Praticamente aposentado da televisão, Silvio Santos não faz aparições públicas há bastante tempo. Mas, nas décadas anteriores, o dono do SBT fazia de tudo para chamar a atenção do público sobre os feitos obtidos em sua emissora.

Silvio Santos
Reprodução / SBT

Pouca gente se lembra, mas ele chegou a interromper um telejornal ao vivo para anunciar uma contratação que mudou a história da televisão brasileira.

Em outubro de 1987, Jô Soares tornou-se o artista mais bem pago da televisão brasileira daquela época. O humorista estampou manchetes da mídia nacional em virtude de uma transação milionária: deixou a Rede Globo, onde estava desde o início dos anos 1970, para ingressar no SBT, atendendo convite de Silvio Santos.

Primeiros rumores

Eliezer Motta e Jo Soares

Os primeiros rumores da negociação surgiram no início de outubro de 1987. No dia 8 daquele mês, Carlos Augusto Manhanelli, então supervisor de comunicação do SBT, anunciou à imprensa que o contrato estava fechado, causando um rebuliço, ainda mais em uma época que não existiam a internet e as redes sociais para confirmar ou desmentir informações desse tipo.

“Não há dúvidas de que Jô Soares fica na Globo”, declarou, na época, Roberto Irineu Marinho, então diretor da emissora.

Silvio Santos rebateu, novamente pela imprensa, afirmando que realmente existia um compromisso entre ele o humorista.

A contratação, enfim, foi oficializada pelo próprio Silvio, no dia 26 de outubro, quando, às 19h15, interrompeu o telejornal Noticentro, entrando ao vivo.

“Quero anunciar uma reviravolta na televisão brasileira”, destacou.

Tela Quente

Jô Soares e Silvio Santos

Jô comandava o Viva o Gordo nas noites de segunda da Globo desde 09 de março de 1981. Mesmo tendo novo compromisso com o SBT, ele cumpriu seu contrato normalmente com a emissora carioca e atuou no humorístico até 15 de dezembro de 1987. A saída de Jô forçou a Globo a criar uma nova opção para a faixa, surgindo a Tela Quente, para exibição de filmes inéditos.

A Folha de S. Paulo informou os motivos que levaram Jô Soares a deixar a emissora.

“Jô conseguiu no SBT algo que há muito tempo ambicionava: um programa de entrevistas. Junto com a estreia do humorístico, nos moldes do atual Viva o Gordo, Jô apresentará também um programa diário de entrevistas no horário das 23h30”, disse a reportagem.

A revista Veja de 28 de outubro trouxe alguns detalhes da negociação. O humorista acertou um salário de 2 milhões de cruzados por mês, uma fortuna na época, três vezes mais do que ganhava na Rede Globo, além da certeza de ganhar o tão sonhado talk show.

“Esperei anos e anos na Globo pela possibilidade de fazer esse programa, e nunca consegui”, declarou.

Exigências

Jô Soares Onze e Meia

Na lista de exigências que Jô fez para Silvio Santos, todas foram aceitas: levar consigo os redatores Max Nunes e Hilton Marques, boa parte do elenco de apoio do Viva o Gordo, a contratação de um alfaiate que trabalhasse em tempo integral na confecção de suas roupas, 45 chamadas semanais para anunciar seus shows e passagens aéreas da ponte Rio – São Paulo, já que morava no Rio e atuaria em São Paulo, onde fica o SBT.

O título Viva o Gordo não poderia ser utilizado na atração, mas Jô registrou Gordo Vivo e Veja o Gordo – prevaleceu o segundo. O humorístico estreou no dia 7 de março de 1988 e ficou no ar até 1990.

Já o Jô Soares Onze e Meia iniciou sua trajetória em agosto de 1988 e foi até 30 de dezembro de 1999, com 6.927 entrevistas realizadas em 2.309 edições.

Nova estratégia

A Praça é Nossa

A contratação de Jô Soares marcou o início de uma agressiva estratégia de Silvio Santos para qualificar a audiência do SBT e atrair a atenção dos maiores anunciantes do País. A emissora tinha certo Ibope, mas ainda não tinha grande faturamento, principalmente devido aos seus programas popularescos.

Foi o início da fase de ouro do SBT, que, satisfeita com a vice-liderança garantida no ranking das emissoras, partiu pra cima da Rede Globo, semelhante ao que a Record fez a partir de 2004.

Além de Jô Soares, em 1986 foi contratada Hebe Camargo, em maio de 1987 estreou A Praça é Nossa, com Carlos Alberto de Nóbrega, e, em 1988, chegaria Boris Casoy com o TJ Brasil, entre outras novidades.

“O Chico Anysio seria muito intelectualizado para o público do SBT e, se eu levasse Os Trapalhões, diriam que sou popularesco”, disse Silvio Santos à Veja.

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Vai e vem

Programa do Jô

A Globo, por sua vez, achou melhor perder Jô Soares, talvez pensando que ele voltaria pouco depois, como aconteceu com Sérgio Chapelin e outros nomes, e também para não ter prejuízo com outros artistas.

“Achamos oportuno não fazer uma contra oferta milionária a Jô, pois todos os grandes nomes do elenco global pediriam equiparação de salário”, declarou Edvaldo Pacote, da direção da emissora, também à Veja.

A revista fechou a matéria com uma observação pertinente, mas que não vingou nesse caso.

“A Jô Soares cabe apostar em seus novos programas e torcer para que não recaia sobre ele a maldição que acomete a maioria das estrelas que deixam a Globo – ter que voltar à antiga casa para não perder o brilho e o público”.

Ele voltou para a Globo somente em 2000, onde comandou, até 2016, o Programa do Jô. O humorista nos deixou em 5 de agosto de 2022, aos 84 anos.

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Thell de Castro

Apaixonado por televisão desde a infância, Thell de Castro é jornalista, criador e diretor do TV História, que entrou no ar em 2012. Especialista em história da TV, já prestou consultoria para diversas emissoras e escreveu o livro Dicionário da Televisão Brasileira, lançado em 2015 Leia todos os textos do autor