Hoje em dia, é comum as novelas apresentarem casais formados por mulheres maduras e homens mais novos. A lista de pares incluiu de Helena (Vera Fischer) e Edu (Reynaldo Gianecchini) em Laços de Família (2000) até Rebeca (Andréa Beltrão) e Felipe (Gabriel Leone) de Um Lugar ao Sol (2021). Em 1976, porém, com uma trama como estas em Duas Vidas, Janete Clair comprou briga com a Censura.

Duas Vidas

No folhetim exibido às 20h, de dezembro de 1976 a junho de 1977, Sônia (Isabel Ribeiro) levava a vida de forma pacata, morando sozinha em seu apartamento na Zona Sul do Rio de Janeiro e administrando a própria agência de viagens. Ela já havia ficado noiva duas vezes, mas os prometidos morreram, inexplicavelmente, às vésperas das cerimônias.

Por conta disto, Sônia não pretendia se relacionar com mais ninguém. Tudo mudou quando ela conheceu Maurício (Stepan Nercessian). O jovem rompeu o noivado com Juliana (Christiane Torloni) para viver a paixão avassaladora por uma mulher mais velha. Mas a Censura do regime militar não gostou nada, nada da proximidade do casal-sensação de Duas Vidas…

Discussão nas ruas

Janete Clair

O público, é fato, também ficou dividido. Entre os telespectadores, haviam os que julgavam Maurício interesseiro, por se unir a uma mulher em confortável situação financeira. Outros recriminavam o personagem por ele ter abandonado uma moça da idade dele para casar com uma mulher bem mais velha – estamos falando de um tempo em que mulheres acima dos 30 eram consideradas “coroas”.

A Censura reprovou tal “ousadia”. De acordo com Artur Xexéo, autor do livro Janete Clair, a Usineira de Sonhos, a conclusão dos censores foi implacável com a autora: além de subversiva, Duas Vidas atentava contra a moral e os bons costumes. A produção já estava “visada” desde o início, quando abordou os transtornos da construção do metrô, uma das obras do regime militar.

Casamento por imposição

Duas Vidas

Para apaziguar os ânimos dos censores, Janete Clair recorreu ao casamento de Maurício e Sônia. O plano inicial, contudo, era de contar aquela história de amor sem a obrigação do compromisso formal.

“Este casamento não tinha razão de ser. Mas por ser um romance preconceituoso, fui obrigada a fazê-lo, para continuar a explorar o amor deles. Acho que era importante fazer isso, pois o romance entre eles é uma das coisas mais bonitas e reais da novela”, relatou a novelista à revista Amiga, em 1977.

Cabe lembrar que, antes de Duas Vidas, a Globo já havia apostado em casais como Sônia e Maurício, sem o mesmo burburinho. Caso, por exemplo, de Roberta (Tônia Carrero) e Sérgio (Marcos Paulo) em Uma Rosa com Amor (1972).

Personagens inesquecíveis

Isabel Ribeiro

A Sônia de Duas Vidas marcou a carreira de Isabel Ribeiro, atriz de origem polonesa que, em meio ao sonho de cursar medicina, descobriu o teatro – enquanto cursava política estudantil. A estreia nos palcos de deu em 1962. Na televisão, Isabel ingressou em 1970, através da Tupi.

A atriz chegou à Globo através da revolucionária O Rebu (1974), de Bráulio Pedroso. Isabel Ribeiro também marcou presença em O Grito (1975), Sem Lenço, Sem Documento (1977) e Gaivotas (1979), da Tupi. Após sucessos às 20h, como Sol de Verão (1982) e Champagne (1983), ela seguiu para a Manchete, onde realizou seu último trabalho: Helena (1987).

Isabel Ribeiro faleceu em 13 de fevereiro de 1990, aos 48 anos, em Jundiaí (SP), vítima de um câncer de mama. Ela era casada com o ator Altair Lima, falecido em 2002. Juntos, eles tiveram três filhos.

Stepan Nercessian

Stepan Nercessian, por sua vez, saiu de Cristalina (GO) para brilhar no cinema. Ele, que foi o protagonista do filme Marcelo Zona Sul (1968), ganhou a telinha com Bandeira 2 (1971), de Dias Gomes.

A volta ao vídeo, após cumprir agenda com a telona, se deu justamente em Duas Vidas. Nos anos seguintes, Stepan acumulou bons personagens em títulos como O Astro (1977), Feijão Maravilha (1979), Selva de Pedra (1986), Vale Tudo (1988), Anos Rebeldes (1992) e Pátria Minha (1994). Sua incursão mais recente na TV foi em Quanto Mais Vida, Melhor! (2021).

Stepan Nercessian enveredou para a política em meados dos anos 2000, atuando como vereador de 2005 a 2020 e deputado federal pelo Rio de Janeiro entre 2011 e 2015. Ele também acumula lutas como presidente do Retiro dos Artistas, que acolhe nomes envolvidos com arte sem condições físicas e/ou financeiras.

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Sebastião Uellington Pereira é apaixonado por novelas, trilhas sonoras e livros. Criador do Mofista, pesquisa sobre assuntos ligados à TV, musicas e comportamento do passado, numa busca incessante de deixar viva a memória cultural do nosso país. Escreve para o TV História desde 2020 Leia todos os textos do autor