Roda de Fogo estreava há 35 anos, mas tem uma forte ligação com os dias atuais

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Às vezes, ao rever obras do passado, nos decepcionamos, porque a temos em alta conta ou a superestimamos. Aconteceu comigo quando revi A Viagem recentemente. Em outros casos, temos a comprovação de que estávamos certos. Aconteceu com Roda de Fogo. A novela de Lauro César Muniz e Marcílio Moraes completa 35 anos de estreia neste dia 25 de agosto.

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Se você ainda não a viu no Globoplay, corra ver! Não só porque é – de fato – uma das melhores novelas já escritas, como também é atualíssima. Roda de Fogo, apesar de retratar um momento muito específico – o Brasil da recém-instaurada Nova República, nos meados da década de 1980 – contém elementos atemporais e outros que reverberam na atualidade.

Antes de mais nada, é necessário compreender o contexto da ambientação da trama. A Nova República enterrou, de certa forma, os Anos de Chumbo, como ficou conhecido o período mais duro de repressão da Ditadura Militar (toda a década de 1970, praticamente). Daí a crítica, no texto da novela, aos militares e seus métodos – inclusive, com figuras patéticas, como o “terrível” General Hélio D´Avila (Percy Aires).

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Outra chacota com militares está na obsessão de Hélio por cavalos: ele entra em uma festa de gala montado em um animal e há várias figuras de cavalo na decoração de seu apartamento. Uma clara referência ao último presidente militar, o General João Figueiredo, famoso adorador de equinos. Não era por acaso, também, que Renato Villar (Tarcísio Meira) se referia a Benson (Carlos Kroeber) como “asno”.

Além do general, havia outros personagens remanescentes da ditadura: o torturador Jacinto (Claudio Curi), a ex-guerrilheira Maura (Eva Wilma), que foi vítima de Jacinto no passado, e o ex-milicano do Esquadrão da Morte Anselmo (Ivan Cândido). Voltamos para 2021, em que temos um presidente e um governo que nega que houve uma ditadura, em que há pessoas pedindo intervenção militar e fechamento do STF. General Hélio faria o mesmo.

Outra abordagem de Roda de Fogo, como uma pertinente crítica social, é a corrupção endêmica, envolvendo empresários e políticos – os crimes de colarinho branco. Apesar dos “novos ares da Nova República”, a corrupção ancestral nunca deixou o país. Por isso reconhecemos as abordagens e traçamos paralelos com a atualidade. É o mesmo caso de Vale Tudo (1988), outra novela “atemporal” que aborda a corrupção brasileira.

Agora uma característica muito própria da década de 1980 (não que tenha mudado muito): Roda de Fogo retratou o auge do culto ao mundo corporativo, na chamada era dos yuppies. O jovem da década de 1980 deixava o sonho coletivo de revolucionar o mundo para entregar-se ao egocentrismo e ao fascínio do dinheiro e o que ele poderia proporcionar.

O seu maior representante na novela era Pedro (Felipe Camargo), com mudança de comportamento destacada no figurino: ele abandonava o macacão branco que remetia ao personagem rebelde de Malcolm McDowell no filme Laranja Mecânica (1971, de Stanley Kubrick), para vestir terno e gravata, casar-se, montar apartamento e ganhar dinheiro – como mandava a cartilha burguesa.

Da mesma forma, os yuppies Felipe (Paulo Castelli) e Júnior (Cássio Gabus Mendes) vestiam terno para trabalhar e, inclusive, para se divertir. Mas não eram sisudos: camisas e gravatas mais coloridas, frequentemente com paletó e calça de cores diferentes. Felipe, mais “almofadinha”, usava suéteres, às vezes nos ombros, enquanto Júnior era visto sempre com traje social, mesmo em casa – o personagem jamais apareceu com outra roupa que não fosse terno.

O barato de ver uma novela tão icônica, tão representativa da década de 1980, é reconhecer esses detalhes, padrões de comportamento e referências. Algumas referências continuam ainda hoje, outras ficaram no passado e outras são cíclicas, se repetem de tempos em tempos, como em uma roda de fogo viciosa. Logo voltam as ombreiras!

PS1: Não sei quem teve a ideia de lançar a moda dos dois relógios no pulso (apenas Helena, personagem de Mayara Magri, usava), mas ainda bem que nunca pegou. Se, com inflação galopante, já era difícil ter dinheiro para comprar um relógio, imagina dois!

PS2: A inflação galopante voltou.

PS3: A principal fonte para este artigo é o ótimo texto de Theodoro Castro para o portal “Querido Clássico”, leia AQUI.

AQUI tem tudo sobre Roda de Fogo: trama, elenco completo, personagens, núcleos, trilha sonora e muitas curiosidades de bastidores.

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