Há 37 anos, a Globo reexibia o último capítulo de Voltei Pra Você, folhetim de Benedito Ruy Barbosa para o horário das 18h, com Cristina Mullins e Paulo Castelli. A trama, um tanto quanto esquecida, não deixou boas lembranças para o autor: de acordo com o livro Novela, a Obra Aberta e Seus Problemas, de Fábio Costa, “o desagrado do novelista se deve a ter tido que desenvolver uma história para um elenco que não era o que desejaria, ambientada em um local que não era o seu habitual” – no caso, São João Del Rei, Minas Gerais, eleita locação em razão do trabalho da Fundação Roberto Marinho de restauração de obras e monumentos artísticos da cidade.
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Benedito, porém, deve lembrar com saudade dos textos que dividiu com a filha, Edmara Barbosa, colaborando, pela primeira vez em uma novela do pai. Na ocasião, Edmara esperava o filho, Bruno Luperi, que dividiu com o avô a autoria de Velho Chico (2016); atualmente, desenvolve com a mãe a sinopse de O Arroz de Palma, para às 18h.
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Voltei Pra Você partia de seis personagens de Meu Pedacinho de Chão (1971), coprodução Globo – TV Cultura de São Paulo, revisitada pela primeira em 2014. Da novela de cunho educativo, saíram Coronel Epaminondas e Padre Santo (defendidos pelos mesmos atores, Castro Gonzaga e Percy Aires); também Zelão (na trama de 1971, Maurício do Vale; em 1983, Nelson Xavier), além de Serelepe, Pituca e Tuim – crianças em ‘Meu Pedacinho’ (Aires Pinto, Patrícia Aires e Pelezinho); adultos em ‘Voltei’ (Paulo Castelli, Cristina Mullins e Cosme dos Santos). De início, havia a intenção de reeditar também o matreiro Rodapé (Canarinho), amigo de Zelão.
O enredo tinha início com o regresso de Pedro, o ‘Serelepe’, a São João Del Rei. Quando pequeno, o pobre órfão corria solto pelos campos com Liliane, a ‘Pituca’, filha do Coronel Epaminondas. Ele acabou num internato; ela seguiu para a Europa. Eis que, ao revê-la, Pedro sente seu desejo de vingança sucumbir ao amor: foi para recuperar as terras que eram de seus pais, usurpadas por Epaminondas, que ele decidiu retornar. O conflito se estabelece “de cara”, quando de posse de uma carta da mulher que o criou, Mãe Benta, Lepe afirma que irá brigar judicialmente pela fazenda. E transformá-la em uma cooperativa, com várias famílias extraindo o sustento dali.
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Prejudicada pelo vai-e-vem de diretores – Atílio Riccó, Ary Coslov, Gonzaga Blota e Jayme Monjardim – a trama correu e, 135 capítulos, chegou à última semana, que o TV História relembra abaixo:
Segunda-feira, 12 de março de 1984
“Muro das lamentações” de São João Del Rei, Padre Santo passou a novela toda envolvido com os problemas de sua paróquia; especialmente, os de Pedro das Antas, Liliane e Coronel Epaminondas. Na reta final, contudo, gastou os ouvidos apenas nos ensaios de tuba, seu instrumento predileto. E na última semana conseguiu, enfim, realizar o desejo de “reger” uma banda; bem com o de tocar sua tão famosa tuba na Filarmônica de São João del Rei. Um novo tempo também para o inconsequente Vado (João Signorelli), que acabara de descobrir que a esposa, Valquíria (Carmem Monegal), estava à espera do primeiro filho deles. Filho do delegado Rubens (Leonardo Villar), ferrenho opositor de Epaminondas, Vado aproveita-se da autoridade do pai para “pintar o sete” em São João Del Rei, com a turma do arruaceiro Neto (André di Biasi). Já Vivinha (Thaís de Campos), também filha do “doutor Delega”, começou a história namorando Neto, apaixonou-se por Pedro e, finalmente, subiu ao altar com Camargo (Paulo Figueiredo), advogado que amargava uma depressão “daquelas” – regada a álcool -, reencontrando-se profissionalmente ao defender Lepe nos tribunais.
