Ritmo arrastado, falta de ousadia e didatismo prejudicam Os Dias Eram Assim

Com um mês de sua estreia, a atual novela das 23h (ou “supersérie”) da Rede Globo não disse a que veio. Trabalho inaugural das autoras Ângela Chaves e Alessandra Poggi, Os Dias Eram Assim mostrou um início promissor, com elenco grandioso, direção de alta qualidade, enredo envolvente e trilha sonora repleta de joias da música brasileira. No entanto, ao longo dos capítulos, a condução da história logo mostrou um ritmo lento e cansativo, além de esbarrar no didatismo.

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Seu mote central retrata a história de Alice (Sophie Charlotte), jovem libertária e filha do reacionário empresário Arnaldo (Antônio Calloni), apoiador da ditadura militar brasileira. Ela é apaixonada por Renato (Renato Góes), médico idealista cuja família é opositora do regime. Devido a uma armação de Vitor (Daniel de Oliveira), noivo da garota e aliado do empreiteiro, o médico é obrigado a fugir para o Chile, onde refaz sua vida com a nativa Rimena (Maria Casadevall) e é tido como morto no Brasil.

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A julgar pelos capítulos apresentados até o momento, percebe-se que apenas a trama principal tem destaque. Existem núcleos paralelos – como o relacionamento de Toni (Marcos Palmeira) e Monique (Letícia Spiller) e a contestação do governo através das artes por parte de Maria (Carla Salle), irmã de Renato -, no entanto, eles pouco tiveram a agregar até aqui, o que é uma pena, pois poderiam render muito bem e servir de alívio à tensão do enredo central.

A condução da história também tem falhas. No saldo geral até aqui, o ritmo é bastante lento e cansativo, com várias cenas que poderiam ser facilmente dispensadas. A ida de Renato para o Chile, por exemplo, levou uma semana para se concretizar – algo que poderia ter sido feito em apenas um dia. Outra sequência, a apresentação de Leon (Maurício Destri) em uma boate, foi muito bem-feita, porém, devido à falta de exploração do núcleo que o cerca (os protestos artísticos), deixou a sensação de que não acrescentou em nada para o capítulo.

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Outro problema a ser destacado é o maniqueísmo dos personagens. Os libertários têm sido mostrados como “os bonzinhos” da história, enquanto os mais conservadores são tidos como “os malvados”. Para uma trama que lida com um tema bastante complexo e controverso como o regime militar, que causa discussões até hoje, seria mais rico mostrar estes personagens com mais nuances, com erros e acertos e assim os tornando mais humanos, longe da simples discussão entre bem e mal.

Ainda chama a atenção o excesso de didatismo do texto. As informações sobre o período histórico são mostradas, literalmente, como em uma aula, em um tom professoral que chega a incomodar. Vide o momento em que Natália (Mariana Lima), professora, dá literalmente uma aula sobre o regime e um de seus alunos, apoiador do governo, a ameaça. Para efeito de comparação, a primorosa série Anos Rebeldes (1992), de Gilberto Braga – recentemente disponibilizada para os assinantes do Globo Play -, aproveita muito melhor o contexto do período, desde os antecedentes, e integra os personagens e seus dramas à história de forma bem mais convincente. Novo Mundo, atual novela das seis, que retrata um período ainda mais antigo (a Independência do Brasil), também o faz de forma bem mais crível, fugindo totalmente do tom didático e usando de licenças poéticas sem subestimar o telespectador.

Para piorar, o grupo de discussão realizado pela emissora revelou que os telespectadores avaliados conhecem pouco (ou nada) sobre o governo dos militares. Em virtude desse desconhecimento, há a pretensão de se intensificar o tom professoral ao longo dos próximos capítulos, o que pode tornar o resultado ainda mais cansativo.

É justo reconhecer que, além de primeiro trabalho titular das autoras, o projeto original da novela estava previsto para o horário das 18h, o mais leve da Globo, o que explicaria de certa forma o roteiro mais convencional. Na adaptação para as 23h, a faixa mais “experimental”, a pouca ousadia do enredo ficou ainda mais evidente.

Apesar deste conjunto pouco favorável, a novela tem seus pontos positivos, como a direção da equipe de Carlos Araújo, que conta com o renomado Walter Carvalho (diretor de fotografia de séries como O Canto da Sereia e Amores Roubados), e o elenco, onde se destacam Renato Góes, Sophie Charlotte, Daniel de Oliveira, Natália do Vale, Susana Vieira, Cássia Kis, Antônio Calloni, Marco Ricca, Maria Casadevall (que entrou mais recentemente), Bárbara Reis e Gabriel Leone, entre outros nomes. A trilha sonora é um show à parte, com canções de Chico Buarque, Elis Regina, Secos e Molhados, Novos Baianos, Os Mutantes, Milton Nascimento e Vanusa.

Em breve, Os Dias Eram Assim entrará em uma nova fase, que irá de 1979 (ano da abertura política e da anistia) a 1984 (época da campanha das Diretas Já). Com previsão de 88 capítulos (quantidade excessiva para uma trama do horário, a julgar pelo que foi apresentado), até agora, a novela das 23h não tem empolgado, em virtude de seu enredo pouco ousado para a faixa. Espera-se que, com a passagem de tempo, os problemas de roteiro e condução apresentados sejam atenuados ao máximo possível e que os núcleos paralelos sejam mais explorados. Do contrário, será facilmente esquecida.


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