Reprise de Êta Mundo Bom! foi uma boa escolha para o atual momento do país

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“Tudo que acontece de ruim na vida da gente é “pa meiorá”. A premissa de “Êta Mundo Bom!” é perfeito para o crítico atual momento do Brasil e do mundo, em virtude de uma pandemia assustadora do novo coronavírus. A maior parte população mudou sua rotina para diminuir os estragos e ainda assim muitas mortes vêm sendo registradas por conta da doença. Nada melhor que um produto leve para distrair quem está em casa por conta da quarentena. Por isso a escolha da novela de Walcyr Carrasco para o “Vale a Pena Ver de Novo” foi um acerto.



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A Globo tinha escolhido o sucesso exibido em 2016 para substituir “Por Amor”. Sérgio Guizé até gravou chamadas especiais com o burro Policarpo para anunciar a reexibição. Mas havia uma preocupação para manter os elevados índices que a reprise do clássico de Manoel Carlos alcançou. Embora Walcyr seja uma fábrica de sucessos em todas as faixas, a emissora mudou de ideia no meio do percurso. Silvio de Abreu, responsável pelo setor de teledramaturgia do canal, acabou convencido por outros colegas a selecionar “Avenida Brasil” para a missão. E funcionou. O fenômeno de João Emanuel Carneiro repetiu o êxito de 2012, ainda mais com a chegada da quarentena que implicou em um aumento ainda mais expressivo da audiência.

Era previsível, portanto, que a substituta seria “Êta Mundo Bom!”. Já havia um planejamento. O fato é que o (trágico) acaso da pandemia transformou a escolha em algo perfeito para o atual momento. O folhetim reúne tudo o que Walcyr Carrasco apresentou na faixa das 18h: uma fazenda, guerra de comida, caipiras, quedas em chiqueiro, vilã muito diabólica, vários animais e bordões.

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Vale lembrar que o folhetim marcou a volta do autor ao horário que o consagrou, após o imenso sucesso de “Verdades Secretas” em 2015. E, para honrar o título de ”rei das seis”, o escritor resolveu reunir todas as fórmulas que funcionaram em “O Cravo e a Rosa” (2000), “Chocolate com Pimenta” (2003) e “Alma Gêmea” (2005).



A novela, ambientada na década de 40, estreou no dia 18 de janeiro de 2016 e teve seu último capítulo exibido no dia 26 de agosto, ou seja, ficou quase oito meses no ar. Foram 190 capítulos, sendo uma das produções das seis mais longas, levando em consideração a diminuição da duração das obras dessa faixa nos últimos anos. Mas essa situação foi benéfica, uma vez que a audiência só foi crescendo (o folhetim virou o mais visto da emissora por muito tempo, deixando “Velho Chico e “Haja Coração”, exibidas na época, para trás) e Walcyr conseguiu evitar a famigerada barriga, sempre criando boas reviravoltas na trama.

A história principal se mostrou muito bem estruturada. A adaptação do conto “Cândido ou o otimismo” (do filósofo Voltaire) — cuja versão cinematográfica é até hoje lembrada pela interpretação magistral do saudoso Mazzaropi como Candinho — foi desenvolvida com competência pelo autor, tendo como principal acerto a escalação de Sérgio Guizé para viver o protagonista. O ator deu um show na pele do ingênuo caipira que tinha o burro Policarpo como melhor amigo e vivia repetindo a clássica frase de seu quase pai adotivo, o professor Pancrácio (Marco Nanini): “Tudo que acontece de ruim na vida da gente é para ‘meiorá'”. Ele honrou o protagonismo do enredo, sustentando com talento a posição de personagem central do início ao fim. É um papel que ficou marcado para sempre na carreira do intérprete.

Aliás, Marco Nanini voltou aos folhetins em grande estilo, após quase 14 anos interpretando o Lineu em “A Grande Família”. Seu carismático professor de filosofia era uma das principais figuras da novela e o ator viveu 36 tipos diferentes na história, graças ao ofício clandestino de seu personagem, que adorava se disfarçar, encarnando diversos tipos para pedir dinheiro nas ruas. Miss São Paulo, índia, Marquesa de Santos, nadador olímpico, cego, mendigo, vedete, ex-combatente do exército e grávida foram alguns dos seus inúmeros perfis. Vale citar também o arrogante Pandolfo, irmão gêmeo de Pancrácio, que entrou na novela para fazer par com Eponina (Rosi Campos), engrandecendo o núcleo da fazenda. O ator ainda teve uma química evidente com Eliane Giardini (Anastácia) e protagonizou ótimas cenas ao lado de Sérgio Guizé e JP Rufino (Pirulito).



Eliane, inclusive, ganhou um grande papel. A milionária Anastácia representava a mulher à frente do seu tempo e a sua saga em busca do filho Candinho foi envolvente, culminando na cena mais linda da novela, quando a mãe irradiante de felicidade e o caipira se encontram, dando um abraço emocionante. Foram muitas sequências merecedoras de elogios, evidenciando a compensação de Walcyr, que não havia valorizado o talento da atriz em “Amor à Vida”. Ela, inclusive, formou uma boa dupla com Bianca Bin, intérprete da destemida Maria, que virou a mocinha da novela logo no início, se mantendo no posto até o final. A saga da menina que se via viúva, grávida e expulsa de casa, arrebatou o telespectador, que passou a torcer pela personagem. O envolvimento dela com Celso (Rainer Cadete) foi outro acerto, transformando o casal em um dos melhores da história.

Composto por um elenco excelente e entrosado, o núcleo dos caipiras foi um dos grandes êxitos da trama. Inicialmente, a história da família que vivia querendo vender a fazenda onde moravam era claramente inspirada no conto “O Comprador de Fazendas”, de Monteiro Lobato. Esse, inclusive, foi o fator que implicou no romance de Mafalda (Camila Queiroz) e Romeu (Klebber Toledo), o picareta que tentou enganar os jecas. Mas, ao longo da novela, a tentativa de golpe cedeu lugar para outras situações hilárias, como a curiosidade em torno do ‘cegonho’, nome dado pelo autor para o órgão sexual masculino. O termo pegou e virou quase um personagem à parte, caindo na boca do povo. As cenas protagonizadas por Mafalda e Eponina eram hilárias, destacando a sintonia perfeita entre Camila e Rosi Campos —– aliás, vale citar que a grata revelação de “Verdades Secretas” se firmou de vez na carreira vivendo uma caipira fofinha, completamente diferente da sensual Angel.

A vilania de Sandra foi outro ponto alto da história. Flávia Alessandra voltou a trabalhar com o autor que mais a valorizou na carreira e se deu bem novamente com ele, pois a sua personagem era responsável pela movimentação da trama principal e se destacou do início ao fim. As semelhanças com seu papel mais marcante, a Cristina, de “Alma Gêmea”, foram nítidas, como a cor do cabelo e o estilo classudo; entretanto, o escritor se preocupou em diferenciá-las, obtendo êxito. A sobrinha de Anastácia sempre foi a mentora de seus atos e primava pela racionalidade, ao contrário da outra, completamente dependente da mãe, Débora (Ana Lucia Torre), e passional ao extremo. Flávia esteve muito bem e os embates da víbora com a ‘titia’ e Maria eram ótimos, assim como sua parceria com o canalha Ernesto (Eriberto Leão). Outra dupla que funcionou foi Osório e Gerusa, vividos por Arthur Aguiar e Giovanna Grigio. O casal gerou torcida e teve um final tocante, embora triste.



“Êta Mundo Bom!” foi um verdadeiro fenômeno das seis e apenas comprovou que Walcyr Carrasco é mesmo o rei da faixa, apesar de já ter provado ser capaz de emplacar grandes sucessos em todos os horários da Globo. É o escritor mais versátil do país. A retomada da bem-sucedida parceria com o saudoso diretor Jorge Fernando também merece menção e resultou em mais um produto acertado da dupla —- vide “Chocolate com Pimenta”, “Alma Gêmea” e “Caras & Bocas”. A escolha da Globo para reprisá-la é uma estratégia inteligente.

SÉRGIO SANTOS é apaixonado por televisão e está sempre de olho nos detalhes, como pode ser visto em seu blog. Contatos podem ser feitos pelo Twitter ou pelo Facebook.

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