Situações constrangedoras e personagens rasos: por que Fina Estampa não merecia reprise

18/09/2020 às 0h05

Por: Sergio Santos
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Christiane Torloni e Lilia Cabral como Tereza Cristina e Griselda em Fina Estampa (Divulgação / Globo)

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A audiência prova que a Globo acertou em cheio quando escolheu “Fina Estampa” para ser reprisada no lugar de “Amor de Mãe”, que teve as gravações interrompidas por conta da pandemia do coronavírus. Os elevados índices têm feito a alegria da emissora e são bem maiores que os números alcançados pela antecessora, escrita por Manuela Dias. Ainda assim, não repetiu o sucesso de 2011, como aconteceu com “Êta Mundo Bom!” e “Totalmente Demais”, que repetiram e até superaram as expectativas. Porém, deixando esse fator um pouco de lado, é fato que a trama de Aguinaldo Silva foi uma das piores do autor e só perde (ou talvez empate) para “O Sétimo Guardião”, o último grande fracasso recente do escritor no horário nobre.

A trama central se baseia no chavão da mãe batalhadora que é humilhada pelo filho ambicioso e bonitão. A mulher em questão atende pelo nome peculiar de ‘Griselda’ e é interpretada pela grande Lília Cabral. Ainda entra em um triângulo amoroso com uma perua fútil e um homem educado e rico. René (Dalton Vigh) se interessa pelo lado puro da protagonista, o que provoca o ódio de sua esposa, Tereza Cristina (Christiane Torloni). E a vilã tem um mordomo (Crô – Marcelo Serrado), um gay caricato, que é tratado como um capacho. Um conjunto de clichês que costuma funcionar. Porém, nada disso se sustentou por muito tempo na época e fica possível constatar facilmente na reprise que chega ao fim nesta sexta-feira (18/09).

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Tereza Cristina tentava ser engraçada em certos momentos e cruel em outros, mas nunca conseguiu. Christiane Torloni procurava fazer o que era proposto, mas sua vilã era tão irritante e sem rumo que a atriz não conseguia uma atuação digna de aplausos. Nem podia fazer milagre.
Aguinaldo, na época, criticava vilões como a Flora (“A Favorita”) e o Léo (“Insensato Coração”) por serem vilões que agiam gratuitamente. Mas o propósito de Tereza Cristina não existia. O que movia suas supostas maldades contra Griselda? Apenas ciúme do marido? Esconder um segredo idiota? A ponto de até tentar assassinar os filhos da rival?

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A novela afundou de vez quando a vilã empurrou um mafioso (Luciano Schirolli) que a ameaçava escada abaixo. Após o ato, Tereza agradeceu a Nazaré Tedesco e disse que fez isso porque aprendeu com a novela, exibida em 2004. Foi uma clara referência do autor ao sucesso da sua maior vilã em “Senhora do Destino”. A sequência foi constrangedora em todos os aspectos. Qual foi o objetivo da cena? Um autoelogio do Aguinaldo. Nada fez sentido e a situação soou claramente forçada. Outro fator é a rivalidade entre a perua e Griselda (Lilia Cabral, grandiosa sempre). O ódio que a perua sente pela ‘adversária’ é boboca demais e só seria aceitável em um folhetim das sete.

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No aspecto geral, a novela não andava. As histórias foram desenvolvidas a passos de tartaruga e o telespectador podia não assistir a trama por vários capítulos que não perdia algo de grande importância. A quantidade de personagens que nada acrescentavam era gritante. Qual a função do núcleo da praia? E da pensão da Zambeze (Totia Meirelles em um papel ingrato)?

Aliás, eram perfis tão deslocados que foram praticamente cortados da reprise. Mal apareceram. A entrada de Carolina Dieckmann e Dudu Azevedo nada agregou à trama, além da interpretação limitada dos atores. E Dieckmann nem é má atriz, mas não conseguiu brilhar em um papel tão ruim. Arlete Salles, grande profissional, se viu com um papel de pífia importância. Sua taxista Wilma não serviu para nada. Teve como prêmio de consolação uma participação no “Caldeirão do Huck” no início da novela que nada acrescentou e foi uma bobagem só.

Renata Sorrah também não foi valorizada, apesar do seu núcleo ter sido um dos poucos que apresentaram uma história interessante. Mas a disputa pela guarda do sobrinho da doutora Danielle não foi bem abordada. Ana Rosa e Jaime Leibovitch (ótimos atores), que travaram uma guerra pela guarda do menino com a médica, mal se destacaram. Dan Stulbach e Julia Lemmertz tiveram boa química, mas a situação envolvendo a crise do casal por causa da inseminação artificial, que a esposa queria fazer e o marido era contra, andava em círculos.

