Record tentou fazer nova A Próxima Vítima, mas acabou se dando mal

14/09/2022 às 12h15

Por: Duh Secco
Imagem PreCarregada

A teledramaturgia da Record já viveu momentos bem mais criativos do que este de agora, dominada por folhetins bíblicos que mais apostam nas firulas dos efeitos especiais do que em enredos interessantes.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

A Próxima Vítima

Tentativa da emissora de repetir o fenômeno observado em A Próxima Vítima (foto acima), Tiro e Queda estreava em 14 de setembro de 1999. A trama, que chegou ao fim no dia 7 de fevereiro de 2000, é um belo exemplo desta época de recursos modestos e ideias bacanas. A novela, porém, não fez sucesso – uma lástima!

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Desde 1997, a Record tentava implantar seu núcleo de teledramaturgia, com minisséries doutrinárias exibidas dentro de evangélicos do tipo Fala Que Eu Te Escuto ou em faixas como Caminhos da Esperança. Neste ano também, a emissora lançou Canoa do Bagre, trama litorânea que também contava com merchandising da Igreja Universal do Reino de Deus.

Louca Paixão

LEIA TAMBÉM:

Em 1998, o canal estabeleceu parceria com a JPO, produtora de José Paulo Vallone, superintende artístico e de programação da Record TV. Em maio daquele ano, estreou o primeiro fruto desta união – Estrela de Fogo (foto acima), folhetim rural que lançou o promissor autor Yves Dumont. O êxito desta primeira empreitada motivou a segunda investida, Louca Paixão (1999), que chegou aos dois dígitos de audiência.

Ousadia

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Veio então a ousadia: uma novela ‘menos romântica”, que apostava forte no humor e cuja base partia das histórias policiais: Tiro e Queda. A intenção era repetir o êxito de A Próxima Vítima (1995), clássico de Silvio de Abreu, concebido para o horário das 20h da Globo.

Yves Dumont passou de titular a supervisor. Luís Carlos Fusco, colaborador de Cassiano Gabus Mendes – em novelas como Brega & Chique (1987) e Que Rei Sou Eu? (1989) – respondia pelo roteiro, em parceria com Vivian de Oliveira, autora das bíblicas Os Dez Mandamentos e Apocalipse.

O enredo foi concebido a partir de uma novela de rádio inglesa Done Deal (Negócio Feito, em tradução literal), de Benjamim Wallace, adquirida pela emissora em um pacote de textos dos anos 1950. A imprensa, contudo, chegou a cogitar a possibilidade de Benjamim Wallace ser apenas um pseudônimo de Yves Dumont, considerando este o verdadeiro autor do argumento, a partir dos nomes de um sonoplasta e um editor da Record – Benjamim e Wallace.

Fábio Jr., então apresentador de um programa de variedades na faixa nobre do canal, chegou a ser cogitado para uma participação especial, como o milionário Raul Amarante (John Herbert), assassinado no primeiro capítulo. Elizângela, destaque em A Força do Querer (2017), também aparecia na primeira lista de elenco. Mylla Christie já gravava Suave Veneno (1999) quando foi chamada para a novela. Gilvânia, a personagem da atriz na trama das 20h, de Aguinaldo Silva, foi entregue a Samara Felippo.

A trama

No primeiro capítulo, Raul Amarante (John Herbert) promove um jantar em sua mansão. O empresário, portador de uma doença incurável, reúne a mulher Isabel (Lucinha Lins), o sócio Júlio Beline (Paulo César Grande) – casado com Vanessa (Myrian Rios) – e outros seis convidados para falar sobre seu testamento, formatado pela dupla Aranha (Cláudio Mamberti) e Xuxu (Cláudio Curi). Os bens de Raul ficarão indisponíveis por sete anos; só após esse período, a segunda parte do documento será revelada. Ao terminar o jantar, todos vão para a sala de estar, onde Amarante aparece morto: ele leva um tiro no momento em que as luzes do cômodo se apagam de repente. Contratado para servir os convidados, o garçom Neco (Giuseppe Oristânio) se vê envolvido na cena do crime.

Meses antes da abertura do testamento, os herdeiros começam a se deparar com condições esdrúxulas impostas por Raul para que tenham acesso a fortuna. Todos eram obrigados, por exemplo, a cantar, uma vez por mês e diante do túmulo do empresário, sua música preferida, ‘Night and day’, de Cole Porter. Outras ordens foram deixadas por ele em LPs ou livros, como a publicação em chinês que orientava o casamento de Daniela (Mylla Christie), sua caçula, com Gabriel (Fausto Maule), filho de Júlio e Vanessa.

Eis que uma série de assassinatos, envolvendo pessoas diretamente ligadas aos Amarante, passa a ocorrer. As vítimas sempre recebem uma rosa vermelha antes de serem atacadas – em A Próxima Vítima, os assassinados recebiam uma lista com o horóscopo chinês.

