Pantanal colocou o nome da TV Manchete para sempre na história da teledramaturgia brasileira. E, agora, tem resgatado o público do horário nobre da Globo, que andava em baixa após reprises e o parco desempenho de Um Lugar ao Sol. No entanto, esta última emissora demorou a reconhecer a força do texto de Benedito Ruy Barbosa, rejeitando a trama não uma, mas duas vezes.

Pantanal

Na década de 1980, após emplacar várias novelas das seis, o autor apresentou a sinopse de Pantanal para a faixa das oito. Mas o canal, na época, rejeitou a produção, alegando a inviabilidade de se gravar uma novela no bioma. Com a recusa, Benedito bateu na porta da Manchete com seu projeto, que foi abraçado pelo diretor Jayme Monjardim.

O estouro de Pantanal em 1990 mexeu com a televisão brasileira. Enquanto a concorrente alcançava os maiores índices de audiência de sua história, a Globo se via obrigada a mexer em sua linha de shows para tentar estancar a fuga de público. Além disso, foi aberta uma verdadeira caça às bruxas dentro do canal para identificar quem havia falhado na avaliação.

“Benedito Ruy Barbosa ofereceu repetidamente a novela a diversos escalões da diretoria da Globo, que sempre a recusaram como se fosse um projeto mirabolante de um autor excêntrico. Agora, os responsáveis pela recusa de Pantanal, ao lado dos caça-talentos da emissora, encarregados da renovação do quadro de atores, estão justamente entre os funcionários a quem a Globo atribui um quinhão alentado de responsabilidade pela derrota diante da Manchete no horário das nove e meia”, explicou matéria da revista Veja de 9 de maio daquele ano.

Votos contrários

Benedito Ruy Barbosa

De acordo com o novelista, depois de muita insistência, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que dirigiu a emissora por três décadas, autorizou um estudo de viabilidade.

“Dois diretores da emissora, Herval Rossano (1935-2007) e Atílio Riccó, voaram para o Pantanal, mas era época da cheia e eles voltaram no mesmo dia atestando a inviabilidade de gravar uma novela na região. “O voto contrário mais forte foi de Daniel Filho”, informou Benedito Ruy Barbosa”, ressaltou a publicação.

O próprio Boni falou sobre o sucesso da novela da Manchete, parabenizando a emissora pela produção.

“Ela trouxe uma paisagem nova e atraente para a televisão. Há também uma maior ousadia no tratamento dado às cenas de sexo, sem ultrapassar o limite do bom gosto. Embora lenta e arrastada, inegavelmente a narrativa tem apelo. Como profissional, considero saudável uma concorrência que busca a qualidade, especialmente quando jovens de talento, como Jayme Monjardim [diretor de Pantanal], estão envolvidos no processo”, disse.

Nova rejeição

Pantanal

Com o sucesso do folhetim, a Globo arrematou de volta o passe de Benedito Ruy Barbosa, que finalmente chegou ao horário nobre da emissora líder. Na faixa, emplacou grandes sucessos, como Renascer (1993), O Rei do Gado (1996) e Terra Nostra (1999).

Anos depois, em 2006, o canal adquiriu os direitos sobre o texto de Pantanal. Naquela época, já começavam a surgir rumores de que a Globo poderia produzir sua própria versão da novela que a assombrou no passado.

Em nota publicada no jornal O Estado de S. Paulo, em 24 de janeiro de 2006, a jornalista Keila Jimenez informava que os direitos sobre o roteiro já pertenciam à estação. Mas, segundo Jimenez, o canal negava que tinha interesse em fazer um remake da obra.

A colunista informava que refazer Pantanal na Globo era um sonho de Benedito Ruy Barbosa. O autor acreditava que, com os avanços tecnológicos e o poder de produção da casa, a nova versão da novela seria ainda mais grandiosa que a primeira.

Sem chance

Paraíso

Vale lembrar que, naquela época, as regravações da obra de Ruy Barbosa estavam em alta na Globo. O sucesso da segunda versão de Cabocla (2004) animou o canal a revisitar a obra do novelista, e um remake de Sinhá Moça já estava engatilhado para aquele ano. Depois, a emissora produziu ainda novas versões de Paraíso (2009) e Meu Pedacinho de Chão (2014).

No entanto, a Globo negou a possibilidade de regravar Pantanal. A emissora avisou que adquiriu os direitos sobre o texto da trama para que Benedito Ruy Barbosa pudesse usar elementos da obra em novas novelas.

A jornalista Keila Jimenez informou que, provavelmente, a Globo teria adquirido o roteiro apenas para não correr o risco de deixar a trama disponível para a concorrência. Ou seja: o canal comprou a novela para evitar uma dor de cabeça parecida com a vivida no início dos anos 1990.

Reprise polêmica

Silvio Santos

A Globo, com a manobra, conseguiu evitar que as concorrentes produzissem uma nova versão de Pantanal. No entanto, a emissora não esperava que o SBT fosse exibir justamente a obra original, em 2008.

Anunciada como “arma secreta”, a reprise de Pantanal na emissora de Silvio Santos pegou todo mundo de surpresa. Isso porque, embora a Globo não tivesse demonstrado interesse num remake, a ideia ainda passava pela cabeça de Benedito Ruy Barbosa. Mas o repeteco do folhetim jogou água nos planos do autor.

“É difícil refazer esse momento emocional – era um novo momento social e político no Brasil. Pantanal é uma obra que não daria um remake”, declarou Jayme Monjardim na época.

O SBT conseguiu as fitas da novela da Manchete por meio de uma produtora que arrematou a obra num leilão da massa falida da extinta emissora. No entanto, a reprise rendeu polêmica, afinal, o fato de ter a obra em mãos não indicava, necessariamente, que a estação de Silvio Santos poderia exibir. Até porque os direitos sobre o texto eram da Globo…

A polêmica, então, foi parar na Justiça. Benedito Ruy Barbosa acionou o SBT judicialmente, num processo no qual a emissora foi obrigada a indenizar o autor, além de ser proibida de reprisar Pantanal novamente.

Em suma: o sucesso que a obra está fazendo hoje na tela da Globo poderia ter acontecido anos atrás, não fosse o pouco caso que a emissora fez ao comprar os direitos do texto e à reprise do SBT.

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André Santana é jornalista, escritor e produtor cultural. Cresceu acompanhado da “babá eletrônica” e transformou a paixão pela TV em profissão a partir de 2005, quando criou o blog Tele-Visão. Desde então, vem escrevendo sobre televisão em diversas publicações especializadas. É autor do livro “Tele-Visão: A Televisão Brasileira em 10 Anos”, publicado pela E. B. Ações Culturais e Clube de Autores. Leia todos os textos do autor