Um dos maiores sucessos da TV brasileira estreava há exatamente 29 anos, em 8 de março de 1993: Renascer. A novela, escrita por Benedito Ruy Barbosa, com direção geral de Luiz Fernando Carvalho, ficou no ar até novembro daquele ano, foi reprisada no Vale a Pena Ver de Novo entre 1995 e 1996 e no canal Viva entre 2012 e 2013, e entrou no Globoplay em outubro do ano passado.

Entre as várias curiosidades que cercam a produção estão o martírio de Adriana Esteves, a primeira vez que se falou em hermafroditismo em uma novela e dois atores que foram afastados.

Segue o fio:

Os humilhados serão exaltados

No final da década de 1970, Benedito Ruy Barbosa apresentou a sinopse de Os Imigrantes para a direção da TV Globo, que a recusou. A novela foi então produzida pela TV Bandeirantes, entre 1981 e 1982, e tornou-se o maior sucesso da dramaturgia da emissora. Em 1990, a Globo não se interessou em produzir Pantanal, fazendo com que Benedito a levasse à TV Manchete, tornando-se um fenômeno na emissora de Adolpho Bloch.

Após o êxito de Pantanal, a Globo tratou logo de resgatar Benedito para sua equipe de novelistas. Com Renascer, o autor conseguiu, finalmente, apresentar o seu trabalho em grande estilo, em uma superprodução, contando com a repercussão global no horário nobre, que ele tanto almejava. Antes disso, a Globo só lhe cedia o horário das seis, considerado “menor” até mesmo dentro da emissora, por seu menor alcance e audiência.

Primeira fase inesquecível

Benedito mostrou-se à altura do compromisso e exibiu seu talento de maneira sedutora. O ritmo lento da narrativa e o estilo contemplativo da direção de Luiz Fernando Carvalho não foram obstáculos para os telespectadores. Inesquecível a primeira semana de exibição de Renascer, na qual foi contado o passado dos personagens, com imagens belíssimas e direção cinematográfica (direção de fotografia de Walter Carvalho).

José Bonifácio de Oliveira Sobrinho revelou em seu “Livro do Boni”:

“O início era tão forte que tivemos que reduzir o número de capítulos, pois haveria possibilidade de rejeição da segunda parte da novela”.

Nesta primeira fase, Patrícia França, revelada no ano anterior na minissérie Tereza Batista (1992), estreava em novelas. Também estreou Leonardo Vieira – que interpretou o protagonista Zé Inocêncio quando jovem – tornando-se o novo galã da casa. Leonardo e Patrícia, pelo sucesso com seu casal romântico em Renascer, estrelaram a próxima atração das seis da emissora, Sonho Meu.

Painho

Benedito Ruy Barbosa iniciou aqui uma parceria de sucesso com Antônio Fagundes, que em Renascer viveu o protagonista, Coronel Zé Inocêncio, na fase definitiva da trama. O ator trabalhou com Benedito ainda em O Rei do Gado (1996), Terra Nostra (1999), Esperança (2002), o remake de Meu Pedacinho de Chão (2014) e Velho Chico (2016).

Uma das cenas mais emocionantes da novela: a morte de Zé Inocêncio, no final. Ele pede ao filho, João Pedro (Marcos Palmeira), que o abrace para desculpá-lo por tantos anos de indiferença. Outra sequência marcante aconteceu na primeira fase, quando Zé Inocêncio jovem (Leonardo Vieira) finca um facão na terra junto a um frondoso pé de jequitibá e jura que não morreria nem de “morte matada” nem de “morte morrida”.

O martírio de Adriana

Adriana Esteves recebeu muitas críticas por sua atuação como Mariana, a principal personagem feminina de Renascer. Este era seu segundo papel de destaque em uma novela das oito da Globo (no ano anterior, ela viveu Marina em Pedra Sobre Pedra). A atriz se sentiu pressionada e tão mal que entrou em depressão, o que a levou, posteriormente, a recusar o papel de Babalu em Quatro por Quatro (1994) e a se afastar voluntariamente por dois anos da televisão.

“Foram os anos mais difíceis da minha vida”, desabafou em entrevista à revista Cláudia, em agosto de 2016. “Eu era muito nova e fazia uma protagonista muito grande e complexa em Renascer. Claro que eu não tinha muita maturidade para lidar com o sucesso tão grande de uma protagonista de novela das oito. E o que tudo que isso requer”, disse Adriana a Lázaro Ramos para o programa Espelho, do Canal Brasil, em julho de 2013.

Personagem com dois sexos

Benedito Ruy Barbosa ousou falar sobre hermafroditismo, tema inédito em nossa Teledramaturgia, por meio da personagem Buba – que acabou marcando a carreira da atriz Maria Luísa Mendonça e pela qual ela é lembrada até hoje. Buba – cujo nome de batismo era Alcides – tinha os dois sexos e seu sonho era ter um filho com Zé Venâncio (Taumaturgo Ferreira).

