O triângulo amoroso é um clássico da teledramaturgia. Toda novela que se preze tem pelo menos um. Porém, durante um longo período, esse conflito romântico era quase sempre composto pelo casal de mocinhos (ou de bonzinhos) e um vilão ou vilã. Entretanto, já há algum tempo que os autores vêm compondo o trio com perfis repletos de defeitos e qualidades, ou seja, humanos.

E isso provoca uma clara divisão no público, afinal, todos os envolvidos têm pontos positivos e negativos, deixando de lado o maniqueísmo da vilania, o que costuma ajudar bastante a destinar a torcida toda para apenas um par. Foi exatamente essa situação que aconteceu em “Totalmente Demais”, fenômeno das sete que vem sendo reprisado atualmente na Globo e reacendeu a guerra dos fãs.

Jonatas (Felipe Simas), Eliza (Marina Ruy Barbosa) e Arthur (Fábio Assunção) formaram um triângulo na trama das sete e Rosane Svartman e Paulo Halm conduziram os relacionamentos em fases, mas sempre deixando claro os reais sentimentos de cada um através de sutilezas nas cenas (como troca de olhares) e no texto. O romance “Joliza” —- junção de nomes muito comum na internet que significa ‘shippar’ o casal (torcer pelo par) —- sempre teve como fonte de inspiração o clássico filme “Luzes da Cidade”, estrelado por Charlie Chaplin em 1931, cujo enredo era o amor que nascia entre um vagabundo e uma florista cega. Já “Arliza” é oriundo da peça “Pigmalião”, de 1913, produzida por George Bernard Shaw (já inspirada no mito do “Pigmalião”), onde um culto professor transforma uma humilde florista em uma mulher refinada e se encanta com sua criação.

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As duas relações foram bem conduzidas em “Totalmente Demais” e ajudaram a inserir inúmeros bons conflitos na trama. Os mocinhos do enredo sempre foram Jonatas e Eliza, tanto que os primeiros meses de novela foram todos voltados para a linda relação dos dois, que crescia pouco a pouco. Arredia e agressiva por conta dos abusos sofridos com o padrasto, a menina chegou ao Rio de Janeiro sozinha, foi roubada por duas picaretas e se viu abandonada nas ruas.
Jonatas, que se autointitulava um ‘empresário das ruas’ (vendia balas de dia e era flanelinha à noite), logo se apaixonou pela garota e se prontificou a ajudá-la. Apesar do receio inicial, Eliza ficou cada vez mais à vontade com o seu único amigo e aprendeu a vender flores com ele.

A cumplicidade cresceu até que Eliza também se viu apaixonada por um garoto que não tinha absolutamente nada a ver com o príncipe que tanto sonhava. Pelo contrário, estava mais para um ‘sapo’. Tanto que a sua primeira vez foi com Jonatas em um momento repleto de delicadeza e poesia, onde os dois transaram em um cinema abandonado após a exibição de alguns trechos de “Luzes da Cidade”. A menina venceu o pânico de se aproximar de qualquer homem com o seu ‘carrapato’, apelido dado para o menino que vivia no seu pé. O casal é a representação do primeiro amor e do romance típico dos contos de fadas, tendo a ótima ironia do príncipe ser sujo, pobre e não ter condições de andar em um cavalo branco (no máximo um pangaré achado nas ruas).

E o romance do casal foi interrompido não por uma cruel vilã (ou vilão) que fez de tudo para separar os pombinhos, mas sim por um agenciador de modelos que usou a garota como ferramenta de uma aposta feita com a mulher que sempre amou. Arthur desafiou Carolina (Juliana Paes), garantindo que conseguiria transformar aquela ‘mendiga’ em uma modelo refinada e ganhadora do concurso Garota Totalmente Demais. Chegou até a levá-la para morar com ele.

Foi a partir de então que a relação “Arliza” começou a ser desenvolvida. Entretanto, inicialmente, o bon vivant apenas tolerava a menina e tinha repulsa do jeito grosseiro e sem modos da garota. Contou com a ajuda do fiel escudeiro Max (Pablo Sanábio) e da mãe Stelinha (Glória Menezes) como ‘instrumentos’ de ajuda na transformação —– Stelinha, aliás, fez o filho simular uma expulsão de Eliza do apartamento para obrigar a garota a se separar de Jonatas, passando a focar somente no concurso.