Quem morreu

Reinaldo Gonzaga

Foram alvos do misterioso assassino, além de Raul:

– Rogério (Reynaldo Gonzaga), no capítulo 19. Casado com Lúcia (Angelina Muniz), affair de Raul, e suposto pai de Mariana (Vanessa Vholker), eletrocutado durante o banho.

– Vitor Magalhães (Denis Derkian), no capítulo 35. O cunhado oportunista de Raul planejava tomar posse da herança antes dos herdeiros de fato. Morreu atropelado.

– Gabriel, no capítulo 54. O assassinato mais comentado da produção: a caminho de seu casamento com Daniela, o jovem é baleado dentro do carro, caindo no colo da mãe Vanessa. Sequência, figurinos e até o veículo remetiam ao atentado que vitimou o presidente estadunidense John F. Kennedy, em 1963.

– Paula (Rosana Muniz), no capítulo 84. Secretária das empresas de Raul e Júlio, que fazia jogo duplo entre os dois. Foi picada por uma cobra que Cláudia (Sônia Lima) alugou para participar de um baile à fantasia; o animal peçonhento foi levado pelo assassino até à biblioteca da mansão dos Amarante, onde Paula dormia.

– Cláudia, no capítulo 115. A tresloucada perua, irmã de Raul e esposa de Vitor, foi envenenada com cianureto, misturado ao seu suco.

Câmera subjetiva

Os diretores Jacques Lagoa e Rodolfo Silot reforçaram o suspense com a câmera subjetiva – aquela em que o telespectador tem a sensação de estar enxergando pelos olhos do personagem. A tensão, contudo, se esvaía nas intenções da cena, com personagens entrando em ação, cercados por esta aura de mistério, para transmitir informações banais.

Como a trama policial não empolgou, os autores concentraram os conflitos nas tramas românticas. A viúva de Raul, Isabel, se unia a Neco, então convertido em um próspero dono de padaria no bairro de Santana, zona norte de São Paulo. Já Daniela se apaixonava por Toninho (Jorge Pontual), filho de Neco, convencido a se casar com Mariana, que simulava estar grávida.

Faltou graça nos núcleos de humor, como o da cartomante Néia (Grace Giannoukas), dos mecânicos Roda Presa (Milton Levy) e Rodinha (Maurício Agrella) e da piriguete Adriana (Guilherme Guinle), filha de Neco, envolvida com o padeiro Pão Doce (Eri Johnson). Destaque apenas para Conceição (Geórgia Gomide), a aloprada sogra de Neco. Para reforçar esta parcela da produção, os roteiristas providenciaram a chegada de Basílio (Fernando Eiras), que enlouquece as mulheres de Santana. Aliás, ‘Tão bem’, clássico de Lulu Santos na voz do Jota Quest, chegou a tocar nas cenas de Adriana, mas não entrou para a trilha sonora da novela.

Também breves participações da atriz Tânia Alves, os atores Antônio Petrin e Adriano Reys e a apresentadora Adriana de Castro, que então conduzia os telejornais da Record TV. Além de Edmarzinho, filho da atriz Myrian Rios, adotado por sua personagem.

Baixa audiência

A Indomada

Os índices, contudo, não reagiam. Tiro e Queda não conseguiu ultrapassar os 5 pontos, seu maior número – exceto na estreia (8) e no segundo capítulo (7). Em contrapartida, o SBT, principal concorrente no horário, ameaçava o Jornal Nacional com as mexicanas A Usurpadora e O Privilégio de Amar, que chegavam a atingir médias em torno dos 20 pontos.

A novela acabou encurtada em cerca de 20 capítulos – ao custo de R$ 45 mil cada. Estreou numa terça-feira, 14 de setembro; foi encerrada na segunda-feira, 7 de fevereiro. Foi também o fim da parceria da JPO com a Record TV. Para cobrir o buraco na grade – até a estreia de Marcas da Paixão, produção própria -, a emissora reexibiu a minissérie Por Amor e Ódio (1997), de Vivian de Oliveira.

No último capítulo, Carolina (Karla Muga), em surto, revelou ter cometido os assassinatos da “rosa vermelha”. Filha do motorista dos Amarante, Alfredo (Laerte Morrone), ela planejava vingar-se das humilhações que sofrera por conta de sua aparência e aumentar a participação de seu pai na herança, com a morte de outros beneficiários.

A trama de Carolina foi inspirada no clássico Sabrina (1954): a filha do motorista de um milionário viaja para a Europa; quando volta, encanta os dois filhos do patrão – no caso, Renato (Cláudio Lins) e Marcelo (Cláudio Fontana). Alfredo e Renato, aliás, protagonizaram os outros finais gravados para a trama, nunca exibidos.

Autor(a):

Utilizamos cookies como explicado em nossa Política de Privacidade, ao continuar em nosso site você aceita tais condições.