Outras abordagens discutidas na novela foram o celibato religioso – o Padre Lívio (Jackson Costa) se apaixonava pela bela Joaninha (Tereza Seiblitz) – e a questão dos meninos de rua – a menina Teca (Paloma Duarte) engravidou precocemente e foi acolhida na casa de Zé Inocêncio.

Atores afastados

Um dos personagens de maior destaque foi Tião Galinha, uma interpretação marcante de Osmar Prado. Porém, o ator afastou-se da novela, apesar do excelente trabalho como o caricato matuto e este ser um dos melhores personagens da trama. A morte de Tião Galinha estava prevista na sinopse, mas teve de ser antecipada.

Em matéria para a revista Caras (publicada em junho de 2015), o ator revelou que teve um embate com um executivo da Rede Globo e pediu para sair. Após este episódio, Osmar Prado foi para o SBT e só retornou à Globo cinco anos depois, na novela Meu Bem-Querer (1998).

Também Taumaturgo Ferreira deixou o elenco antes do final. Seu personagem, Zé Venâncio, acabou morto em uma tocaia. Na época, divulgou-se que a emissora (entenda autor e diretor) não gostou da construção do personagem pelo ator e decidiu excluí-lo do elenco. Taumaturgo retornou à Globo cinco anos depois.

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Comparações entre Renascer e Pantanal

Inevitáveis, pois foram muitas:

Marcos Palmeira viveu o filho enjeitado do protagonista nas duas novelas (Tadeu / João Pedro);

– O protagonista de ambas as tramas (Zé Leôncio / Zé Inocêncio) era dono de uma vasta propriedade e possuía um vizinho inimigo (Tenório / Teodoro) cuja filha (Guta / Sandra) se apaixonou pelo filho enjeitado (Tadeu / João Pedro);

– A submissa mulher que era tratada pelo marido (Tenório / Teodoro) truculento com um apelido depreciativo (Maria Bruaca / Dona Patroa);

– A presença de uma estranha (Muda / Mariana) que aparecia do nada para se vingar de um personagem, e que descendia de um antigo inimigo dele.

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O diabo na garrafa já existia

O diabo preso na garrafa por Zé Inocêncio já foi um filão explorado pelo autor em sua novela Paraíso (1982-1983), na qual o Coronel Eleutério (Cláudio Corrêa e Castro), igualmente, possuía um diabo na garrafa, com os mesmos entrechos usados em Renascer.

Ao livro “Autores, Histórias da Teledramaturgia”, o autor explicou que a inspiração para essa trama veio de uma viagem à Bahia, a uma fazenda de cacau:

“Eu tinha ouvido um causo sobre um tal de Seu Firmo, o fundador das fazendas da região, que havia dividido suas terras entre os sete filhos. (…) Seu Firmo tinha a proteção do capeta e guardava o diabo na garrafa. Contaram que um dia, Seu Firmo havia aparecido com essa garrafa, botado dentro de casa e, a partir de então, virado protegido: nenhuma bala entrava nele. (…)

Nas noites de florada, Seu Firmo abria a garrafa, o diabinho pulava para fora e virava um bode enorme, com os olhões brilhando feito brasa. Seu Firmo montava nele e o bode saía voando, mijando no cacau. (…) Na manhã seguinte, o que nascia de flor era uma maravilha! Por isso que não tinha cacau que desse mais do que o do Seu Firmo, por causa do mijo do diabo, que adubava”.

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A abertura

Criada por Hans Donner e sua equipe, desenvolvida em animação 3D, a abertura da novela enfatizava os mundos rural e urbano. Um pingo caía sobre um solo árido e dali crescia uma frondosa árvore, de onde surgia um moderno edifício envidraçado. Em seguida, a mesma mensagem era reforçada de outra forma, a partir de outra linguagem e técnica, baseada em maquetes: uma fazenda de cacau, que, à medida que o chão se esfacelava, revelava uma metrópole, cheia de arranha-céus, que eram literalmente enrolados fazendo surgir o logotipo da novela.

De acordo com a análise de André Luiz Sens, em seu blog Televisual, a vinheta pecou pela grande quantidade de eventos e pela pouca harmonização estética entre a animação 3D e as maquetes. Isso se deve, talvez, por causa do alto entusiasmo de querer trabalhar com chromakey e animação gráfica tridimensional. Porém, os conceitos empregados e suas formas de representação foram interessantes tanto pela poética quanto pelo surrealismo no intuito de representar a analogia do desenvolvimento urbano – e do próprio protagonista – a partir da cultura do cacau.

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Novela premiada

Renascer ganhou a maioria dos prêmios de televisão referentes ao ano de 1993. A APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) a elegeu melhor novela, melhor ator (Antônio Fagundes), melhor ator coadjuvante (Osmar Prado), melhor atriz coadjuvante (Regina Dourado) e ator revelação (Jackson Antunes). Também ganhou o Troféu Imprensa de melhor novela, melhor ator (Antônio Fagundes) e revelação do ano (Jackson Antunes).

AQUI tem tudo sobre Renascer: a trama, elenco completo, personagens, a trilha sonora e mais curiosidades.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor