Reedição de Água Viva, jovens talentos e audiência em alta: os bastidores de Marina

– Para conceber Marina, novela das 18h encerrada há exatos 37 anos, o autor Wilson Aguiar Filho tomou por base o romance juvenil ‘Marina, Marina’, de Carlos Heitor Cony e Sulema Mendes. Em entrevista ao Jornal do Brasil, na véspera da estreia do folhetim (25 de maio de 1980), Cony disse acreditar que a trama fundamental de seu livro resultaria numa ótima novela, embora a obra não fosse representativa em sua carreira.

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– Na narrativa televisiva, Aguiar Filho deu ênfase à mudança de Marina (Denise Dumont) – da pacata ilha em que vivia com o pai para a agitada zona sul carioca – e aos conflitos externos e internos que tal transição causou.

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– Personagens minúsculos no livro foram “superdimensionados” na televisão. O autor também criou novos tipos e preencheu praticamente todas as relações “interpessoais”, com divergências ideológicas, intrigas, enganos e paixões.

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– Destaque para a abordagem do preconceito racial, através de Lelena (Íris Nascimento), colega de Marina no colégio onde sua mãe, Leila (Léa Garcia), leciona história. A jovem se envolve com o branco Luís (Haroldo Botta), filho de Otávio (Antônio Patiño) e Anita (Beatriz Lyra) – os padrinhos que acolhem a protagonista no Rio de Janeiro. No último capítulo, o amor de Lelena e Luís foi coroado com a chegada de um filho.

– Foco também na relação doentia de Donana (Suely Franco) e Mário (Milton Moraes). Ela trabalhava para sustentar em casa, enquanto ele – machista e alcoólatra – a destratava. Os dois eram pais de José (Fábio Junqueira), mecânico que ambiciona viver da escrita. E que se envolve com Fernanda (Beth Goulart), a herdeira dos ricaços Armando (Roberto de Cleto) e Rita (Célia Biar).

– Fernanda, por sua vez, cai de amores por Carlos Eduardo (Oswaldo Loureiro). O ambicioso empresário gostava mesmo era de mulheres mais novas; já sua secretária, Marlene (Glauce Graieb), cansada de ser rejeitada pelo patrão, acaba cedendo aos apelos de Ivan (Edson Celulari). O jovenzinho instrutor de hipismo, de origem humilde, fez fama após ser contratado por Carlos Eduardo, que o queria montando seus cavalos.

– Falou-se também em feminismo, ascensão social, relacionamento de filhos de pais separados e convívio de vizinhos – a solitária Felícia (Lourdes Mayer) estava sempre de papo com as colegas de bairros, Donana e Matilde (Maria Pompeu).

– Com Marina, a Globo buscava reeditar às 18h o sucesso de Água Viva, às 20h. O folhetim de Gilberto Braga turbinou o horário mais nobre com uma trama sobre empoderamento feminino, corpos em trajes sumários e externas em locais paradisíacos. A novela de Wilson Aguiar Filho seguia fórmula similar – de acordo com o que a faixa permitia, claro.

– Até mesmo a ênfase em um determinado esporte veio do êxito de Água Viva: o windsurfe que preenchia os capítulos e ilustrava a abertura da novela das 20h foi substituído pelo hipismo. Na vinheta, as velas e pranchas deram lugar a equinos.

– Também as praias, não só representadas pelas areias escaldantes do Rio de Janeiro, como pela paradisíaca ilha em que Marina vivia nos primeiros capítulos, em contato direto com a natureza e próxima apenas do pai Estevão (Carlos Zara) e do amigos Tonho (Fábio Mássimo).

– Estevão levou a filha para a ilha na intenção de resguardá-las dos boatos acerca da morte de Rosa, sua esposa. O mistério em torno da morte da personagem conduziu boa parte da narrativa. Havia a oposição do escritor a Carlos Eduardo – pai de Marcelo (Lauro Corona), por Marina se apaixonava – e o sentimento de culpa de Sônia (Norma Blum), amiga da falecida.

– Curiosamente, haviam duas “Sônias” na novela: a que, mesmo corroída pela culpa, ensaiava se unir ao viúvo de sua melhor amiga; e Soninha (Monique Curi), a filha caçula de Otávio e Anita.

