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Pouco mais de um mês no ar e Travessia ainda não disse a que veio. A novela de Glória Perez decepciona principalmente pela trama (fraca e inconsistente, além de repleta de furos) e pelo elenco, no geral bom, mas mal dirigido e tendo de se virar com personagens ruins.
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A piorar, os bastidores ruidosos têm despertado mais o interesse do público do que a própria história – algo que remete à malfadada O Sétimo Guardião (2018-2019), de Aguinaldo Silva, que sofria dos mesmos males.
Abordagem rasa
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A novela se chama Travessia, mas não sai do lugar. Talvez a travessia a que se refira sejam as constantes viagens São Luís-Rio e Lisboa-Rio a que os personagens se submetem, a todo tempo, como se fossem simples, rápidas e baratas as pontes aéreas entre essas cidades.
Em seu lançamento, muito se alardeou a trama, que começava com uma deepfake sofrida pela protagonista Brisa (Lucy Alves). Considerando o currículo de Glória Perez, esperava-se que a autora armasse uma ampla discussão sobre o tema, seus malefícios e consequências para a sociedade, principalmente por causa do atual momento, em que fake news são fartamente usadas para fins políticos.
A expectativa era de que Glória usasse sua história para levantar alguma campanha de conscientização, como já visto com outras temáticas de interesse social abordadas em sua obra. Ou que a abordagem servisse, ao menos, para alertar e informar o público.
Porém, o tema foi tratado de maneira rasa, superficial, insuficiente. Pior: como se fosse uma brincadeira de adolescente – algo até irresponsável ante os tempos que vivemos.
Em menos de um mês, a abordagem sumiu da trama, diluindo-se nas idas e vindas de Brisa, em uma história pouco coerente. O que parecia ser o fio condutor da novela deu lugar a um quadrilátero amoroso e à luta da protagonista pela guarda do filho. No fundo, esta era a história que a autora queria contar, apesar de embrulhada em uma embalagem bem mais interessante.
Em meu texto sobre a estreia da novela, comparei o que sabia até então com as duas últimas tramas da autora. Considerando o apelo popular que despertava, Travessia parecia estar mais para Salve Jorge (2012-2013) do que para A Força do Querer (2017).
Passado um mês, concluo que a novela precisa melhorar muito para se equiparar à questionável Salve Jorge. Os furos de roteiro e as viagens estapafúrdias continuam, mas sem o apelo popular e os personagens carismáticos que Salve Jorge trazia (mesmo com a volta de Donelô, Stenio e Creuza).
Elenco pouco à vontade
O elenco de Travessia é bom. Porém, há algo na direção, influenciado pelo texto da autora, que faz os atores parecerem pouco à vontade, para dizer o mínimo. Rodrigo Lombardi, Chay Suede, Marcos Caruso, Drica Moraes, ninguém está em sua melhor forma. Lucy Alves, coitada, parece nadar e morrer na praia. A personagem pouco ajuda.
É triste ver nomes como Alessandra Negrini, Bel Kutner e Betty Gofman em personagens tão aquém de suas capacidades. Humberto Martins repete o tipo que já viveu várias vezes, só que agora com cara de cachorro que caiu da mudança.
Cássia Kis está bem, acho que Cidália é isso mesmo. Gosto de Vanessa Giácomo e de Indira Nascimento. Ana Lúcia Torre é ótima sempre. Fora os citados, ninguém mais é digno de nota.
O diretor Mauro Mendonça Filho é famoso por tirar leite de pedra, dar dignidade a textos que exigem muito de diretores e atores, vide O Outro Lado do Paraíso (2017-2018), de Walcyr Carrasco. Contudo, em Travessia, tampouco parece haver essa disposição.
Bastidores conturbados
A crise da novela é potencializada por seus bastidores, que geraram uma grande má vontade do público com a produção. A começar pela escalação da influencer Jade Picon. Problema algum a garota participar de uma novela. Sabemos que Jade interpreta ela mesma, faz de conta que tem outra vida tomando atitudes guiadas por um texto.
A questão é o peso de uma personagem importante nas mãos de uma pessoa sem o menor preparo e cacife para tamanha responsabilidade. Por que não ter começado com uma personagem menor?
Outro pomo da discórdia é Cássia Kis. Já antes da estreia, circulavam notícias sobre o assédio da atriz a colegas de elenco por causa de suas ideias políticas e religiosas. A fala homofóbica em uma entrevista na internet desencadeou uma série de protestos, inclusive de atores da Globo junto ao compliance da emissora.
A situação piorou ainda mais com a participação acintosa da atriz em manifestações antidemocráticas. A Globo está sendo cobrada de todos os lados por um posicionamento mais severo em relação a Cássia Kis, afinal, a atriz está no ar e seu comportamento fere as diretrizes da emissora, famosa por ter punido outros profissionais em situações equivalentes.
Cássia já afirmou que Travessia é sua última novela. Contudo, o destino da atriz antes do término deste trabalho tem fomentado mais curiosidade da audiência do que saber se Brisa fica com Ari ou Oto.