Clássico da TV brasileira, Anos Dourados (1986) chegou na última segunda (09) ao Globoplay. A coluna lista várias curiosidades da minissérie, uma das campeãs de audiência do gênero graças ao texto de Gilberto Braga, ao desempenho do elenco e ao retrato de uma época de hipocrisia e repressão, mas também de encanto e romantismo.

Anos Dourados

Anos Dourados foi concebida por encomenda. A Casa de Criação Janete Clair, então responsável por selecionar sinopses para a Globo, desenvolveu o projeto “Nosso Tempo”, voltado para minisséries sobre diferentes períodos da história do Brasil. Gilberto Braga ficou encarregado de escrever sobre a época em que o país era governado por Juscelino Kubitschek (de 1956 a 1961).

Apenas a sinopse de Anos Dourados agradou à direção da emissora. As outras propostas do segmento “Nosso Tempo”, que compreendiam as décadas de 1940, 1960 e 1970, foram engavetadas.

A trama da minissérie já estava desenhada na cabeça do autor, quando veio o convite da Casa de Criação Janete Clair. Durante um jantar com Marcos Paulo e Malu Mader, recém-saídos de Corpo a Corpo (1984), novela de sua autoria, Gilberto imaginou a moça vestida de normalista. A partir desse “devaneio”, nasceu Lurdinha.

Moralismo

Anos Dourados

Para compor o painel de Anos Dourados, Giba promoveu debates com homens e mulheres que viveram a adolescência no período retratado. Todos lamentaram o moralismo da época. Hugo Carvana, um dos “debatedores”, porém, ressaltou, conforme relato de Gilberto Braga ao jornal O Globo:

“Nós abrimos a porta para uma geração nitidamente melhor que viria depois. Então, quando você tratar da gente, por favor, trate com carinho, com muito afeto”.

O autor, em entrevista ao Jornal do Brasil, declarou:

“A série olha o passado com uma visão atual. Fala de ontem para entender o presente”. E complementou, em O Globo: “Sob certos aspectos, o programa é uma denúncia, pois o tema é a hipocrisia de uma certa classe média, mas feita com enorme carinho”.

Sobre as declarações acima, Gilberto chegou a relatar o questionamento da atriz Yara Amaral – em um de seus melhores trabalhos, como a mãe repressora Celeste: “Você sente ternura por ela mesmo quando ela é ridícula, não sente?”. Foi Celeste quem vociferou os maiores absurdos dos moralistas de Anos Dourados, como “Posso me orgulhar de poucas coisas na vida, mas aqui em casa nunca entrou desquitado!”.

Cláudio Corrêa e Castro, o Carneiro, marido de Celeste e pai de Lurdinha, deixou o elenco de Sinhá Moça após o convite para Anos Dourados. Sérgio Viotti assumiu o papel reservado para o colega na novela das seis, o do Frei José.

Anos Dourados

Ângela Leal declinou da proposta para a minissérie, atendendo ao chamado da Manchete para Novo Amor. Tânia Scher herdou a personagem, Marieta. Tipo entregue a Tânia antes dela ser deslocada para Marieta, Abigail ficou com Maria Lúcia Dahl.

O elenco provisório contou ainda com Paulo José na pele de Morreu (Milton Moraes) e André Felipe como Lauro (Rodolfo Bottino). Antonio Fagundes, Raul Cortez e Tarcísio Meira foram cotados para Dornelles (José de Abreu).

Mudanças no roteiro

Anos Dourados

O autor acompanhou a primeira gravação, no Instituto de Educação, onde havia cursado o jardim de infância e o primário. Giba relatou ao jornal O Globo que sua primeira ação ao chegar à locação foi procurar a horta que havia plantado na época de estudante, nos fundos do colégio.

“Não havia mais horta. […] Mas a gente estava plantando a série que tocou tanta gente”.

Apesar de o roteiro ser aclamado por público e crítica, Gilberto Braga confidenciou, posteriormente, que gostaria de fazer alterações no desenrolar da narrativa. Por ocasião da primeira reprise, em 1988, o autor comentou, no mesmo O Globo, sobre o mistério em torno da morte de Olivério (Arthur Costa Filho):

“Daniel Filho e Ângela Carneiro me falaram desde a sinopse: ‘Acho que não precisa de crime’… Estavam certos”.

A primeira reapresentação de Anos Dourados, aliás, gerou polêmica. A edição rifou do último capítulo a narração de Paulo César Pereio que revelava o que acontecera aos principais personagens nos anos 1960 e 1970. O público questionou a Globo, por meio dos jornais, sobre o corte.

Anos Dourados

Mesmo tendo indo ao ar apenas dois anos após o término da exibição original e em horário mais tardio (23h15), a reprise de Anos Dourados alcançou expressivos 56% dos aparelhos de TV ligados em São Paulo. Essa reapresentação, aliás, seguia o modelo então implantado para as minisséries, com exibição de terça a sexta-feira – a original foi ao ar de segunda a sexta.

Anos Dourados também foi reexibida nas tardes de 1990, em 10 capítulos, na faixa Festival 25 Anos, logo após o Vale a Pena Ver de Novo. Essa versão foi reapresentada pelo Multishow em 2005, na comemoração dos 40 anos da Globo.