– Na virada do capítulo 100, Wilson Aguiar Filho começou a elucidar tal enigma: em sequências de flashback, o público descobriu que Rosa fora namorada de Carlos Eduardo, que preferiu casar-se com Estevão e que Sônia era amante deste. O caso extraconjugal foi mantido mesmo durante a convalescência da mãe de Marina que, sentindo-se sozinha (enquanto o marido e a amiga se encontravam na clandestinidade), acabou se suicidando.

– Para as cenas de Rosa, a Globo recrutou a jovem Mônica Torres, estreante em novelas da casa. A atriz já havia participado de A Conquista, na Cultura, e em esquetes do Chico City (1973).

– Do departamento de teledramaturgia da Tupi, encerrado em fevereiro, a Globo recrutou os promissores Edson Celulari e Beth Goulart e já consagrada Glauce Graieb, irmã da atriz Nívea Maria. Ainda, Carlos Zara, que permaneceu na “pioneira” até seus últimos suspiros; era ele o diretor de Maria Nazaré, novela de Teixeira Filho que a emissora chegou a começar a gravar, semanas antes de seu fim.

– Também Haroldo Botta, que participou ainda criança de novelas como Meu Pé de Laranja Lima (1970), Mulheres de Areia (1973), A Barba Azul (1974) e A Viagem (1975) – todas de Ivani Ribeiro.

– Para os protagonistas, Denise Dumont e Lauro Corona, escalados em razão do bom desempenho, respectivamente, em Marron-Glacé (1979), como Andréa, e Os Gigantes (1979), como Polaco. Élida L’Astorina servia de contraponto ao casal: Vera, sua personagem, era a ex-namorada de Marcelo, que não admitia seu relacionamento com “caiçara” Marina.

– Herval Rossano, então responsável pelo núcleo das 18h, buscou inovações no tratamento dado à novela. Contudo, a opção do diretor por cenas rápidas (algumas com menos de um minuto), com diálogos entrecortados, acabou por frustrar boa parte do público e da crítica. O expediente já havia sido adotado (e questionado) em Gina (1978), outra novela da faixa pouco lembrada pelos telespectadores em geral.

– Os vestidos jeans com cinto branco e as tiaras utilizadas por Marina refletiam a moda das ruas do Rio de Janeiro. Assim como o cabelo em camadas de Vera.

– O então praticamente anônimo Lulu Santos respondeu pela pesquisa de repertório da trilha sonora, que contava com 12 faixas e nomes como Ivan Lins, Joyce, Marina, Oswaldo Montenegro, Pepeu Gomes e Tim Maia.

– O tema de abertura, ‘Sol de Primavera’, foi reeditado em A Padroeira (2001): saíam os vocais de Beto Guedes, dando voz a uma desconhecida Kika.

– O título também foi reutilizado. A Globo já havia produzido uma novela com este nome, em 1965. A obra, de apenas 15 capítulos, foi escrita por Leonardo de Castro e estrelada por Maximira Figueiredo. Em 1991, a emissora batizou de Marina um episódio da série Caso Especial, com Adriana Esteves e Bruno Garcia.

– Em suas últimas semanas, Marina atingiu cerca de 47% de audiência, sendo superada apenas pelo Jornal Nacional e pela novela das 20h, Coração Alado (de Janete Clair); e estando empatada com o cartaz das 19h, Plumas & Paetês.

– Um dos mais respeitados críticos de TV desta época, Artur da Távola (do jornal O Globo), assim definiu Marina, numa análise após o último capítulo: “A novela Marina, terminada esta semana poderia ter esse subtítulo: a dor de começar a viver. A margem dos acontecimentos de uma trama intensa e variada (até demais, o que prejudicou a história), o importante na obra de Wilson Aguiar Filho talvez tenha sido a grande proposta de vida e o grande susto de começar a viver de inúmeros jovens. Esta deve ter sido uma das razões do êxito da novela. Vários jovens de nossos dias com ideias, vocabulário e enfoque contemporâneo começando a enfrentar a vida, a se defrontar com os desencontros de amor, a procurar o próprio espaço vital e existencial.“.


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