A Globo, inteligentemente, exibiu Sob Pressão na Tela Quente duas semanas antes de estrear a série derivada do elogiado filme, dirigido por Andrucha Waddington, exibido em 2016 nos cinemas. A história é baseada no livro Sob Pressão – A rotina de um médico brasileiro, de Márcio Maranhão.

O longa impressionou pelo realismo e contou com um grande elenco, como Júlio Andrade, Marjorie Estiano, Andrea Beltrão, Ícaro Silva e Stepan Nercessian. A trama foi inicialmente pensada para um seriado, mas, ironicamente, acabou virando filme. E, após os elogios ao produto, resolveram criar a série – em coprodução com a Conspiração -, que estreou nesta terça-feira (25/07), uma semana depois de já estar disponível no Globo Play.

Do elenco original, apenas três continuaram: Júlio Andrade (o médico Evandro) e Marjorie Estiano (a doutora Carolina), que protagonizam a história, além de Stepan Nercessian (o doutor Samuel, diretor do hospital). O contexto segue o mesmo do filme, pois o enredo proporciona conflitos infinitos.

O trio se vê diante de uma rotina desumana na emergência de um hospital público, localizado no subúrbio do Rio de Janeiro. O maior vilão é a falta de recursos da saúde pública do país, resultando em equipamentos quebrados, ambiente caótico e condições deploráveis, onde a tensão é uma das principais ‘personagens’.

Liderados pelo cirurgião Evandro, todos os médicos e enfermeiros do local precisam se virar para honrar a profissão e salvar vidas, enfrentando uma sucessão de problemas graves que nunca cessam. Uma hora falta luz, em outro momento o desfibrilador não funciona, não há leitos disponíveis, a fila de atendimento só aumenta, enfim… Situações que todo brasileiro já viveu e vive em hospitais públicos.

Impossível acompanhar a trama sem se identificar com qualquer drama daquelas pessoas, que se dividem entre os que lutam para viver e os que batalham para salvar vidas. É uma realidade nua e crua disfarçada de ficção.

O primeiro episódio já mostrou que a série é melhor que o filme. Isso porque foi tão denso quanto o longa, tendo uns 20 minutos a menos. Ainda começou mostrando um trauma que o protagonista carrega: a morte de sua esposa. A sequência em que Evandro recebeu a mulher, Madalena (Natália Lage), ferida no hospital e, mesmo contrariando a ordem de Samuel, operou a paciente e a perdeu durante a cirurgia, teve uma grande carga dramática, destacando uma ferida que o personagem nunca cicatrizou. Após esse instante tenso, um ano se passou e já foram exibidas cenas que representam o período pós-filme, pois Ana Lúcia (Andrea Beltrão) chegou a ser citada pelo diretor.

A partir de então, os novos conflitos começaram a ser expostos, apresentando os novos personagens à medida que pacientes chegavam. A relação entre Evandro e Carolina segue como o ponto alto do enredo, em virtude da sintonia dos atores e da riqueza dos perfis.

Além da densidade de Evandro (um médico íntegro, mas calejado pela vida, que faz qualquer coisa para salvar pessoas), há também o drama da médica, que foi abusada sexualmente pelo pai na infância, carregando até hoje cicatrizes pelo corpo. Apesar desse traumático passado, a cirurgiã é alto astral e tem um temperamento bem mais leve que o colega. Esse contraste deixa o par provocativo. Aliás, a vida de Carol não teve tempo de ser explorada no longa e engrandece a série.

Júlio Andrade é um ator extraordinário e nada mais justo do que protagonizar uma série em canal aberto. Evandro é interpretado com entrega total. Ele brilhou ano passado como Firmino, em Justiça, sendo necessário ainda citar seu trabalho na série 1 Contra Todos, da Fox. Também fez várias outras participações, mas de menor importância.

Já Marjorie Estiano é uma atriz que sempre mostra sua força cênica, sobressaindo-se em todos os trabalhos que faz. Carolina entra na sua vasta lista de excelentes atuações.

A série ainda conta com Stepan Nercessian tão bem quanto no filme, além de Tatsu Carvalho (o neurocirurgião Rafael), Pablo Sanábio (o residente Charles), Bruno Garcia (o clínico-geral Décio), Talita Castro (a técnica de enfermagem Kelly), Josie Antello (Rosa), Heloisa Jorge (a enfermeira Jaqueline), Ângela Leal (Dona Noêmia, responsável pela cantina) e Orã Figueiredo (o anestesista Almir).

Aliás, a presença de Orã tem a função de um alívio cômico que não existia no filme. O simpático Almir tem duas mulheres – Violeta (Letícia Isnard) e Liliana (Renata Gaspar) -, protagonizando situações engraçadas e, até no hospital, profere algumas pérolas, vide a hora em que rolou um clima entre Evandro e Carol durante uma cirurgia e ele perguntou se deveria sair para deixá-los à vontade.

Emiliano Queiroz é um grande nome que também reforça o time e seu personagem é um dos mais reais: Seu Rivaldo, um idoso que está há meses no corredor do hospital esperando atendimento e não sai da sua cama com medo de perder a maca.

Sob Pressão, dirigida por Andrucha Waddington e Mini Kerti, tem potencial para muitos episódios (pena que serão apenas nove) e a trama honra toda a riqueza que o drama da rotina de um hospital público pode proporcionar. Ao contrário das produções americanas (como Grey`s Anatomy, a mais famosa), o maior elemento conflitivo de uma série médica brasileira é a falta de recursos.

E a história de Jorge Furtado – que escreve com Antonio Prata, Lucas Paraizo e Márcio Alemão, tendo a consulta de Marcio Maranhão, autor do livro – expõe isso com dura veracidade. Tem tudo para ser a melhor série do ano. A segunda temporada já foi encomendada e basta assistir para ver o porquê.

SÉRGIO SANTOS é apaixonado por televisão e está sempre de olho nos detalhes, como pode ser visto em seu blog. Contatos podem ser feitos pelo Twitter ou pelo Facebook. Ocupa este espaço às terças e quintas


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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor