“Rancor no coração”: como Jô Soares e Silvio Santos se uniram para atacar a Globo
24/08/2022 às 16h45
Se atualmente vemos diversos comerciais estrelados por artistas de outras emissoras nos intervalos da Globo, até tempos atrás não era assim. A emissora líder barrava anúncios publicitários protagonizados por astros de concorrentes, principalmente aqueles que deixavam o canal. A situação começou a mudar somente após a ida de Jô Soares para o SBT, em 1988.
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Antes disso, o primeiro caso notório foi o de Sérgio Chapelin. Em 1983, o então apresentador de atrações como Jornal Nacional, Fantástico e Globo Repórter partiu para o SBT para tentar a carreira de animador de auditório.
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Durante um ano, comandou o programa semanal Show Sem Limite com boa audiência, ganhando 8 milhões de cruzeiros por mês – seis vezes mais do que ganhava na Globo – e ainda podendo atuar em comerciais.
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Ao final do contrato de um ano, além de uma insatisfação pessoal que já retratamos em outra coluna, Chapelin chegou a Silvio Santos e disse que a mudança não surtiu tanta diferença em seus rendimentos mensais. Mesmo ganhando bem, ele não conseguia novos comerciais, já que os mesmos eram barrados pela Globo.
E poucos anunciantes se dispunham a investir em campanhas que não seriam exibidas na maior emissora do País, que naquela época praticamente dominava o ranking de audiência.
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O desabafo de Jô Soares
Contratado pelo SBT no final de 1987 para estrelar o humorístico Veja o Gordo e o talk-show Jô Soares Onze e Meia a partir do ano seguinte, Jô Soares foi ao Troféu Imprensa 1988 receber a premiação referente ao ano de 1986 das mãos de Silvio Santos.
Um dia antes da gravação do programa, Jô Soares escreveu um artigo no Jornal do Brasil e pediu licença a Silvio Santos para ler o texto. O animador prontamente concordou.
“Eu acho que talvez seja a coisa mais importante do Troféu Imprensa deste ano”, disse o dono do SBT.
Leia trechos do artigo:
“Em 1947, os grandes produtores de Hollywood se reuniram no hotel Waldorf Astoria, em Nova York, e resolveram que artistas com tendências políticas em desacordo com seu ideário não trabalhariam mais em filmes. Surgia a lista negra e a consequente caça às bruxas.
Com impecável senso de oportunidade, a TV Globo escolheu exatamente o momento da Constituinte no Brasil para inaugurar sua lista negra. Quem sair da emissora sem ter sido mandado embora corre o risco de não poder mais trabalhar em comerciais, sob a ameaça de que estes não serão lá veiculados. Como a rede detém quase o monopólio do mercado, os anunciantes não ousam nem pensar em artistas que possam desagradá-la.
Que as chamadas de “O Gordo Ao Vivo” não passariam na emissora eu já sabia desde outubro, pelo próprio Boni, que me disse em sua sala quando fui me despedir: ‘Já mandei tirar todos os seus comerciais do ar. Chamadas do seu novo show no Scala 2, também, esquece. Estou vendo como te proibir de usar a palavra gordo’. Claro que esta última ameaça ficou meio difícil de cumprir: a megalomania ainda não é lei fora da Globo.
Escrevo, isso sim, porque atores que trabalham no meu programa, como Eliezer Mota, como Nina de Pádua, foram vetados em comerciais. As agências foram informadas, não oficialmente, é claro – como acontece em todas as listas negras – que suas participações não seriam aceitas.
É triste, nesse momento, em que se escreve diariamente a democracia no Congresso, que uma empresa que é concessão do Estado, cerceie, impunemente, o artista brasileiro, de um modo geral já tão mal remunerado.
Finalmente, eu gostaria de dizer que Silvio Santos foi tremendamente injusto quando chamou Boni numa entrevista de “office-boy de luxo”. Nenhum office-boy consegue guardar tanto rancor no coração”.
Silvio Santos concordou com o texto de seu mais novo contratado e completou:
“Eu faço minhas as suas palavras. E é uma pena, senhores telespectadores, que uma rede de televisão com este comportamento ainda seja a primeira colocada em audiência em todo o Brasil e uma das melhores emissoras de televisão do mundo. É uma pena que a Rede Globo de Televisão tenha esse procedimento. É uma pena. Queira Deus que o doutor Roberto Marinho seja mais uma vez iluminado para que estas atitudes não sejam frequentes na Rede Globo de Televisão”.
Silvio Santos versus Roberto Marinho
A guerra continuou. Ainda em 1988, no Show de Calouros, Silvio Santos voltou ao assunto, citou o caso de Sérgio Chapelin e mandou um recado para Roberto Marinho, dizendo que o proprietário da Globo já estava “mais para a eternidade do que para a vida” – vale lembrar que Marinho morreu em 2003.
“Doutor Roberto, será que o senhor não vai convencer os seus diretores? A sua esposa, que está lhe vendo, os seus filhos, que vão tomar conta da Rede Globo? O senhor é um homem polido, que não precisa de mais nada.
Precisa estar em paz com Deus, para que Deus o receba logo, logo em seus braços. Será que o senhor não vai convencer os seus diretores a deixar qualquer artista fazer comerciais na Globo quando o artista quer sair e recebe uma oferta da Bandeirantes, da Manchete, da Record, do SBT…
A nossa luta é pela sobrevivência. O senhor não precisa mais de dinheiro, tenho certeza, eu também não. Mas os nossos funcionários precisam do dinheiro”, declarou, emendando com outros exemplos, durante quase 10 minutos.
Coincidência ou não, a pressão surtiu efeito. Nos anos 1990, comerciais com o próprio Jô Soares passaram a ser exibidos na Globo. A emissora até fez uma ação inédita em 2003, quando Faustão e Gugu Liberato dividiram a tela juntos, ao vivo, na Globo e no SBT, para uma ação da Nestlé.
Atualmente, ainda mais em tempos de crise, é comum ver na Globo anúncios estrelados por Ana Hickmann, Rodrigo Faro, Sabrina Sato, Celso Portiolli, além de produtos como a Telesena, de Silvio Santos. Os tempos, enfim, mudaram…