Bateu o pé: em 2001, Silvio de Abreu não mudou novela fracassada

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Uma das novelas mais controversas da história da Globo, As Filhas da Mãe, de Silvio de Abreu, completou 20 anos de estreia no dia 27 de agosto.

Separei 10 curiosidades sobre a produção, que rendeu muita dor de cabeça à emissora, lá entre 2001 e 2002.

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Confira:

Cordel sudestino

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Como sugeria o título completo – A Incrível Batalha das Filhas da Mãe nos Jardins do Éden – a novela tinha a proposta de ser uma comédia rasgada, ao estilo das novelas de Silvio de Abreu dirigidas por Jorge Fernando para o horário das sete. Com esse espírito, a produção misturava farsa e chanchada a uma narrativa folhetinesca.

A intenção era contar a história de uma maneira próxima ao que seria um cordel sulista-paulistano – ou “sudestino”. Para isso, um rap, composto especialmente, de acordo com o que acontecia nos capítulos, unia e explicava ações e acontecimentos.

Por outro lado, as vendas internacionais foram prejudicadas pelos raps: traduzidos para outros idiomas, eles perdiam o sentido e a rima, ficando deslocados do resto.

Elenco pré-escalado

Diferente de outras novelas, As Filhas da Mãe foi escrita para um elenco pré-escalado e já aprovado pela direção da emissora. Todos os personagens foram criados levando-se em conta as características particulares de cada intérprete, as facilidades na composição dos tipos e o tipo físico de cada um deles: Fernanda Montenegro, Tony Ramos, Regina Casé, Raul Cortez, Cláudia Raia, Cláudia Jimenez, Cláudia Ohana e outros.

Óscar para Fernandona

Silvio de Abreu prestou uma homenagem à amiga Fernanda Montenegro, protagonista da novela. Em 1999, a atriz concorreu ao Óscar por sua atuação no filme Central do Brasil (de Walter Salles), mas perdeu o prêmio para a norte-americana Gwyneth Paltrow, do filme Shakespeare Apaixonado (de John Madden).

Na trama da novela, Fernanda vivia Lulu de Luxemburgo, uma diretora de arte reconhecida internacionalmente. No primeiro capítulo, em uma reprodução da cerimônia do Óscar, Lulu é consagrada vencedora do prêmio de direção de arte. Detalhe: quem anuncia (em inglês) e lhe entrega a estatueta é o próprio Silvio de Abreu.

Flopou

Apesar da proposta inovadora e do elenco estelar (ou por causa dele), a audiência ficou muito abaixo da esperada, fazendo com que a duração da novela fosse encurtada. A ideia era levá-la até depois do Carnaval de 2002, mas a trama foi concluída em janeiro. A emissora anunciou que foi uma estratégia para lançar a próxima atração das sete, já que não queria encavalar duas estreias, a das 18 horas (Coração de Estudante) e a das 19 horas (Desejos de Mulher).

“Foi uma maneira elegante de dizer que a novela ia sair antes porque não estava dando os índices de audiência esperados”, desabafou Silvio de Abreu em entrevista à TV Folha, em janeiro de 2002.

Ou o público era conservador…

Silvio de Abreu explicou ao livro “Autores, Histórias da Teledramaturgia” (Projeto Memória Globo):

“Foi um salto no escuro, talvez o mais audacioso que fizemos. Jorge Fernando também embarcou na loucura sem dúvidas ou restrições. Nós mudamos completamente a maneira de se narrar a história de uma novela. Desprezamos tudo o que é sucesso garantido: personagem central, história central, personagem de identificação, histórias em que o mocinho casa com a mocinha. Fizemos tudo ao contrário. (…)

No nosso entusiasmo sempre crescente, achávamos que isso daria um ar novo para a novela, que as pessoas iriam se divertir com aquelas novas possibilidades. Mas não contávamos com o conservadorismo do público. A novela teve um sucesso imenso com o público das classes A e B, e foi um fracasso com as classes C, D e E”.

…ou não entendeu nada…

Silvio de Abreu queixou-se ao TV Folha: “Eu queria fazer algo mais sofisticado. As pesquisas mostraram que o público não entendia nada da novela. Nem mesmo percebia que era uma comédia. Eles enxergavam como drama. Não sabem o que é Óscar, Hollywood ou transexual, não têm referências, e, mesmo que eu explicasse, continuariam não entendendo.

Não há compreensão intelectual, só emocional. Acharam bonita a relação da Ramona [Cláudia Raia] com o Leonardo [Alexandre Borges], mas não entenderam o preconceito dele que impedia o romance!”

…e preferiu a concorrência:

E justificando a não aceitação do público: “E houve outro problema: a novela competia com programas policiais e, no segundo dia de veiculação, a filha do Silvio Santos foi sequestrada. O povo não tinha paciência de esperar o Jornal Nacional e migrou para outros canais. Achavam que, mesmo que ficassem uma semana sem assistir à novela, continuariam entendendo, como sempre acontece.

Depois, veio a Semana da Pátria, época em que, historicamente, a audiência cai. A terceira semana começou bem, mas aí aconteceu o atentado ao World Trade Center [11 de setembro]. Quando o telespectador se voltou para a novela, não entendeu nada”.

Carinha de Anjo

Outra pedra no sapato de As Filhas da Mãe foi a concorrência com a novela infantil mexicana Carinha de Anjo, exibida pelo SBT entre julho de 2001 e fevereiro de 2002. A novela de Silvio de Abreu estreou quando a produção importada da concorrente já estava consolidada, com público cativo, enfrentando-a ao longo de toda a sua exibição.

A primeira transexual

Cláudia Raia viveu Ramona, a primeira transexual de nossas novelas, que se apaixonava por Leonardo (Alexandre Borges), que, por sua vez, passava a rejeitá-la quando descobria que ela era uma transexual. Ramona teve problemas com o Ministério da Justiça, que, por causa dela, não queria liberar a novela para o horário das 19 horas.

Aparentemente, não houve rejeição do público pelo romance dos dois. Certamente, se, na época, Ramona tivesse sido interpretada por uma atriz transexual, o público não aceitaria os beijos da personagem trocados com Leonardo. Contudo, se As Filhas da Mãe fosse feita hoje, seria impensável a personagem não ser vivida por uma atriz que não fosse uma transexual de verdade.

Silvio não abriu mão de sua história

A emissora apresentou duas alternativas ao autor: modificar a novela em nome do aumento da audiência, necessário já que em seguida entravam o Jornal Nacional e a novela das nove; ou manter a proposta com o mínimo de alterações, mas encurtando o projeto com sua retirada dez semanas (ou 60 capítulos) antes do previsto.

Escolheu-se a segunda opção e As Filhas da Mãe saiu do ar em janeiro de 2002, totalizando 125 capítulos, mas sem se descaracterizar e respeitando o público que a entendeu, aceitou e acompanhou desde o início.

AQUI tem tudo sobre As Filhas da Mãe: a trama, elenco completo, personagens, trilha sonora e muitas curiosidades.

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