Um dos maiores sucessos da TV brasileira de todos os tempos. Não apenas pela repercussão aqui, mas também pelo mundo afora. Há 45 anos, terminava a novela Escrava Isaura, adaptação de Gilberto Braga do romance de Bernardo Guimarães, dirigida por Herval Rossano e Milton Gonçalves.

Mesmo quem nunca assistiu à novela, associa Lucélia Santos à figura da heroína sofredora, o ator Rubens de Falco ao terrível vilão Leôncio, e a música “lerê-lerê” à novela. Escrava Isaura foi ao ar no horário das seis da Globo entre 11 de outubro de 1976 e 5 de fevereiro de 1977, totalizando 100 capítulos.

Para celebrar a efeméride, destaco 10 curiosidades sobre essa inesquecível produção.

Parou guerras

Vendida para mais de 100 países, dublada para diversos idiomas, Escrava Isaura foi o primeiro grande sucesso internacional da TV Globo. Os atores do elenco viajaram o mundo para promover a novela e se tornaram celebridades em muitos países, como China, Cuba e União Soviética. A produção mudou os hábitos dos povos, tamanha foi sua penetração. Influenciadas, as pessoas alteravam seus compromissos e seu vocabulário.

Escrava Isaura foi a primeira novela brasileira a furar o bloqueio da Cortina de Ferro, onde fez muito sucesso. Parou a guerra da Croácia quando exibida neste país. Na Rússia, a palavra “fazenda”, antes inexistente, entrou para o dicionário na versão hispânica, “hacienda”. Em Cuba, o governo chegou a cancelar o racionamento de energia elétrica durante o horário de exibição. Na Bósnia, em pleno calor da guerra contra a Sérvia, os dois exércitos decretaram cessar-fogo enquanto foram apresentados os capítulos.

Na China, Lucélia Santos ganhou o Prêmio Águia de Ouro, com os votos de cerca de 300 milhões de pessoas – foi a primeira vez que uma atriz estrangeira recebeu um prêmio no país. Na Polônia, milhares de pessoas lotaram um estádio para assistir a uma competição de sósias dos personagens Isaura e Leôncio.

Estreias

Foi o primeiro trabalho de Lucélia Santos na televisão, que passou a ser a mais nova estrela da Globo. O convite para interpretar o papel-título partiu do diretor Herval Rossano, após ele assistir o desempenho da atriz na peça “Transe no 18”, em 1976. Porém, o autor, Gilberto Braga, queria outra atriz para Isaura: Louise Cardoso.

Também foi primeira novela na Globo de Edwin Luisi, que viveu o mocinho Álvaro. O ator vinha de pequenos papeis nas novelas da TV Tupi. Ainda a estreia em novelas de Neuza Borges e Edyr de Castro (esta última, do grupo musical Frenéticas).

Censura

Gilberto Braga narrou em entrevista os problemas da novela com a Censura Federal, na época:

“Quando comecei a escrever Escrava Isaura, fui chamado a Brasília para conversar, porque eles achavam a novela perigosa. Então, na reunião com censores, ficou mais ou menos estabelecido que eu não poderia falar de escravo. Uma censora me disse que a escravatura tinha sido uma ‘mancha negra’ na história do Brasil, e que não deveria ser lembrada – aliás, segundo ela, o ideal seria arrancar essa página dos livros didáticos; imagine então falar disso na novela das seis. Um censor falou que a novela podia despertar sentimentos racistas na netinha dele, porque ela via os brancos batendo nos escravos na televisão e podia querer bater nas coleguinhas pretas dela. Aí eu disse ao censor que ele devia ver um psicólogo para a menina porque, se ela se identificava assim com os bandidos…”.

Gilberto usou essa passagem com muita propriedade em sua minissérie Anos Rebeldes, em 1992, em que o personagem Galeno Quintanilha (Pedro Cardoso), um novelista, é repreendido pelos censores ao escrever uma trama de cunho abolicionista. Não resta dúvida de que Galeno era o alter ego do autor, que levou ao público, através da minissérie, as dificuldades de se escrever uma novela nos “anos de chumbo”.

Fogo na cabana

No romance de Bernardo Guimarães, Isaura só encontra o amor em Álvaro a dois terços da história. Gilberto Braga criou então o personagem Tobias (Roberto Pirilo), que não existe no livro, para evitar tanto tempo de Isaura no ar sem um interesse afetivo. Tobias sumiu da trama em um entrecho folhetinesco magistral: foi morto em um incêndio, pelo vilão Leôncio.

Neste mesmo incêndio, pensando tratar-se de Isaura, Leôncio acaba por assassinar a própria esposa, Malvina (Norma Blum). No romance, o destino de Malvina não é tão trágico: ela abandona Leôncio. A cena do incêndio na cabana foi uma das mais marcantes da novela.