Terça-feira, 13 de março de 1984
Coronel Epaminondas morreu praticamente dois meses antes do último capítulo, de mal súbito, sentado em sua cadeira de balanço. Neste momento, Pedro estabeleceu a luta pela posse de terras com Liliane, que, lamentavelmente, herdou a prepotência do pai. A indisposição era tamanha que, mesmo após ‘Pituca’ doando sangue ao amado, ele não conseguiu perdoá-la – pesou aí o ciúme que aflorou ao ver a moça próxima do médico Joãozito (Osmar Prado). Ela então “endureceu o jogo”: de posse das escrituras das terras das Antas, determinou a saída imediata dos cooperativados de lá; caso de Tuim, Zelão e de seu aliado, Januário (Gilberto Martinho), sogro deste último e ex-capanga de Epaminondas. Eis que, durante o casamento de Vivinha e Camargo, ‘Serelepe’ pede para conversar com a ex, decidida a vender a fazenda. Enquanto isso, Joãozito deixava São João, para desespero da apaixonada Maraísa (Denise Dumont).
Quarta-feira, 14 de março de 1984
Devido à desatenção do médico, que não abasteceu o carro, Maraísa consegue intercepta-lo na estrada. A partida da moça, de compromisso com o bom partido Dudu (Denis Derkian) – convertido em herdeiro do pai de Neto, após a morte deste – é assunto dominante na cidade; Vivinha e Camargo mal chegam da lua-de-mel no Rio de Janeiro e já são informados a respeito do último “bafão” por Maruca (Neuza Amaral), mãe dela. Pedro, que havia abandonado a cooperativa logo após o episódio da doação de sangue, relembra o passado ao lado de Liliane. É quando o inevitável acontece: o casal, que esteve envolvido em boatos sobre a vida mundana que ela levava na Europa – incluindo um marido que ninguém sabia, de fato, se havia existido – acerta os ponteiros, enfim. O gancho para o penúltimo capítulo é justamente o pedido de casamento que ‘Serelepe’ faz a ‘Pituca’. A união se deu logo no início do episódio seguinte, tendo apenas Rubens, Maruca e um casal de roceiros por testemunhas…
Quinta-feira, 15 de março de 1984
Com o destino do casal protagonista já selado, Benedito Ruy Barbosa concentrou a ação dos dois últimos capítulos em personagens periféricos, que ganharam relevância no decorrer da narrativa. Caso de Curió (Ruy Rezende) e dona Paciência (Maria Alves). Os dois eram casados no civil, mas Paciência, sempre constrangida com a embriaguez de Curió, hesitava em comentar esta lamentável união. Abnegada, ela sustentava a casa com muito esforço, prestando serviços domésticos para as famílias mais abastadas de São João Del Rei, até ganhar uma fortuna na loteria – cujos jogos eram feitos por dona Clotilde (Íris Bruzzi), também sócia do marido Neno (Felipe Carone) em um bar). O marido então se arranjou: colocou em prática tudo o que leu durante o período em que esteve preso – tornando-se a voz do autor, na explanação de ideias a respeito da vivência em sociedade, de representação política e de democracia (naquele 1984 que assistia aos protestos por eleições diretas). Paciência, contudo, se ressentia por não ter se casado no religioso. Foi Padre Santo quem convenceu o “livre” Curió a “se amarrar” diante de um altar – com a esposa trajando, como de praxe, véu e grinalda.
Sexta-feira, 16 de março de 1984
Aqui, foco nas divergências de Zelão e do sogro Januário. Enquanto o primeiro almejava fazer fortuna plantando milho, o segundo queria mesmo era encher a propriedade de pastagem para o gado. Os conflitos se acentuavam com as interferências de Tuim, melhor amigo de Zelão, mas partidário de Januário nas questões referentes à terra. Naquele último capítulo, Januário e Zelão esperavam ansiosos pela chegada dos bebês de Lucinha (Elizangela). A esposa de Zelão pariu três crianças! Dentre estas, um varão, para a alegria do vovô Januário. Por fim, ‘Serelepe’ e ‘Pituca’ decidiram deixar a cidade, logo após o casamento de Curió e Paciência. Na última cena, todos os personagens acompanharam o desfile de Padre Santo e sua banda pelas ruas de São João Del Rei…