Foram praticamente sete meses no ar. Sol Nascente chega ao fim nesta terça, após longos meses apresentando um roteiro raso, repleto de equívocos e modorrento. A novela de Walther Negrão, Suzana Pires e Júlio Fisher, dirigida por Leonardo Nogueira, foi fraca do início ao fim e já não empolgava desde as primeiras chamadas. Portanto, o roteiro decepcionante não chegou a ser uma surpresa, principalmente ao analisar os últimos folhetins repetitivos de Negrão.

Embora não tenha participado ativamente da escrita dessa novela em virtude de problemas de saúde, a sinopse era do autor e ele supervisionou a obra durante todo o período de exibição. A maior prova disso era a quantidade de semelhanças com outros trabalhos do escritor, principalmente envolvendo o vilão e os mocinhos. A audiência da produção foi satisfatória (teve média de 21 pontos), embora tenha derrubado os índices do fenômeno Eta Mundo Bom. Entretanto, os números não refletiram a qualidade da trama e muito menos a repercussão, que foi nula.

A novela começou com belíssimas imagens, mas pouca história. E, lamentavelmente, a primeira impressão acabou se firmando ao longo dos meses. Recheada de personagens desinteressantes e conflitos bobos, a produção não se sustentou nem por dois meses. Antes mesmo de chegar na metade, já havia ficado claro que o enredo não teria estrutura para ficar no ar por sete meses.

E de fato não teve. Foram poucos os acontecimentos relevantes ao longo da trama e não é exagero afirmar que o conteúdo poderia ter sido contado em apenas duas semanas – ainda assim apresentando situações cansativas.

O casal protagonista foi um dos muitos erros. Mário (Bruno Gagliasso apagado) e Alice (Giovanna Antonelli em um de seus piores papeis da carreira) foram mocinhos insossos e sem química alguma. Para culminar, o enredo que os cercava era raso – melhores amigos que se apaixonam – e nada empolgante. O único conflito que os separava era César, que enganou a mocinha praticamente a novela toda, enquanto o mocinho tentava alertá-la, sem sucesso. Não havia razão para esse par protagonizar o folhetim, tanto que acabou ofuscado pelo romance de Lenita e Vitório, esse sim um casal merecedor do protagonismo.

Porém, apesar da ótima química entre Letícia Spiller e Marcello Novaes – já observada desde o sucesso Quatro por Quatro, com Babalu e Raí (1995), nem mesmo essa relação se sustentou. Os atores tiveram plena sintonia em cena e mereciam ter protagonizado a produção, mas os autores não souberam conduzir o romance deles e se perderam. Tanto que os dois tiveram o destaque diminuído consideravelmente quando ficaram juntos, sem maiores obstáculos. Nem mesmo a chegada da ex-mulher dele (Loreta – Cláudia Ohana) ajudou, pois a situação ficou forçada e desinteressante. Somente perto da reta final que houve a inserção do drama da procura de Lenita por sua filha, abandonada no passado.

A questão envolvendo a temática central do enredo se mostrou outro erro. Qual o sentido de contar a história de uma família italiana e uma japonesa que são amigas? Não havia embate algum ou conflito, empobrecendo o roteiro e deixando os atores sem grandes funções. Para culminar, a escolha do talentoso Luis Melo para viver o japonês Tanaka foi surreal. Não teve como engolir aquela situação e vale citar ainda a composição totalmente equivocada de Francisco Cuoco interpretando um italiano. O veterano ator tentou fazer um sotaque superficial no boa praça Gaetano e muitas vezes nem dava para entender o que era dito. É de se lamentar também o pouco aproveitamento da grande Aracy Balabanian (Geppina), em mais uma produção que não valorizou seu talento.

Outro problema da novela foi o núcleo caiçara, que nunca teve função, deixando todos os atores avulsos. Érika Januza (Julia), Tatiana Tibúrcio (Chica), Vanda (Cinara Leal), Val Perré (Quirino), Juliana Alves (Dora) e Marcello Melo Jr. (Tiago) protagonizaram situações irrelevantes ao longo da trama e essa era a parte mais sonolenta do roteiro. E para piorar, a ‘vidência’ de Chica soou constrangedora inúmeras vezes, pois ela sempre tinha algum desmaio quando se encontrava com algum vilão – aliás, não teve o menor propósito Alice descobrir a verdade sobre César através de uma visão da sensitiva, após tantos alertas de Mário.

Até mesmo um romance que funcionou quando iniciado foi destruído pelos autores. Ralf (Henri Castelli) e Milena (Giovanna Lancellotti) formaram um bom casal e começaram a protagonizar bons momentos na trama. Porém, na falta de um conflito melhor, transformaram o rapaz em um machista controlador para aproximar a menina do professor Daniel (Lucas Lucco), personagem que entrou na reta final para abalar o romance. A situação soou como uma invenção de última hora para enrolar o telespectador e acabou tirando o charme do casal.

Infelizmente, a quantidade de personagens cansativos e sem qualquer atrativo foi uma das características da novela. O italiano Damasceno (Emilio Orciollo Neto), por exemplo, foi o tipo mais irritante de Sol Nascente. O ator abusou da caricatura e cada vez que o investigador aparecia dava vontade de mudar de canal – ele ainda formou um casal sem tempero algum com a japonesa Mieko (Miwa Yanagizawa). Peppino (João Côrtes), Felipe (Marcelo Faria), Hirô (Carol Nakamura), Elisa (Luma Costa), Ana Clara (Silvia Bandeira), Paula (Anna Lima) e Sirlene (Renata Dominguez) foram alguns outros tipos que nada acrescentaram ao enredo.

O único acerto da novela foi mesmo a Dona Sinhá. A carismática vilã vivida pela magistral Laura Cardoso carregou a história nas costas e foi um prazer acompanhar as maldades daquela velhinha aparentemente indefesa, que na verdade era uma diaba de saias. A respeitada e querida atriz angariou uma sucessão de merecidos elogios, se destacando em todas as cenas que contavam com a sua luxuosa presença. Tanto que a produção ficou totalmente estagnada no período em que a intérprete precisou se afastar para tratar uma infecção urinária. E ela, como já era de se esperar, foi a responsável pelas melhores cenas nos últimos capítulos da produção, vide o momento que Sinhá sequestrou Tanaka e quase o matou. Outros atores que conseguiram brilhar na produção, ainda que bem menos, foram Nívea Maria (Mocinha) – escolhida para substituir Laura durante o afastamento dela, Maria Joana (Carol) e Rafael Cardoso, vivendo seu primeiro vilão.

A história se arrastou até o fim e só perto do último capítulo houve uma passagem de tempo de sete anos, provocando uma correria desnecessária e abrindo brecha para furos no roteiro, como Dona Sinhá falando da construção do muro de Donald Trump (presidente dos EUA), mesmo em 2024. A loucura de César sequestrando Alice foi um clichê comum na teledramaturgia, mas ainda mais normal nos enredos de Negrão. E não provocou emoção alguma no final, pelo contrário. Pareceu mesmo pura enrolação.

Sol Nascente não conseguiu manter a qualidade da faixa das seis, após a trinca de ouro formada por Sete Vidas, Além do Tempo e Eta Mundo Bom. A novela foi duramente criticada e apresentou motivos de sobra para isso. Com uma história pobre e personagens fracos, a trama será rapidamente esquecida e não deixa saudades. Os vários erros de criação e desenvolvimento foram os grandes protagonistas dessa produção, que chegou ao fim em clima de já vai tarde.

SÉRGIO SANTOS é apaixonado por televisão e está sempre de olho nos detalhes, como pode ser visto em seu blog. Contatos podem ser feitos pelo Twitter ou pelo Facebook. Ocupa este espaço às terças e quintas


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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor