Sarcástica, Filhos da Pátria é uma série perfeita para o atual momento do Brasil
22/09/2017 às 10h00
A nova série da Globo foi gravada antes do impeachment de Dilma Rousseff. Mas, se tivesse sido realizada semana passada, daria na mesma. Isso porque o Brasil está mergulhado em uma crise avassaladora e repleta de escândalos há muito tempo. Nunca a corrupção e a desonestidade estiveram tão em voga. Filhos da Pátria busca tratar justamente a “origem” de toda essa podridão através de uma história sarcástica recheada de tipos facilmente identificáveis, com o humor provocando risos envergonhados no público.
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Escrita por Bruno Mazzeo e dirigida por Maurício Farias, a trama é ambientada no Rio de Janeiro do século XIX, em 1822, logo após a proclamação da Independência. A cidade cenográfica, inclusive, é a mesma utilizada em Liberdade, Liberdade (2016) e Novo Mundo. O “surgimento” da corrupção e do famoso jeitinho brasileiro é exposto no enredo através dos Bulhosa, típica família de classe média da época, composta pelo ingênuo português Geraldo (Alexandre Nero), sua esposa ambiciosa, a brasileira Maria Teresa (Fernanda Torres), pelo primogênito metido a idealista, Geraldinho (Johnny Massaro), e pela caçula feminista, Catarina (Lara Tremouroux). A escrava empoderada, Lucélia (Jéssica Ellen), e o escravo bonachão, Domingos (Sérgio Loroza), também compõem o núcleo.
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A série ficou disponível na íntegra pelo aplicativo Globo Play, a partir do dia 3 de agosto, e o primeiro capítulo foi exibido em uma coletiva realizada na luxuosa Casa Julieta de Serpa, no Flamengo, Rio de Janeiro (também no dia 3). Logo no primeiro episódio, fica claro o objetivo da produção em apontar toda a hipocrisia da sociedade, mirando em cada uma de nossas falhas, expondo o deprimente conjunto que acabou resultando nesse Brasil que todos se envergonham tanto.
Se passaram 195 anos, mas tudo segue absurdamente atual, sem qualquer sinal de mudança ou luz no fim do túnel. O sistema onde o mais esperto se dá bem e o honesto é visto como trouxa é uma premissa importante da nova produção, que tem ótimos momentos.
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Com a independência, Geraldo entra em pânico por medo de perder o cargo oficial que ocupa no Paço Imperial, uma vez que nasceu em terras portuguesas e o poder passou para as mãos dos brasileiros. Ele, como trabalha intermediando as relações entre Brasil e Portugal – sob as ordens de Figueira (Saulo Laranjeira) – teme perder a função por razões óbvias. Não recebendo um bom salário e sendo humilhado pela esposa por ser um banana, o funcionário acaba entrando no esquema do colega Pacheco (Matheus Nachtergaele), passando a ganhar um “por fora” por meio de pequenas falcatruas – as suas tentativas de se livrar de uma carta referente a um projeto urbanístico concorrente ao de Pacheco, por exemplo, são hilárias.
Aos poucos, a vida da família vai melhorando graças aos esquemas que passam a fazer parte da rotina de Geraldo. A comicidade do contexto se dá pelo fato do personagem ser um covarde, temendo ser descoberto a qualquer instante, mas sem conseguir se livrar do ambiente corrupto que o cercou. Quem mais comemora os novos frutos é Maria Teresa, que sempre sonhou em ter uma vida luxuosa, invejando a irmã, Leonor (Letícia Isnard), que conseguiu uma ótima condição financeira se casando com um industrial (Murilo – Felipe Rocha), posando de madame o tempo todo.
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Fernanda Torres, aliás, é o grande destaque da série. Sua conhecida veia cômica é explorada ao máximo e a atriz protagoniza as situações mais impagáveis da história. Que show ela dá! Alexandre Nero, vale ressaltar, também honra a importância do papel, fazendo de Geraldo um sujeito cativante, mesmo mergulhado em esquemas de propina.
Matheus Nachtergaele é outro grande nome do elenco, imprimindo um tom debochado bem propício para o desonesto Pacheco, que representa tantos “metidos a espertos” que permeiam o Brasil. Sérgio Loroza fazia falta na teledramaturgia e seu Domingos é uma figura. Jéssica Ellen é uma grata revelação da Malhação – Intensa Como a Vida (2012) e ganhou uma ótima personagem: a escrava Lucélia é uma espécie de Mina – Ilva Niño em Roque Santeiro -, funcionando como a “faz tudo” de Teresa; mas é uma mulher à frente do seu tempo, lutando pela sua alforria e usando sua inteligência para crescer na vida. Johnny Massaro como o vagabundo e aproveitador Geraldinho também merece menção, assim como a novata Lara Tremouroux, uma ótima surpresa da produção.
Além dos já citados, Flávio Bauraqui – como Zé Gomes, um escravo que finge deficiência para ser livre -, Marcos Caruso – vivendo o hilário e corrupto Padre Toledo -, Luiz Magnelli (Seu Vasco), Adriano Garib (Matoso), Raniere Gonzalez (Neiva),Cândido Damm (Olegário), Emiliano Queiróz (Padre Elano), Ricardo Pereira (Padre Adão), Liv Zieze (Gabardine), Bruno Jablonski (Juca) e Karine Teles – Madame Dechiré, modista e dona do bordel – são mais alguns excelentes atores que compõem esse talentoso time.
Filhos da Pátria estreou nesta terça (19/09, mais de um mês depois do lançamento na Globo Play) e a produção é muito bem escrita por Bruno Mazzeo. A ideia de retratar a origem de toda essa corrupção que o Brasil vive é mais do que apropriada, além de bastante criativa. Há potencial de sobra para uma segunda temporada (já encomendada), pois a série apresenta episódios redondos, com cada episódio contendo um bom gancho para prender o telespectador na semana seguinte. Vale a pena.