À medida que Eliza ia virando uma mulher elegante, Arthur ia se encantando por sua criação. Até que ele começou a cortejar a nova modelo, mas a menina não cedia, pois ainda estava triste com o fim de seu namoro com seu amor. Entretanto, ao longo das fases do concurso houve uma aproximação inevitável entre eles, que ficou mais forte com a vitória da ex de Jonatas na competição, atingindo o seu tão sonhado objetivo. Os dois, então, namoraram e seguiram com a relação harmonicamente. Porém, a mocinha não conseguia disfarçar sua reação cada vez que se encontrava com Jonatas ou o via com Leila (Carla Salle). Os olhares que ambos trocavam eram reveladores. Já Arthur, apesar de todas as armações e idas e vindas, não conseguia se afastar de Carolina, por mais que tentasse. Mesmo que os encontros resultassem em discussões, onde o seu fascínio por se apaixonar era sempre exposto por Carol, que fazia questão de repetir o quanto que ele não aceitava perder uma disputa amorosa.

Os autores souberam aproveitar muito bem todas as possibilidades e conflitos que essas relações resultaram, movimentando a trama e evitando qualquer tipo de desgaste, o que não é fácil em uma produção que ficou sete meses no ar. É verdade que houve um excesso no tempo de separação entre Eliza e Jonatas, o que implicou em uma ligeira enrolação, assim como as constantes humilhações que o mocinho se submetia pela mocinha —- mas foi um pequeno equívoco que não afetou o conjunto.

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E, assim como já havia acontecido em “Malhação Sonhos” (com brigas de torcidas “Duancas”, “Joancas”, “Perinas”, “Cobrades”, “Dunats” e “Cobrinas”), conseguiram conquistar torcidas fervorosas e apaixonadas que defendem seus casais preferidos com unhas e dentes. Esse também costuma ser o termômetro de um sucesso, além de números de audiência e repercussão. O público foi realmente arrebatado por essa novela tão deliciosa e bem escrita.

Mas ninguém imaginava que a guerra entre torcidas fosse ressurgir em uma mera reprise. A reexibição de “Totalmente Demais”, por conta da interrupção das gravações de “Salve-se Quem Puder” —- em virtude da pandemia do novo coronavírus —-, está repetindo o sucesso da exibição original, entre 2015 e 2016, incluindo a passionalidade dos fãs. Os chamados “arlizas” até hoje não se conformam com o desfecho da novela e vários foram até o Twitter da autora Rosane Svarmtan exigir um novo final. Obviamente, é um desejo sem o menor cabimento. Tanto levando em consideração todo o desenvolvimento do roteiro, que não deixou dúvidas sobre os sentimentos dos personagens, quanto em relação ao período caótico do mundo, onde não há qualquer possibilidade de reunir elenco para regravar cenas de quatro anos atrás. Os próprios escritores deixaram claro que nunca foi gravado um final alternativo na época. Portanto, tudo segue na mesma, assim como as discussões frequentes nas redes sociais entre ‘arlizas’ e ‘Jolizas’ —- que, vale ressaltar, têm debochado do desespero do ‘fandom’ rival para alterar o último capítulo.

Na reta final, todo o enredo ficou voltado para o quarteto central, provocando mais uma mudança do triângulo, evidenciando o amor que sempre esteve vivo entre Jonatas e Eliza, implicando ainda em uma reaproximação entre Arthur e Carolina, graças ao menino que foi adotado pela ex-diretora da revista. Toda a história foi bem encaminhada e finalizada aos poucos com extrema competência, deixando, claro, um tom de mistério sobre com quem Eliza ficaria no último capítulo. Mas quem prestou atenção no roteiro não ficou em dúvida sobre o desfecho. O amadurecimento foi a principal razão para a volta dos casais do início da novela. Se não fosse pelo relacionamento que teve com Jonatas, Eliza nunca conseguiria se envolver com Arthur em virtude de seus traumas, ao mesmo tempo que Arthur nunca conseguiria enxergar o amor que sente por Carolina se não tivesse deixado um pouco seu ego de lado quando resolveu ser fiel por Eliza. Até mesmo Jonatas mudou, pois (além de ter um trabalho bem remunerado) deixou de se rastejar por Eliza, e terminou com sua amada, se cansando de sofrer por ela, fazendo a mocinha refletir sobre suas atitudes — ainda que só na última semana.

“Totalmente Demais” foi um fenômeno de Rosane Svartman e Paulo Halm, dirigido por Luiz Henrique Rios, e o êxito da reprise não surpreende. É um time vitorioso e a recente “Bom Sucesso” apenas comprovou o fato. Mas a volta das brigas ferrenhas nas redes por conta de uma reexibição realmente provocou uma surpresa. A disputa entre “Joliza” e “Arliza” foi apenas um dos muitos ingredientes que deram certo na época e ressurgiu das cinzas, como uma Fênix, já diria Alberto Prado Monteiro (Antônio Fagundes) durante a leitura do livro “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury.

SOBRE O AUTOR

SÉRGIO SANTOS é apaixonado por televisão e está sempre de olho nos detalhes, como pode ser visto em seu blog. Contatos podem ser feitos pelo Twitter ou pelo Facebook.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor