 2007 sobre a audiência da estreia de Paraíso Tropical, a mais baixa da década até então: 41 pontos. Os índices claudicaram nas primeiras semanas; o primeiro grupo de discussão apontou rejeição às cenas de sexo, aos conflitos excessivamente masculinos – como o duelo de forças de Olavo e Daniel (Fábio Assunção) – e ao cenário similar ao da antecessora Páginas da Vida.
O disse-me-disse sobre números passou, inclusive, pela improvável escalação de Diego Alemão, campeão da temporada 2007 do BBB. Houve quem cogitasse a entrada da brother para o elenco, como um garoto de programa, pegando carona na popularidade que fazia o reality show elevar consideravelmente a audiência da novela – de 38 pontos para 45, em 27 de março, com a eliminação da vilã Analy.
Para o jornal Estado de São Paulo (30/03/2007), Giba demonstrou confiança: “De modo geral, as reuniões mostraram que a primeira semana da novela pareceu rápida demais à maior parte das participantes, o que justifica a audiência abaixo do que esperávamos. Pouco a pouco, no entanto, elas foram se interessando cada vez mais. Portanto, nada parece precisar de correção”.
Apesar da segurança quanto à trama, o software que implicava no tom acinzentado das cenas, foi abolido por ser considerado “pesado”.
Os índices, de fato, cresceram com o avanço da narrativa. O primeiro encontro de Paula e Taís, em 20 de abril, rendeu 44 pontos. No ar em 25 de junho, o casamento de Fred e Camila – com Bebel exclamando “que boa ideia este casamento primaveril em pleno outono” – registrou 50 de média. O último capítulo, em 28 de outubro, garantiu o recorde: 55 pontos.
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Companheiro
“Meu companheiro de vida há 34 anos não tem direito ao seguro saúde da Globo, como no caso de meus colegas héteros. Isto precisa mudar”.
Gilberto Braga desabafou sobre a situação envolvendo ele e Edgar Moura Brasil, seu esposo por mais de quatro décadas, em entrevista à revista G Magazine. O episódio, de certa forma, contou com ecos na ficção. Os autores desenvolveram um casal gay bem-sucedido, em todas as esferas: Rodrigo (Carlos Casagrande) e Tiago (Sérgio Abreu).
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O relacionamento, contudo, foi criticado pela comunidade LGBTQIA+. “O casal gay não tinha importância alguma na trama. Era para acariciar a classe. Mas a classe é muito crítica, quer carinho, beijo na boca”, observou Giba no livro Autores, Histórias da Teledramaturgia, do projeto Memória Globo.
Braga aprofundou o debate em seu trabalho seguinte, Insensato Coração (2011). Além de incluir vários homossexuais em diferentes núcleos, o autor, em nova parceria com Ricardo Linhares, levantou discussões pertinentes quanto à homofobia.
“Acredito que o tema de abertura ajude ou atrapalhe na audiência, sim. Mas não creio que seja o caso, em ‘Paraíso Tropical’. Aliás, a novela tinha sido concebida para abrir com [Frank] Sinatra e Tom [Jobim] cantando Garota de Ipanema, por causa do turismo sexual, um sucesso brasileiro no mundo todo, charminho. Eu mudei a concepção justamente quando Wave foi escolhida para abertura de ‘Páginas da Vida’. Sábado em Copacabana não é bossa nova. E a escolha trouxe o bairro de Copacabana, quer dizer, música e história se misturam muito na minha cabeça”.
De fato, as trilhas sonoras sempre foram um dos atrativos das novelas de Gilberto Braga – também produtor musical. Ele detalhou esta paixão em entrevista ao Estado de São Paulo (03/04/2007):
“Para preparar a trilha nacional de uma novela eu ouço: 1) Os últimos discos de cada cantor e compositor que admiro. 2) Seleções que costumo fazer da ‘obra completa’ de cada um, faço por prazer, na hora de escolher trilha ajuda muito. É Com Esse Que Eu Vou (com Elis Regina), por exemplo, veio daí. 3) Rigorosamente tudo o que me mandam, inclusive de desconhecidos. Claro que se eu não gosto, ouço só um pouco, mas ouço. Sem qualquer preconceito”.
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O repertório de Paraíso Tropical contou com três composições de Dorival Caymmi – Você Não Sabe Amar, Vatapá e Sábado em Copacabana – e três de Ana Carolina – Ruas de Outono, Carvão e Cabide. ‘Ruas’ ganhou versão com Gal Costa por desejo e obra de Gilberto.
“Eu fiquei impressionado com as composições da Ana. Carvão me parece uma gravação esplêndida, adorei a interpretação dela, inclusive tem um arranjo incrível. Ruas de Outono me lembrou Roberto Carlos e eu tive o estalo: Gal, que não tinha disco com canções novas. A Ana achou boa ideia, convidamos a Gal, ela gravou especialmente para a novela, adorei o resultado, espero que o público também curta. […] Já Cabide é uma música pela qual eu tinha me apaixonado logo que ouvi o disco da Mart’nália, Menino do Rio. Eu adoro a Mart’nália”.