As tentativas de conquistar mulheres pela internet era o enredo de René Junior (David Lucas). Difícil alguém se interessar por isso. Antenor e Patrícia formaram um casal sem o menor entrosamento. Caio Castro estava no pior momento de sua ainda inicial carreira e Adriana Birolli desaprendeu a atuar, após seu bom desempenho em “Viver a Vida” (2010).

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A violência doméstica sempre gera repercussão, mas a situação envolvendo Baltazar (Alexandre Nero), Celeste (Dira Paes) e Solange (Carol Macedo) era repetitiva e porcamente abordada. A garota só sabia dançar funk desde que apareceu na história. Detalhe: a música também era sempre a mesma. O agressor ainda foi perdoado pela esposa espancada e terminaram felizes. Isso porque o personagem fez uma dupla com Crô que caiu nas graças do público. O vilão virou elemento cômico através dos xingamentos homofóbicos que fazia contra o mordomo. O constrangimento da Globo com o núcleo é tão grande que toda a temática da violência foi quase escondida na reexibição. Até a trama da filha foi bastante editada. Quem não viu em 2011 dificilmente entende o que se trata o contexto envolvendo esses perfis.

Eva Wilma era um dos poucos pontos positivos com a sua Tia Íris. Sua parceria com a Thais de Campos (Alice) funcionou. Marcelo Serrado esteve muito bem como o afetado Crô, embora a veneração do mordomo em relação a Tereza Cristina tenha sido sem sentido. O perfil era uma caricatura e o ator fez o que foi pedido. Cumpriu a missão e entrou para o primeiro time da atores da emissora. Foi o maior destaque e tomou conta da história, que passou a se sustentar por muitas “esquetes” protagonizadas por ele. Não por acaso era o único personagem lembrado por grande parte dos telespectadores. Virou a “novela do Crô”. Mas revendo atualmente fica perceptível como o perfil envelheceu mal. O gay afetado sempre existirá na teledramaturgia, pois existe na vida real, mas esse caso refletia em constantes humilhações nunca rebatidas pelo empregado.

O tal mistério envolvendo o segredo de Tereza Cristina era uma bobagem. Uma besteira ainda maior do que ser filha de uma empregada louca. Sim, esse “mistério” era uma mentida inventada por Tia Íris. O passado tão obscuro era a vilã ser fruto do marido de Íris com sua irmã. A tia nunca se conformou com o caso do esposo e inventou a origem humilde da sobrinha para “se vingar”. A vilã era irmã de Álvaro (Wolf Maya) só por parte de pai. Ou seja, a perua cometeu inúmeros crimes por um segredo que nem era real.

O outro enigma do enredo envolvia o namorado de Crô. Como o personagem cresceu, ganhou essa espécie de trunfo para aumentar ainda mais a audiência. Mas Aguinaldo não revelou a identidade do sujeito nem no último capítulo e citou como “referência” o final em aberto sobre o que tinha na caixa de Perpétua (Joana Fomm), em “Tieta”. Mas, ao contrário do clássico de 1989, ficou evidente que o autor nem sabia quem era o tal namorado. Inventou para preencher o tempo dos capítulos e não conseguiu escolher o personagem que teoricamente já estava no enredo. O público foi feito de idiota.

O enredo do mordomo foi tão mal colocado que a Globo também suprimiu na reprise. E a cena final até hoje é lembrada pela direção deprimente de Wolf Maya e a situação constrangedora criada pelo autor. Tereza Cristina foi dada como morta após uma sequência péssima da vilã naufragando com Pereirinha (José Mayer) em alto mar. Mas a perua apareceu na última cena em um carro de luxo debochando de Griselda, que foi atrás da inimiga segurando uma chave de grifo. Um desfecho vergonhoso.

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“Fina Estampa” é um produto meramente escapista, mas nem para leveza funciona. A prova é a quantidade de personagens esquecíveis e tramas que não ficaram na memória. Até o ator Marco Pigossi (intérprete do machista Rafael), em uma live recente e deixando a ética de lado, declarou que a novela deveria ter sua reprise proibida pela quantidade de absurdos ditos no enredo.

O grande público lembrar apenas do Crô é resultado da falta de densidade de todas as situações criadas por Aguinaldo Silva. Um dos piores trabalhos do autor que foi demitido da Globo em fevereiro, após o fiasco e o festival de polêmicas que cercaram “O Sétimo Guardião”. A emissora teve uma boa estratégia ao escolher o folhetim de sucesso como “tapa-buraco”, mas uma história desinteressante, rasa e com várias atuações abaixo da média não merecia ser reprisada em qualquer horário.

SOBRE O AUTOR

SÉRGIO SANTOS é apaixonado por televisão e está sempre de olho nos detalhes, como pode ser visto em seu blog. Contatos podem ser feitos pelo Twitter ou pelo Facebook.

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