Segundo Sol empolga ao não poupar agilidade em primeira semana

23/05/2018 às 10h00

Por: Thallys Bruno
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Depois do fracasso da pretensiosa A Regra do Jogo (2015-16), engolida em sua fase inicial pelo fenômeno bíblico Os Dez Mandamentos (RecordTV, 2015), João Emanuel Carneiro ganhou uma nova chance na faixa das 9. Sucedendo a duvidosa O Outro Lado do Paraíso, de Walcyr Carrasco, o autor caminha para um estilo totalmente diferente de sua última obra, em direção ao folhetim tradicional, embora ainda conserve algumas de suas marcas. E os primeiros capítulos de Segundo Sol, nova novela das 21h, comprovaram que a aposta deu certo, em especial por um detalhe: agilidade a toda prova na condução do enredo, sem medo de jogar histórias uma atrás da outra.

Ambientada na Bahia, a trama tem como centro a falsa morte de Beto Falcão (Emílio Dantas), um cantor de axé music já decadente, que é dado como morto após a queda de um avião que o levaria para um show em Sergipe (no qual ele não conseguiu embarcar). Ironicamente, após o “falecimento”, sua popularidade aumenta drasticamente. Até que ele surpreende o irmão, o interesseiro Remy (Vladimir Brichta) e a namorada, a ambiciosa ex-prostituta Karola (Deborah Secco), que o convencem a manter a farsa e se refugiar na paradisíaca ilha de Boiporã, causando a desconfiança dos irmãos Ionan (Armando Babaioff) e Clóvis (Luís Lobianco) e dos pais, Naná (Arlete Salles) e Dodô (José de Abreu).

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Por lá, o cantor adota o nome de Miguel e se apaixona pela brejeira Luzia (Giovanna Antonelli), num envolvimento arrebatador que rapidamente é destruído por Karola, que, para tê-lo nas mãos, inventa que está grávida do cantor. A bandida ainda conta com a ajuda da cafetina e falsa promoter Laureta (Adriana Esteves), sua mentora, com a qual vive uma relação misteriosa e ambígua. A dupla chega a ponto de fazer com que a mocinha reencontre seu ex-marido Edilei (Paulo Borges), que causa mais problemas a ela. Em meio a isso, a marisqueira se descobre grávida de Miguel/Beto e, sem querer, provoca a morte do ex, o que a obriga a fugir e abandonar seus filhos. O tempo passa e, com a ajuda da curandeira Januária (Zeca de Abreu), a vilã rouba o bebê de Luzia, que foge para a Europa, onde vira uma DJ de sucesso.

Paralelamente, a irmã de Luzia, Cacau (Fabiula Nascimento), empregada da mansão de Claudine (Cássia Kiss) no Rio de Janeiro, envolve-se com o patrão Edgar (Caco Ciocler), filho da milionária, e com o colega Roberval (Fabrício Boliveira), motorista da família e filho da governanta Zefa (Cláudia di Moura). É ela quem vai cuidar do filho da marisqueira, Ícaro (Thales Miranda/Chay Suede), enquanto a irmã, Manuela (Rafaela Brasil/Luísa Arraes), será criada por Edgar e pela patroa Karen (Maria Luísa Mendonça). Roberval, por sua vez, descobre que nasceu de uma relação extraconjugal de Zefa com o patrão Severo (Odilon Wagner) e esse será o ponto de partida de sua vingança contra a família.

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Toda essa história facilmente poderia render em torno de 15 ou 25 capítulos. No entanto, João Emanuel Carneiro condensou tudo isso em uma semana. Apostando na agilidade para prender o telespectador, mesmo correndo o risco de se confundir com a correria – o que em alguns momentos acabou acontecendo, especialmente na construção da relação entre Beto/Miguel e Luzia -, o escritor empolgou o público trazendo o que sabe de melhor: movimentar cada capítulo como se fosse o último, só deixando-o respirar nos intervalos comerciais e apostando em grandes ganchos. Outro destaque da condução do enredo foi a aposta nas entrelinhas, que tanto fizeram falta na novela anterior do horário. Sem precisar escancarar situações e subestimar a inteligência do público, JEC soube colocar os desdobramentos e viradas apostando em todas as possibilidades, enriquecendo os contextos.

Ainda merece elogios a troca de direção, de Amora Mautner para Dennis Carvalho e Maria de Médicis (com os quais, inclusive, a primeira já trabalhou antes de seguir para o núcleo de Ricardo Waddington e ser promovida logo depois). Em contraponto à pretensiosa “caixa cênica”, que não surtiu muito efeito prático em A Regra do Jogo, Segundo Sol aposta em uma direção mais clara e objetiva, valorizando os ganchos e lembrando por vezes as boas novelas de Gilberto Braga, de quem Dennis é constante parceiro.

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No entanto, uma pertinente crítica se fez presente em meio às chamadas: a pouca presença de atores negros no elenco da novela. Muitos reclamaram do fato de a novela não fazer jus ao fato de ser ambientada no estado com a maior população negra do Brasil – e com razão. A questão aqui não é querer que a novela “mostre a realidade como ela é”, até porque nem são obrigadas a isso, e sim que tenha maior verossimilhança ao retratar um ambiente, deixando claro que houve uma evidente falha. Dos poucos presentes, menos ainda têm papeis de destaque – o caso mais evidente é justamente Fabrício Boliveira, intérprete do Roberval.

Outro exemplo foi o de Roberta Rodrigues, que ainda não apareceu nestes primeiros capítulos. A atriz assumiu o lugar de Carol Castro justamente pelo fato de o perfil da personagem pedir uma atriz negra – Carol, com isto, foi remanejada para a próxima trama das sete, O Tempo Não Para. Mas nem isso foi suficiente.

Não é a primeira vez que a Globo passa por esse tipo de polêmica. Recentemente, em Sol Nascente, também protagonizada por Antonelli, foi difícil engolir a escolha do grandioso Luís Melo para viver um chefe de família japonês sem ter qualquer biotipo para isso – em compensação, Malhação Viva a Diferença (2017-18) trouxe a família de uma de suas protagonistas (Tina, vivida por Ana Hikari) totalmente formada por descendentes nipônicos.

Ainda assim, a polêmica não abalou o interesse do público pela boa trama, que traz um grupo afiado em seus perfis principais. Emílio Dantas, vindo do arrebatador desempenho como o traficante Rubinho de A Força do Querer, já vem se destacando na pele do ídolo do axé, que guarda um misto de jeito malandreado com coração bom, além da semelhança física com o cantor baiano Saulo Fernandes. Outro grande destaque masculino é Vladimir Brichta, que, ironicamente, vive um papel que corresponde ao de seu maior rival na novela anterior, Rock Story. Remy, o invejoso e mau-caráter que comanda a carreira de Beto, corresponde justamente a Lázaro (João Vicente de Castro), o canalha agente do roqueiro problemático Gui Santiago (Brichta).

A turma feminina não deixa por menos. Karola não poderia ter vindo em hora mais certa para uma Deborah Secco em plena forma, não apenas física, mas de maturidade cênica. Caminhando da ambiciosa fria para a trouxa amorosa com generosas doses de sensualidade e deboche, a ex-prostituta é um perfil mais que bem-vindo para a talentosa Deborah. Ao seu lado, Adriana Esteves, que criou uma Laureta totalmente diferente de sua Carminha e insere ambiguidade e adrenalina à tensa parceria das vilãs. Parceria esta que poderia representar um perigo para Giovanna Antonelli e sua Luzia. Felizmente, o que se viu foi o contrário. A construção dada pela carismática Giovanna para a mocinha principal da história, repleta de humanidade e de uma força cênica como raramente se vê, fez a marisqueira se impor em meio a dois furacões da maldade.

Outros nomes que também merecem elogios são Fabiula Nascimento (ótima como Cacau), Fabrício Boliveira (excelente na pele de Roberval), Caco Ciocler (que merecia muito viver um tipo intragável), Odilon Wagner (valorizado após ficar quase como figurante em Tempo de Amar), Cássia Kiss (mesmo novamente com uma personagem marcada para morrer), Zeca de Abreu (ótima como a gananciosa Januária) e Cláudia di Moura (grata revelação).

A trilha sonora, marcada por releituras do axé dos anos 90, traz lindas versões como as de Alcione para O Mais Belo dos Belos (de Daniela Mercury) e da dupla Anavitória para Me Abraça (sucesso de Ivete Sangalo na Banda Eva). Em compensação, foi difícil entender a escolha de Thiaguinho para regravar Beleza Rara, também de Ivete no Eva.

Curiosamente, Segundo Sol entrou no ar mais cedo que o previsto, assim como aconteceu com O Outro Lado do Paraíso. Enquanto a novela de Walcyr sucedeu A Força do Querer, de Glória Perez, em virtude do cancelamento de O Homem Errado, de Duca Rachid e Thelma Guedes; a história de JEC só entraria em novembro deste ano, mas foi antecipada devido à polêmica envolvendo os direitos autorais de O Sétimo Guardião, sinopse de Aguinaldo Silva que marcaria sua volta ao realismo fantástico e cuja ordem foi trocada com a da atual trama das 21h.

A julgar pela primeira semana, Segundo Sol tem tudo pra fazer o público esquecer rapidamente a controversa antecessora. Mesmo em meio à polêmica da pouca quantidade de atores negros, a história empolgou pela boa construção dos perfis e entrechos e especialmente pela agilidade, digna de uma reta final de um sucesso. Se os acertos continuarem, João Emanuel Carneiro tem tudo pra fazer de Segundo Sol uma reinvenção em sua carreira, semelhante à de Glória Perez com a aclamada A Força do Querer.


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