O baile

Outro momento muito esperado da trama foi a sequência em que Isaura, escondendo sua condição de escrava por ter fugido de seu senhor, é desmascarada durante um baile. Ela estava com o pai, Miguel (Átila Iório) e dois escravos amigos em outra cidade e se escondia sob uma falsa identidade, Elvira.

Convencida por Álvaro a ir ao baile, Isaura foi desmascarada por Martinho (André Valli), um caçador de recompensas, denunciada e finalmente capturada por Leôncio, que estava em seu encalço.

O brinde

No último capítulo, a escrava invejosa Rosa (Léa Garcia) fingia estar arrependida de suas maldades e sugeria um brinde, como prova de sua redenção, oferecendo à inimiga Isaura um ponche envenenado. A alegre Carmem (Ângela Leal) mistura as taças e, na confusão, Rosa toma o veneno por engano e morre.

O telespectador mais atento pôde observar que, na verdade, foi Isaura quem tomou a bebida letal. Apesar do erro de continuidade, a heroína sobreviveu e viveu feliz para sempre ao lado de seu amor, Álvaro.

Lerê-lerê

A abertura da novela era ilustrada com gravuras do pintor francês Jean-Baptiste Debret, que morou no Rio de Janeiro no período do Império e retratou personagens e costumes desta época. A música-tema, “Retirantes”, de Jorge Amado e Dorival Caymmi, interpretada pela orquestra e pelo coro da Som Livre, marcou a TV brasileira e até hoje remete à personagem Isaura e à novela.

O “lerê-lerê” da música, um lamento de escravos, hoje faz parte de nossa cultura: passou a ser associado, com certo deboche, a trabalho puxado, cansativo ou abusivo.

[anuncio_5]

Campeã de reprises

Foram, pelo menos, quatro reapresentações. A primeira, entre agosto de 1977 e janeiro de 1978 (praticamente um ano após sua exibição original), no início da tarde, quando a faixa Vale a Pena Ver de Novo ainda não tinha este nome. Compactada em 30 capítulos, foi reprisada às 18 horas entre dezembro de 1979 e janeiro de 1980, como tapa-buraco, para preencher o período entre as novelas Cabocla e Olhai os Lírios do Campo.

Ainda: a partir de setembro de 1982, pelas manhãs, dentro do programa feminino TV Mulher. E, em forma condensada, ganhou novo repeteco em 1990, como parte do Festival 25 Anos da Globo. E mais: somente para o Distrito Federal, foi reprisada em 1985, em um compacto, após o Jornal Nacional, no horário em que no resto do país era exibido o Horário Eleitoral Gratuito.

Filhotes

Em 1986 (dez anos após Escrava Isaura), Lucélia Santos e Rubens de Falco voltaram a atuar em uma trama de época, abolicionista, em que ela era a mocinha e ele, o vilão: Sinhá Moça, adaptação de Benedito Ruy Barbosa do romance de Maria Dezonne Pacheco Fernandes. Claro que uma história nada tem a ver com a outra. Os esforços da Globo em reunir novamente Lucélia e Rubens em uma novela abolicionista visavam logicamente, além da homenagem, o mercado internacional.

Exatos 28 anos depois de sua estreia na Globo, a história de Isaura ganhou uma nova adaptação para a TV, produzida pela Record TV, com texto de Tiago Santiago e a mesma direção geral da primeira versão, de Herval RossanoBianca Rinaldi foi a nova Isaura, Leopoldo Pacheco, Leôncio, e Théo Becker, Álvaro. Esta versão da Record contou ainda com as participações especiais de RUbens de Falco e Norma Blum (da primeira versão), que voltavam a interpretar um casal, agora os pais de Leôncio. Na trilha, novamente “Retirantes”, e na abertura, as imagens de Debret.

Entre 2016 e 2017, a Record levou ao ar a novela Escrava Mãe, de Gustavo Reiz, que contava a história de Juliana (Gabriela Moreyra), a mãe de Isaura, personagem citada no romance “A Escrava Isaura” – que, inclusive, apareceu na novela da Globo, em cenas de flashback, interpretada por Lady Francisco.

[anuncio_6]

Gilberto não gostava

Gilberto Braga

Pasme: Gilberto Braga não gostava de Escrava Isaura! O autor declarou ao livro “Autores” (do Projeto Memória Globo):

“Acho a novela horrível! Até hoje não entendo por que fez tanto sucesso. Era uma produção horrorosa. Eu não gosto, especialmente, do elenco, nem do meu texto. O que era bom ali era a temática do Bernardo Guimarães, que é muito forte. Claro, existia uma certa técnica, não vou dizer que eu e a direção éramos totalmente ineptos. Mas, francamente, não gosto”.

AQUI tem tudo sobre Escrava Isaura: a trama, elenco completo, personagens, trilha sonora e muitas curiosidades de bastidores.

Compartilhar.
Avatar photo

Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor