Reprise de Por Amor no Viva prova que a sociedade evoluiu em 20 anos
05/12/2017 às 10h00
O machismo é um mal que nunca será extinto, ainda mais em uma sociedade marcada por tantos anos pela patriarcalidade, como a brasileira. Entretanto, é inegável que houve (e vem havendo) uma evolução. Hoje em dia, situações comuns no passado não são mais vistas com normalidade e há veículos de sobra para expor indignação. Em alguns casos, há um certo exagero em se tratando da ficção, por exemplo. Se exige demais para uma produção ficcional. Mas, é preciso ressaltar que também são feitas críticas pertinentes. Tanto que muita coisa mudou. E a reprise de Por Amor no Viva é a maior prova de como o machismo era visto como algo natural e aceitável.
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O clássico de Manoel Carlos, um de seus maiores e mais aclamados sucessos, de 1997 – cuja estreia completou 20 anos em outubro -, vem sendo reexibido pela segunda vez no canal a cabo, repetindo o êxito nos números de audiência. É um folhetim maravilhoso que o público não cansa de ver. O dramalhão criado pelo talentoso escritor prima pelo visível conjunto de qualidades. Contudo, atualmente, tem sido possível observar todo o contexto absurdo que cercou Marcelo (Fábio Assunção), o filho queridinho da inesquecível vilã Branca Letícia de Barros Motta (Susana Vieira).
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O personagem é considerado o ‘galã’ da história, sendo disputado constantemente por duas mulheres: Maria Eduarda (Gabriela Duarte) e Laura (Vivianne Pasmanter). Porém, todas as suas atitudes são dignas de um vilão de folhetim e na época não houve qualquer estranhamento. Arrogante, mimado e agressivo, o rapaz nunca respeitou ninguém e jamais aceitou ter suas vontades contrariadas.
Mesmo namorando Eduarda, não fazia questão de afastar a ex e sempre destratou os irmãos, Leonardo (Murilo Benício) e Milena (Carolina Ferraz). Também nunca foi simpático com a sogra, fazendo questão de se mostrar superior.
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No dia de seu casamento, não demonstrou incômodo em ver a esposa destratar Orestes (Paulo José) e ainda orientou os seguranças a darem uma surra no sogro, que estava embriagado. Meses depois, indignou-se com o fato de Helena ter engravidado junto com a Eduarda, afirmando que a mãe estava querendo disputar com a filha a atenção de todos.
Em virtude dessas grosserias com a sogra, comprou briga com Atílio (Antônio Fagundes), travando inúmeras discussões acaloradas com o marido de Helena, que também trabalhava na sua empresa. Após o nascimento do ‘filho’ (resultado da emblemática troca dos bebês), o personagem ainda proibiu que a sogra amamentasse o bebê, alegando que estava invadindo a sua privacidade com a esposa.
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Para piorar, Marcelo ainda protagonizava brigas tensas com Maria Eduarda, chegando até a agredi-la fisicamente. Tapas e empurrões eram comuns nos embates. Aliás, as agressões também atingiam Laura. Ele chegou a empurrá-la na piscina, tentando afogá-la, após ter descoberto uma armação da ex para acabar com seu casamento. Ainda chegou a ameaçá-la com uma espátula afiada durante uma discussão no escritório da empresa. E o mais inacreditável de tudo isso nem era a insistência das duas em disputá-lo e, sim, o não estranhamento do público diante de tais situações. Maneco continuou tratando o rapaz como uma espécie de ‘galã’ e o telespectador achava natural.
Na época, inclusive, nos primórdios da internet comercial no Brasil, aconteceu a primeira campanha contra uma personagem de televisão. Os internautas, revoltados com o comportamento mimado de Eduarda, criaram um site em que as pessoas podiam manifestar seu ódio e enviar mensagens pedindo a morte da filha de Helena (Regina Duarte). Ela, realmente, era insuportável no início do enredo, maltratando o pai alcoólatra, sendo grossa com a mãe e sentindo um ciúme doentio por Marcelo. No entanto, ele era e sempre foi infinitamente pior. Isso porque Maria Eduarda amadureceu com o tempo e o seu marido só regrediu. Mas, contra ele não houve campanha alguma.
Atualmente, Marcelo seria visto como um vilão, ao lado de Branca, a megera desse sucesso de Maneco. A sua felicidade ao lado de Maria Eduarda seria simplesmente impensável e esse desfecho com certeza seria mudado diante da reação do telespectador. A bela e antológica cena gravada no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro – com Marcelinho passeando com seus dois pais e suas duas mães -, seria com Helena, Atílio, Maria Eduarda e César (Marcelo Serrado), o médico apaixonado pela filha da protagonista. É até absurdo lembrar daquele fim e constatar que um sujeito agressivo, desrespeitoso, machista, arrogante e voluntarioso teve um final feliz.
Em nível de comparação, há O Outro Lado do Paraíso, atual novela das nove da Globo, com Gael (Sérgio Guizé) se mostrando um sujeito agressivo e que agrediu Clara (Bianca Bin), sua então esposa, diversas vezes. O público odeia o personagem com total razão. Mas, se fosse exibida em 1997, por exemplo, talvez o rapaz da trama de Walcyr Carrasco nem seria detestado. Era mais fácil a mocinha ser considerada uma chata que dava motivos para o marido agredi-la.
Pelo menos, a reprise da novela no Canal Viva vem mostrando que a sociedade evoluiu em 20 anos, nem que seja apenas um pouco. Só em provocar tamanha indignação e perplexidade com a condução de Marcelo em Por Amor, já fica claro que o machismo (que ainda está impregnado e dificilmente será totalmente aniquilado) teve uma ligeira queda. O comportamento do público que vê novela sempre será o melhor ‘termômetro’ para analisar a forma como a população encara determinada questão e isso é muito bom.
SÉRGIO SANTOS é apaixonado por televisão e está sempre de olho nos detalhes, como pode ser visto em seu blog. Contatos podem ser feitos pelo Twitter ou pelo Facebook. Ocupa este espaço às terças e quintas