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Última aparição

José Lewgoy

Nesta época, a Globo Vídeo lançou Anos Dourados em VHS: duas fitas com cerca de quatro horas e meia de duração. Em 2003, a minissérie foi lançada em DVD, com edição de Gilberto Braga e Roberto Talma.

Os extras do DVD trazem uma preciosidade: a última aparição em vídeo de José Lewgoy, falecido em fevereiro de 2003. O ator relata que recebeu um dos maiores elogios de sua carreira com essa minissérie, na qual vivia o Brigadeiro Campos:

“Foi de um militar, que falou que gostou da minha atuação porque eu não fui revanchista: ‘Você nos representou como nós éramos mesmo’”.

Também no DVD, Nívea Maria comenta que o convite para viver Beatriz coincidiu com a perda de sua mãe:

“Quando eu vi as primeiras cenas, eu estava ali quase que representando minha mãe. […] A alegria da personagem, a tristeza da personagem, a dedicação àquele marido, o amor aos filhos e talvez, o medo e a submissão ao pai”.

Concorrência

Anos Dourados

Ainda nos extras, Roberto Talma, diretor de Anos Dourados, relata que a produção foi adiantada em aproximadamente 45 dias, em virtude do avanço da Manchete na faixa noturna, provavelmente devido ao êxito de Dona Beija.

Talma inspirou Taumaturgo Ferreira a criar o gesto que sucedia os comentários de Urubu sobre mulheres e sexo: algo como cuspir na mão, arrematado com um estalar de dedos. O diretor “executou” a cuspida após uma gravação de Taumaturgo, que incluiu o gesto em sua cena seguinte, acrescentando o estalar de dedos.

A produção musical de Anos Dourados ficou a cargo de Gilberto Braga. Ele aguardava o término do trabalho de edição para sonorizar os capítulos, ao lado dos profissionais da sonoplastia e de Paulo Sérgio Saraceni, diretor musical.

O que pouca gente sabe é que durante este trabalho, Gilberto acabava atuando também como diretor. Ao ver o capítulo, ele optava por cortar um plano, uma fala ou até mesmo modificar a ordem das cenas. E sempre pedia o aval de Roberto Talma para executar tais ações, até que este lhe deu carta branca para fazer o que achasse conveniente.

Trilha sonora

Gilberto Braga

As 14 faixas da trilha sonora de Anos Dourados foram escolhidas por Giba a partir de uma lista de 50 músicas:

“Levei minha vida inteira para fazer essa seleção e duas horas para montar o disco”.

Anos Dourados foi a primeira minissérie da Globo a ter sua trilha lançada em CD. Na verdade, um relançamento por conta da reprise de 1988.

Foi a primeira capa de Malu Mader, que viria a estampar as trilhas de outras novelas e minisséries nos anos seguintes, tornando-se uma das recordistas em ensaios do gênero.

Aliás, as fotos que ilustram o LP, de certa forma, refletem o comportamento do casal Lurdinha e Marcos (Felipe Camargo). Na capa, os dois surgem com trajes de festa, recatados como convinha à sociedade vigente; na contracapa, estão despidos e abraçados.

Destaques

Anos Dourados

Anos Dourados marcou a estreia de Camargo na TV. O sucesso foi tão grande que, antes do término da minissérie, o ator já havia sido convidado para viver Pedro, um dos personagens centrais de Roda de Fogo. Já Malu Mader, para romper com a imagem de boa moça que Lurdinha lhe conferiu, voltou à TV no ano seguinte, como a desbocada Glorinha da Abolição, de O Outro.

O êxito da minissérie levou a Globo a apostar em temática semelhante, com a estreia de Bambolê às 18h, em 1987. Gilberto Braga chegou a auxiliar o autor Daniel Más na composição do folhetim.

O cabelo de Glória, personagem de Betty Faria, foi sugerido pela própria atriz. A equipe de criação ainda hesitava em pedir que Betty cortasse o cabelo quando foi surpreendida por ela, já caracterizada, inspirada por uma foto da atriz Gina Lollobrigida.

A rua de um condomínio em Jacarepaguá serviu de cidade cenográfica para a minissérie. Os postes foram pintados de preto – já que na década de 50, não havia postes de cimento, apenas de ferro.

Mesmo como tanto esmero, houve quem apontasse deslizes na produção, como a presença nos cenários de refrigerantes em lata e de um liquidificador Walita, inexistentes nos anos 1950.

Até a estreia de Memorial de Maria Moura (1994), Anos Dourados ostentava o título de maior audiência entre as minisséries da Globo.

Antes de chegar ao Globoplay, Anos Dourados foi reprisada pelo Canal VIVA, na íntegra, em duas ocasiões: em 2011, para comemorar o primeiro aniversário do canal, e em 2013, por conta da mesma efeméride, devido ao seu êxito de audiência – a minissérie mais vista do VIVA até então.

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Apaixonado por novelas desde que Ruth (Gloria Pires) assumiu o lugar de Raquel (também Gloria) na segunda versão de Mulheres de Areia. E escrevendo sobre desde quando Thales (Armando Babaioff) assumiu o amor por Julinho (André Arteche) no remake de Tititi. Passei pelo blog Agora é Que São Eles, pelo site do Canal VIVA e pelo portal RD1. Agora, volto a colaborar com o TV História.