Colaboradora de trabalhos de sucesso como Confissões de Adolescente, Celebridade e Paraíso Tropical, Maria Helena Nascimento fez sua estreia como autora titular com Rock Story, a deliciosa novela das 19h que estreou no dia 9 de novembro do ano passado e chegou ao fim nesta segunda-feira, 5 de junho.

Ao lado do diretor Dennis Carvalho, a roteirista abordou os bastidores do mundo musical e buscou apresentar personagens mais humanizados, além de evitar ao máximo vários clichês tradicionais. E o saldo foi bastante positivo, apesar de alguns deslizes na reta final.

Quatro personagens nortearam o núcleo principal: Gui Santiago (Vladimir Brichta), Diana (Alinne Moraes), Júlia (Nathalia Dill) e Léo Régis (Rafael Vitti). Gui é um roqueiro decadente, de comportamento instável, que busca voltar ao sucesso com a canção Sonha Comigo, mas descobre que Léo, um cantor pop que é ídolo do público teen, está cantando sua música e o acusa de roubá-la.

Gui é casado com Diana, diretora artística da gravadora Som Discos, com quem tem uma filha (Chiara, vivida por Lara Cariello), mas a união vive na corda bamba. Ele conhece Júlia, uma bailarina clássica, durante uma perseguição em que ela escapa de uma armadilha da irmã gêmea Lorena (Nathalia Dill) e do namorado Alex (Caio Paduan), que tentou provocar sua prisão. Em meio a isso, o roqueiro descobre que tem outro filho: Zac (Nicolas Prattes), fruto de uma noite com uma fã. A convivência difícil dá lugar a uma grande parceria e ele aposta no filho ao criar uma boy-band, a 4.4, com o objetivo de derrubar Léo Régis.

A novela ainda contou com outros ótimos personagens: Gordo (Herson Capri), dono da Som Discos, pai de Diana e grande amigo de Gui; Edith (Viviane Araújo), ex-dançarina do grupo de pagode Rebola Embola, que se tornou dona de casa e acolhe Júlia como filha; Vanessa (Lorena Comparato), filha de Edith e assistente pessoal de Diana, que desconfia de Júlia, mas se torna amiga dela ao descobrir sua verdadeira história; Nicolau (Danilo Mesquita), filho de Haroldo (Paulo Betti) e Gilda (Suzy Rêgo), um jovem que tem câncer de pele, mas esconde a doença dos pais e se refugia na música; Marisa (Júlia Rabello), irmã de Alex, uma golpista que procura um homem rico do qual deseja engravidar; Ramon (Gabriel Louchard), fotógrafo comparsa de Lázaro; e Eva (Alexandra Richter), terapeuta de Gui, que o ajuda em sua transformação e se encanta por Gordo.

O enredo desenvolvido por Maria Helena Nascimento chamou a atenção pela agilidade e pela boa condução dos núcleos. A falta de maniqueísmo dos personagens, capazes de atos amáveis ou execráveis, foi outro acerto, especialmente em tipos como Gui, Diana e Léo, os mais ricos da história.

À medida que Gui se aproximou da dançarina, Diana se envolveu com Léo, como forma de resposta às traições que sofria. Pouco depois, ela começou a sentir o risco de perder o marido de vez e tentou de várias formas reconquistá-lo, chegando ao ponto de jogar a própria filha contra o pai e até mesmo forjar uma gravidez.

Júlia, para escapar da cadeia, se passou por Lorena, sem imaginar o envolvimento da irmã com Alex. Zac, filho de Gui, se apaixonou por Yasmin (Marina Moschen), uma patricinha irmã de Léo, vivendo uma espécie de Romeu e Julieta moderno.

A 4.4, com Zac (voz e guitarra), Nicolau (voz e baixo), Tom (João Vitor Silva) (bateria e voz) e JF (Maicon Rodrigues) (teclados e voz), tomou forma e ganhou cada vez mais espaço. Léo, abandonado por Diana, vingou-se dela divulgando fotos íntimas e, em meio à reação negativa, redescobriu-se ao voltar às suas origens em Mesquita. E todos estes entrechos foram muito bem abordados pela autora durante grande parte do tempo.

Outro ponto positivo foi a excelente trilha sonora – não apenas as músicas dos álbuns oficiais, mas também as canções na voz de vários personagens. Rock Story honrou seu nome ao valorizar o gênero através de temas interpretados por Gui e pela 4.4, como Meu Erro (Paralamas do Sucesso), Sonífera Ilha (Titãs), Do Seu Lado (Jota Quest) e Vontade (Paulinho Moska).

A MPB também se fez presente com clássicos como Para Lennon e McCartney (de Milton Nascimento) e Panis et Circenses (Mutantes). Houve espaço inclusive para o samba, através do repertório do Rebola Embola, que incluía pérolas como A Voz do Morro (Zé Keti) e O Que é O Que é (Gonzaguinha).

Da seleção oficial, destacam-se Me Espera (de Tiago Iorc e Sandy), tema romântico de Gui e Júlia; Saints & Sinners (de Aurea); Outro Sim (de Fernanda Abreu); We Will Rock You (clássico do Queen, nas vinhetas de intervalo) e a ótima regravação de Pitty para Dê Um Rolê, dos Novos Baianos, como tema de abertura.

Aplausos também para o elenco enxuto e afiado, um dos responsáveis pelo sucesso da história. Vladimir Brichta retornou às novelas em grande estilo e tornou Gui Santiago um protagonista fascinante, convencendo em todas as nuances do cantor e mostrando que merecia mesmo retornar às produções dramáticas, após se destacar em Justiça como o traficante Celso.

Nathalia Dill diferenciou perfeitamente as gêmeas Júlia e Lorena (parecia mesmo duas atrizes diferentes), protagonizou bons embates e mostrou ter química de sobra com Brichta. Alinne Moraes brilhou absoluta com sua Diana, a personagem mais rica da novela. Sua composição foi impecável, totalmente diferente da doce Lívia de Além do Tempo. Ela ainda fez grandes parcerias cênicas, protagonizou reviravoltas decisivas e repetiu a química intensa já vista com Brichta em outros trabalhos.

Ainda merecem elogios Rafael Vitti, que esteve muito bem e deu o tom perfeito para o mimado e deslumbrado Léo Régis; Herson Capri – ótimo como o generoso Gordo; Alexandra Richter – que mostrou versatilidade num papel dramático; Ana Beatriz Nogueira – que divertiu como Neia e mostrou que merecia um papel cômico; Viviane Araújo – perfeita em um papel diferente de sua imagem de mulherão e Suzy Rêgo, que emocionou especialmente quando Gilda descobre o câncer de Nicolau. Nicolas Prattes e Marina Moschen, egressos de Malhação – Seu Lugar no Mundo, ganharam perfis muito superiores e puderam mostrar de forma muito mais convincente a química já existente entre eles.

Júlia Rabello, mal aproveitada em A Regra do Jogo, ganhou uma nova chance e divertiu como a golpista Marisa. Paulo Verlings e Leandro Daniel, merecidamente viram seus personagens Ramon, Stefany, William e Romildo (os dois últimos comparsas de Alex) ganharem espaço, assim como Caike Luna (o repórter sensacionalista Cassiano Júnior). E houve gratas revelações: Danilo Mesquita, Enzo Romani (Jailson, um ex-bandido que se regenerou e substituiu Nicolau na 4.4), Joana Borges (Luana, namorada de Nicolau), Gabriel Louchard, Giovanna Cordeiro (Stefany, uma jovem de Mesquita por quem Léo se apaixonou) e João Vicente de Castro.

Ainda assim, nem tudo foi perfeito. Nos últimos dois meses, o enredo de Rock Story sofreu uma queda de ritmo que se acentuou em sua reta final, além da perda de espaço de alguns núcleos e da criação de situações sem propósito.

O maior erro foi o assassinato antecipado de Lorena. A gêmea má, enquanto ainda estava nos Estados Unidos, passava grande parte do tempo apenas falando ao celular com Júlia. Quando chegou ao Brasil, praticamente nada pôde fazer e morreu após ser baleada em uma tentativa de assalto.

A sequência da morte foi bonita e Nathalia emocionou duplamente, mas o entrecho perdeu força. Para piorar, Júlia, depois de ser inocentada e se casar com Gui, resolveu investigar a vida criminosa da irmã para escrever um livro sobre sua trajetória. Qual a lógica de se envolver novamente com bandidos depois de toda a luta para provar sua inocência? Isso deveria ter sido feito com Lorena viva, o que enriqueceria a trama das gêmeas.

A abordagem do machismo, inicialmente, foi um grande acerto da autora, ao mostrar Léo vazando as fotos íntimas de Diana, e, posteriormente, agarrando a DJ Manu (Antônia Morais), após vê-la fazendo topless. Porém, o assunto perdeu o sentido à medida que Léo foi se envolvendo com ela. Não se exige que uma novela tenha compromisso total com a realidade, mas é surreal que uma pessoa queira se envolver com outra que a assediou. Se o cantor ao menos tivesse se arrependido, isto amenizaria a situação, mas não foi o que ocorreu. Tempos depois, Manu humilhou Stefany (àquela altura, namorada do ídolo teen), dizendo que ela parecia uma garota de programa, o que ia contra o discurso feminista de quando foi abusada por Léo.

O casal Gui e Júlia, que encantou no começo, foi perdendo o fôlego pela falta de maiores conflitos entre eles – os que existiam eram provocados por Diana. A ex-mulher de Gui, com a morte de Lorena, teve seu lado mais sombrio aumentado ao apelar para o truque da falsa gravidez.

O câncer de Nicolau também não foi aprofundado e perdeu espaço na novela, só voltando a aparecer quando a doença é exposta na mídia. Devido a esta pouca exploração dos núcleos, a história apresentou um período de “barriga”, que prejudicou a reta final.

Apesar disto, os defeitos não foram maiores que as qualidades. E a audiência correspondeu, com uma média geral de 25,8 pontos (atrás apenas de Totalmente Demais e Haja Coração, com 27,4 e 27,5 pontos, respectivamente).

Maria Helena Nascimento mostrou-se uma autora promissora e fez uma deliciosa estreia, mesclando o universo musical a personagens ricos, histórias envolventes, direção segura de Dennis Carvalho e equipe, elenco afinado e trilha sonora espetacular. Rock Story, mesmo com os deslizes nos últimos meses, foi uma das melhores surpresas da faixa das 19h e mereceu o sucesso que fez.


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