A novela das seis que marcou a estreia de Alessandro Marson e Thereza Falcão como autores titulares, após um longo tempo trabalhando como colaboradores (como do sucesso Avenida Brasil, por exemplo), estreou no dia 22 de março e chegaria ao fim no dia 22 de setembro, ficando exatos seis meses no ar. Mas, Novo Mundo acabou terminando nesta segunda, dia 25, por causa da bobagem da nova estratégia da Globo em busca de mais audiência. E nem precisava. A produção fez um imenso sucesso de público e crítica, engrandecendo a faixa das 18h, após a fraquíssima Sol Nascente.

A trama, dirigida com competência por Vinícius Coimbra, primou pelo capricho do primeiro ao último capítulo, mesclando contextos históricos com o folhetim tradicional, havendo espaço ainda para momentos de pura fantasia, remetendo aos clássicos da Disney, como Piratas do Caribe. Os autores conseguiram juntar perfis que realmente existiram a outros meramente ficcionais com maestria, presenteando o telespectador com personagens bem construídos e conflitos convidativos, sem poupar história.

Isso porque a novela não teve barriga (período de enrolação, onde nada de relevante acontece), expondo a criatividade dos autores na elaboração de ótimas viradas ao longo do enredo. Claro que deslizaram em alguns pontos, como o já cansativo recurso do sequestro da mocinha no penúltimo capítulo —- é um clichê, mas absolutamente todos os folhetins recentes da Globo vêm apresentando essa situação.

Também pecaram quando deixaram Anna (Isabelle Drummond) passiva, sob o comando de Thomas (Gabriel Braga Nunes), esquecendo a heroína valente do começo. Ao menos, corrigiram essa questão quando a amada de Joaquim (Chay Suede) foi resgatada em uma sequência de tirar o fôlego, voltando a ser aquela mulher ativa de antes.

Aliás, Anna e Joaquim foram mocinhos cativantes e os escritores foram muito inteligentes quando decidiram aproveitar a química dos atores na primeira fase de A Lei do Amor. Na problemática novela das nove, o público só pôde aproveitá-los por cinco capítulos. Agora tudo foi diferente, incluindo a riqueza dos personagens, bem mais densos. Deu vontade de torcer pelos heróis, sendo necessário citar as várias aventuras que ambos passaram, como fuga de balão, batalhas com piratas em alto-mar, guerra com índios, luta de espadas com o vilão, tiroteios, enfim, não faltou adrenalina na vida do casal. Representaram um toque de fantasia delicioso em meio a um enredo permeado por contextos históricos.

A saga de Dom Pedro (Caio Castro) e Leopoldina (Letícia Colin) representou uma sucessão de momentos que todo mundo já estudou na época da escola. Mas, claro, com bons toques de ficção, como não poderia deixar de ser. O telespectador acompanhou a chegada da Família Real – Leo Jaime e Débora Olivieri maravilhosos como Dom João e Carlota Joaquina -, a vinda de José Bonifácio (Felipe Camargo), o “Dia do Fico”, a nomeação de Leopoldina como princesa Regente, entre outros fatos importantes, além de, claro, a Proclamação da Independência do Brasil, levada ao ar em pleno 7 de setembro. A trama ainda fez questão de ressaltar a importância que Leopoldina teve durante todo o processo da independência. Foram cenas arrepiantes.

A vida dos imperadores também foi bem desenvolvida, optando pelo tom um pouco mais leve, exibindo um Dom Pedro com toques de malandragem e humor, fazendo um contraponto com sua canalhice em trair a esposa constantemente. E a inserção de Domitila (Agatha Moreira), a Marquesa de Santos, foi feita com o intuito de despertar a empatia do público, em virtude da vida sofrida que levava, sendo espancada pelo marido e humilhada pela irmã perversa. Entretanto, aos poucos, a personagem foi transformada na grande vilã da história, fazendo uma empolgante rivalidade com Leopoldina. Os autores mais uma vez se mostraram inteligentes, mesmo abusando da ficção em vários pontos. Afinal, nada melhor do que acompanhar a amante ambiciosa sendo confrontada pela majestade empoderada. Letícia e Agatha brilharam juntas.

Por sinal, Letícia compôs uma Leopoldina irretocável. Viveu seu melhor momento na carreira, angariando inúmeros elogios merecidos. Impossível não ter se apaixonado por aquela imperatriz e se comovido pelos seus vários dramas, como a perda do filho e as constantes traições do marido. Sua bem-sucedida parceria com Isabelle Drummond, já vista em Sete Vidas (2015), também merece menção, assim como sua sintonia com o excelente Felipe Camargo e Caio Castro. Caio, inclusive, é mais um que se destacou muito positivamente, surpreendendo com seu desempenho. Após vários trabalhos fracos, o ator amadureceu e Dom Pedro é seu melhor papel de longe. Dificilmente algum outro superará. É importante, ainda, observar que todos os fatos históricos foram muito bem inseridos na trama, evitando a sensação de uma chata aula de História. Tudo funcionou da melhor forma.

Os núcleos paralelos se mostraram tão bem trabalhados quanto o central. A comicidade da história ficou muito bem servida com os impagáveis Licurgo (Guilherme Piva), Germana (Vivianne Pasmanter) e Elvira Matamouros (Ingrid Guimarães). O trio protagonizou cenas hilárias e os atores estiveram sensacionais. Ingrid ganhou sua melhor personagem na carreira televisiva e até a morte da atriz 171 foi revista pelos autores em virtude do sucesso daquela carismática trapaceira. Já Guilherme e Vivianne formaram um casal nojento, mas no bom sentido, se é que isso existe. Vale citar o primoroso trabalho da caracterização, deixando os intérpretes irreconhecíveis. A composição dos atores também primou pelo cuidado com os trejeitos, como ‘risadas de porco’, olhos arregalados, enfim. Que show eles deram. Theo de Almeida, aliás, foi mais um integrante da trupe, se revelando uma grata revelação mirim. Quinzinho ficou mudo quase a novela toda, mas nos últimos meses desandou a falar. Carismático demais o menino.

O conflito encabeçado por Sebastião (Roberto Cordovani), Cecília (Isabella Dragão), Matias (Renan Monteiro), Idalina (Dhu Moraes) e Libério (Felipe Silcler) foi outro que despertou atenção, expondo o racismo gigantesco da época e a crueldade da escravidão, mesmo com cenas mais suavizadas. Também foram feitas críticas precisas ao Brasil atual, mostrando que pouco mudou em quase 200 anos, vide a corrupção dos poderosos. O amor da menina branca com o jornalista negro foi bonito de se ver, assim como o carinho que os escravos tinham com ela. A crueldade do poderoso fazendeiro foi digna de um excelente vilão e que privilégio o telespectador teve em acompanhar o desempenho extraordinário de Roberto Cordovani, um premiado ator de teatro que nunca tinha participado de uma novela. Que essa seja a primeira de muitas outras. Aliás, é preciso citar os momentos da reta final, com Idalina conseguindo sua sonhada liberdade e se vingando do patrão inescrupuloso. De lavar a alma.

O romance protagonizado por Wolfgang (Jonas Bloch) e Diara (Sheron Menezzes) foi mais um ponto positivo da novela, havendo uma clara referência ao clássico Xica da Silva, com a escrava se casando com um poderoso homem e ganhando a liberdade. Os atores tiveram muita sintonia. Porém, é necessário ressaltar que a inserção de Ferdinando (Ricardo Pereira) no núcleo acabou sendo desnecessária, criando um conflito bobo em torno dos sentimentos da ex-escrava. Com isso, o par acabou perdendo a importância. Mas, felizmente, os autores viraram o jogo quando trouxeram a cruel Greta (Júlia Lemmertz, ótima) para infernizar a vida do par. A vilã movimentou a situação, tentando envenenar Wolf, seu irmão, e enfrentando Diara, dando um novo fôlego para o contexto.

O drama de Amália (Vanessa Gerbelli) inseriu um tom de mistério no folhetim, pois o desespero daquela desmemoriada mulher, e aparentemente louca, em busca do filho desaparecido, provocou várias desconfianças a respeito da identidade dessa pessoa. Tudo levava a crer que era Cecília a sua filha, mas os autores surpreenderam e colocaram Joaquim como o herdeiro de Dom João e irmão de Dom Pedro. Isso porque Amália teve um caso com o rei tempos atrás e tudo acabou explicado em um bem realizado flashback, implicando em uma linda cena, defendida com total entrega por Vanessa e Chay Suede. A relação amorosa entre a paciente e seu médico, o Dr. Peter, ainda engrandeceu todo o conjunto, expondo uma cumplicidade tocante entre Vanessa e Caco Ciocler.

A tribo indígena e a gangue dos piratas pareciam deslocadas da trama, mas foi apenas uma impressão inicial. Os dois núcleos foram vitais para o desenvolvimento do enredo central e acabaram sendo os responsáveis por algumas das melhores cenas de ação de “Novo Mundo”. A batalha dentro do navio de Fred Sem Alma (Leopoldo Pacheco), no começo do folhetim, impressionou e o retorno dos piratas na reta final rendeu mais uma leva de batalhas ótimas, como a luta contra as índias que protegiam o tesouro que Edward Milmann (Ney Latorraca, em uma participação final luxuosa) descobriu. Leopoldo esteve bem demais, sendo necessário citar ainda Luana Tanaka (Miss Liu), Thiago Tomé (Hassam) e Babu Santana (Jacinto). Já a tribo protagonizou empolgantes embates com a trupe de Thomas, além de capatazes que queriam destruir a mata. Eles ainda serviram para expor a verdadeira face de Piatã (Rodrigo Simas), que procurava uma identidade desde que era criado como irmão de Anna. O índio, por sinal, formou um lindo casal com Jacira, a índia guerreira e empoderada. Rodrigo e Giulia Buscaccio esbanjaram química. Daniel Dantas (Olinto), Jurema Reis (Jurema), Roney Villela (Tibiriçá) e Allan Souza Lima (Ubirajara) foram outros bons nomes do núcleo.

Aliás, essa produção teve como uma de suas qualidades a valorização do elenco. Não teve ninguém desperdiçado. Todos tiveram espaço para brilhar em algum momento. Além de todos os já mencionados, não é possível esquecer de César Cardadeiro (Hugo), Rômulo Estrela (Chalaça), Larissa Bracher (Benedita), Viétia Zangrandi (Nívea), Bruce Gomlevsky (Felício), Alex Moreno (Francisco), Alice Morena (Rosa), Ruben Gabira (Schultz) e o trio impagável formado por André Dias (Patrício), Bia Guedes (Lurdes) e Mariana Consoli (Dalva). Só é de se lamentar o afastamento da maravilhosa Márcia Cabrita por problemas de saúde (ela enfrenta um câncer há anos). A Narcisa ficou por poucos capítulos e tinha tudo para render muito. Pena.

Uma característica peculiar da produção que vale ser ressaltada foi a trilha sonora. Pela primeira fez uma novela não teve cantores ou bandas embalando os temas. Todas as músicas eram incidentais. E como funcionou bem com o roteiro. Os instrumentos foram os protagonistas do núcleo dos piratas, da abertura (a melhor do ano, diga-se), das cenas de batalhas, enfim. E todas as trilhas eram bem características, deixando claro para o telespectador quando a trupe de Fred Sem Alma surgiria ou então a vilania de Thomas, por exemplo. Uma inovação bem-vinda.

A reta final do folhetim expôs o bom planejamento dos escritores, que conseguiram concluir todos os dramas aos poucos, sem atropelos, valorizando cada núcleo. A queda de Sebastião, que ficou na miséria e virou mendigo (com direito até a um banho de cocô), após ter todos os bens confiscados pelo governo, era bastante esperado, assim como o encontro de Anna com seu pai —– Roberto, Isabelle e Ney ótimos. Elvira ser reconhecida como uma grande atriz foi o máximo. O casamento de Amália e Peter primou pela delicadeza, enquanto o momento de aparente paz entre Leopoldina e Dom Pedro foi um alento para o público, que tem pleno conhecimento da vida infeliz que os dois tiveram, com direito ao caso interminável que o príncipe teve com Domitila, provocando até a morte da imperatriz. Ao encerrar a novela com a coroação de ambos, evitou-se o trágico desfecho dessa problemática história do Brasil. E o embate final entre Joaquim e Thomas —- desfigurado depois de ter sobrevivido ao incêndio no Galeão (perfeito trabalho da caracterização) —- empolgou com o clássico enfrentamento do bem contra o mal.

Novo Mundo teve 24 pontos de média, a maior da faixa das seis desde 2012, com exceção do fenômeno Eta Mundo Bom! (2016), que obteve 27 pontos. É um feito e tanto, fazendo jus ao conjunto apresentado. A novela dos estreantes Alessandro Marson e Thereza Falcão foi um sucesso de público e crítica merecidamente. Valeu muito a pena ter acompanhado um produto tão caprichado, que explorou fantasia e contextos históricos de forma competente. É uma obra de inúmeras qualidades e digna de Emmy Internacional. Fará falta.


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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor