André Santana

A Globo realmente abriu mão de seu conhecido “padrão de qualidade”. Recentemente, gerou questionamento o fato de a emissora ter escalado o remake de Renascer (1993) para substituir Terra e Paixão. Afinal, as duas novelas são ambientadas em cenário rural e têm a rejeição de um pai por um filho como mote principal.

Amor Perfeito - Mariana Ximenes
Victor Pollak / Globo

Mas as falhas na seleção de textos de novelas não acontecem apenas na faixa das 21h. Às 18h, Amor Perfeito guarda inúmeras semelhanças com outro folhetim do horário, que foi exibido recentemente. Isso tem gerado incômodo no público que acompanha a história de Duca Rachid, Julio Fischer e Elísio Lopes Jr.

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Reconstituição de época

Além da Ilusão - Larissa Manoela e Rafael Vitti
Divulgação / Globo

No ano passado, a Globo exibiu no horário das seis a novela Além da Ilusão. A trama de Alessandra Poggi contava a história de amor de Isadora (Larissa Manoela) e Davi (Rafael Vitti), atrapalhada por segredos do passado – o rapaz foi condenado injustamente pela morte de Elisa (Larissa Manoela), irmã de Dorinha.

A trama, que se passava em Campos dos Goytacazes, começava nos anos 1930, época em que Davi e Elisa se apaixonam. Após a morte da jovem, assassinada por Matias (Antonio Calloni), seu próprio pai, a história dá um salto de dez anos, chegando aos anos 1940, quando Davi foge da cadeia e acaba se envolvendo com Dorinha.

Além da Ilusão foi bastante elogiada por sua perfeita reconstituição da época em que é ambientada. O pano de fundo era a efervescência da indústria têxtil no período pós-guerra, bem mostrado por meio da Tecelagem Tropical. Além disso, os personagens disparavam gírias da época e tinham hábitos alinhando ao momento, como escutar notícias ao pé do rádio e pedir uma gasosa no bar.

Repetição

Zezé Polessa e Paulo Betti
Reprodução / TV Globo

Curiosamente, Amor Perfeito não é diferente. A atual novela das seis da Globo é ambientada na mesmíssima época da trama anterior. O folhetim teve início em 1934, mas logo chegou aos anos 1940, após um salto de oito anos no enredo.

Desta vez, a trama se passa na fictícia Águas de São Jacinto, no interior de Minas Gerais. Porém, o clima bucólico da cidade é bem parecido com a Campos de Além da Ilusão, assim como os figurinos e a maneira como os personagens se comportam.

Ou seja, Amor Perfeito guarda inúmeras semelhanças com Além da Ilusão. As duas tramas não foram “coladas” – entre elas, a Globo exibiu a contemporânea Mar do Sertão -, mas, ainda assim, é impossível assistir à atual trama das seis sem se lembrar da novela exibida no ano passado. Nas redes sociais, são inúmeros os comentários reclamando que parece a mesma novela.

Desorganização

Ricardo Waddington
Divulgação / Globo

O fato de ninguém na Globo ter se ligado na semelhança entre Além da Ilusão e Amor Perfeito mostra o quanto a fila de novelas do canal está desorganizada. No passado, diretores como Boni e Daniel Filho eram rigorosos na seleção dos textos, impedindo que novelas parecidas fossem ao ar em período próximo ou ao mesmo tempo.

Porém, atualmente, falta alguém na direção da emissora que identifique estas coincidências. A direção de teledramaturgia é encabeçada por José Luiz Villamarim, que tem demonstrado dificuldades em organizar melhor as produções do canal.

As dificuldades de Villamarim são reflexo das constantes mudanças que a Globo tem passado. No último ano, inúmeros diretores, autores e atores deixaram o canal, atrapalhando a organização das novelas. Além disso, até os Estúdios Globo estão passando por uma mudança de comando – Ricardo Waddington (foto acima) está de saída, enquanto Amauri Soares assume – , o que reforça a falta de uma liderança capaz de selecionar melhor os roteiros.

A coincidência nas épocas de Além da Ilusão e Amor Perfeito, assim como a semelhança entre Terra e Paixão e Renascer, jamais passaria na Globo há alguns anos. É um erro primário para um canal que sempre prezou pela organização.

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André Santana é jornalista, escritor e produtor cultural. Cresceu acompanhado da “babá eletrônica” e transformou a paixão pela TV em profissão a partir de 2005, quando criou o blog Tele-Visão. Desde então, vem escrevendo sobre televisão em diversas publicações especializadas. É autor do livro “Tele-Visão: A Televisão Brasileira em 10 Anos”, publicado pela E. B. Ações Culturais e Clube de Autores. Leia todos os textos do autor